terça-feira, 29 de dezembro de 2015

O Básico da Filosofia


NIGEL, Warbuton. O Básico da Filosofia. Rio de Janeiro: José Olympio, 2008.

O relativismo no campo moral, epistemológico e ontológico é algo bastante disseminado nos cursos de humanas. Sempre existem os mais empolgados professores e alunos que gritam em alto e bom som que não existe mais acadêmicos sérios que rejeitam a visão relativista. Deparei-me inúmeras vezes com esses tipos. 

Sinto muito em dizer que eles estão bem equivocados. O Nigel Warburton (Ph.D em Filosofia no Darwin College da Universidade de Cambridge, Inglaterra. Foi Professor na Universidade de Nottingham, Inglaterra. Atualmente é Professor e Palestrante de Filosofia na Universidade Aberta, Inglaterra) é um dos acadêmicos que discorda dessa visão tosca do relativismo. Fiquei positivamente surpreso quando li o seu livro em 2012. 

Vejamos o que ele fala sobre o relativismo moral:

"Diferentes sociedades têm diferentes costumes e idéias a respeito de certo e errado. Não há um consenso mundial sobre que ações são certas e erradas. Ainda que exista uma considerável coincidência entre as concepções. Se considerarmos o quanto os valores morais mudaram, tanto de lugar para lugar, quanto de época para época, pode ser tentador achar que não há fatos morais absolutos, mas sim que a moralidade é sempre relativa à sociedade em que você foi criado. Por esse ponto de vista, uma vez que a escravidão era moralmente aceitável para a maioria dos gregos antigos, mas não o é para a maioria dos europeus hoje, a escravidão era correta no contexto dos antigos gregos, mas seria errada no contexto atual". 

"Esse ponto de vista, conhecido como relativismo cultural, torna a moralidade simplesmente uma descrição dos valores esposados por uma sociedade particular num momento particular. Essa é uma posição metaética sobre a natureza dos julgamentos morais: só podem ser considerados verdadeiros ou falsos relativamente a uma sociedade particular. Não haveria, portanto, julgamentos morais absolutos: são todos relativos. O relativismo moral contesta frontalmente o ponto de vista que algumas ações são certas ou erradas de modo absoluto, tal como defendido, por exemplo, por muitos que acreditam que a moralidade consiste nas ordens de Deus à humanidade". 

"Os relativistas costumam acrescentar à sua concepção de moralidade a convicção de que como a moralidade é relativa, nunca deveríamos interferir nos costumes de outras sociedades, pois não há um ponto de vista neutro a partir do qual julgar. Esta opinião foi particularmente popular entre antropólogos, talvez por terem testemunhado com frequência a destruição infligida a outras sociedades por uma importação nua e crua de valores ocidentais. Quando o relativismo moral tem o acréscimo deste componente para com outras sociedades, é geralmente conhecido como relativismo normativo".

Críticas ao relativismo moral

Os relativistas são inconsistentes?

"Os relativistas morais às vezes são acusados de inconsistência, uma vez que alegam que todos os julgamentos morais são relativos, mas ao mesmo tempo querem que acreditemos que a teoria do relativismo moral é ela própria absolutamente verdadeira. Isto é um problema sério para um relativista moral que é também um relativista quanto à verdade, isto é, alguém que acredita que não existe verdade absoluta, apenas verdades relativas a sociedades particulares. Esse tipo de relativista não pode defender nenhuma teoria, muito menos declarar que algumas delas é absolutamente verdadeira".

"Relativistas normativos também estão vulneráveis á acusação de inconsistência. Eles acreditam não só que todos os julgamentos morais são relativos à sua sociedade, mas que as sociedades não deveriam interferir umas nas outras. No entanto, essa segunda convicção é com certeza exemplo de um julgamento moral absoluto, incompatível com a premissa básica do relativismo normativo. Esta é a maior crítica ao relativismo normativo".

O que considerar como sociedade?

"Os relativistas morais costumam ser vagos a respeito do que considerar uma sociedade. Por exemplo, na Grã-Bretanha contemporânea há com certeza membros de subculturas que acreditam ser moralmente aceitável usar drogas ilícitas para fins recreativos. Em que ponto um relativista estará preparado para dizer que os membros dessas subculturas formam uma sociedade separada, concluindo que possuem sua própria moralidade, a qual é imune a críticas de outras culturas? Não há resposta óbvia para esta questão".

Impedimentos de críticas morais aos valores de uma sociedade

"Ainda que a crítica anterior pudesse ser refutada, coloca-se uma dificuldade a mais quanto ao relativismo moral. Parece impedir a possibilidade de crítica moral aos valores essenciais de uma sociedade. Se julgamentos morais são definidos em termos de valores capitais daquela sociedade, nenhuma crítica a esses valores pode usar argumentos morais contra eles. Em uma sociedade na qual a idéia predominante é na qual as mulheres não deviam ter direito a votar, qualquer pessoa advogando o sufrágio feminino estaria sugerindo algo relativamente imoral aos valores daquela sociedade". P. 97-100.

Em acréscimo, cito aqui as palavras do Desidério Murcho (Mestrado e Licenciado em Filosofia pela Universidade de Lisboa, Portugal, e Professor da Universidade Federal de Ouro Preto):

“A motivação pós-modernista para abandonar a noção de verdade é a ideia de que esta seria opressora, colonialista e eurocêntrica: em nome da verdade, diz-se, exploraram-se os povos indígenas de África e das Américas, impôs-se a religião europeia e sustentou-se o racismo e o colonialismo. Esta acusação resulta de uma confusão pré-moderna entre a verdade e o que se pensa que é verdade mas é de facto falso. O racismo e o colonialismo baseiam-se em falsidades: que os negros ou os índios são inferiores, que por terem sociedades diferentes das nossas não têm direito à autodeterminação, à integridade territorial e à autonomia económica, política e religiosa. Quando se abandona a noção de verdade não se pode protestar perante as falsidades em que se apoia o racismo ou o colonialismo. Só o respeito pela verdade justifica que não se aceite como absolutas as nossas crenças, costumes e ideologias: porque podemos estar errados.” [1].

A Sociologia e a Antropologia não fornecem as ferramentas necessárias para lidar com os Valores e a Ética. Ambas apenas descrevem e interpretam dada sociedade e realidade; são descritivas e não prescritivas. Mas os Antropólogos/Sociólogos adoram prescrever como nós ocidentais devemos olhar certas práticas de outros povos e nos comportar diante delas. Um comportamento de passividade, alias. Porém, diante do relativismo cultural tão ferozmente defendido por eles, porque deveríamos acatar o “conselho” de “tolerância” deles? 

Referências

domingo, 27 de dezembro de 2015

Deus e a Cosmologia - Debate entre Willian Lane Craig e Sean Carrol


Mais um debate sobre esse tema tão discutido e gerador de emoções, paixões, raivas e ressentimentos de ambos os lados. Telespectadores teístas, ávidos por “provarem” a existência do seu deus; telespectadores naturalistas/ateístas impacientes, querendo o óbito e sepultamento de deus, ocasionados pela ciência.  

Conhecido por participar de vários debates nas últimas décadas, defendendo o teísmo, temos Willian Lane Craig (Ph.D em Filosofia pela Universidade de Birminghan, na Inglaterra, membro de nove Sociedades Acadêmicas, dentre as quais estão a Associação Filosófica Americana, Sociedade Americana de Religião e o Instituto de Filosofia da Universidade de Louvain, na Bélgica). Na contramão, fazendo apologia ao naturalismo como realidade última, temos o Sean Carrol (Ph.D em Astronomia na Universidade de Harvard, Pós-Doutor em Física no Instituto de Tecnologia de Massachusetts, Professor do Departamento de Física do Instituto de Tecnologia da Califórnia (MIT) e membro da Sociedade Americana de Física).

A tônica da fala de Craig é um pouco diferente dos seus debates anteriores (pelo menos os que temos legendados em português), visto que o seu oponente, ao contrário da maioria dos Físicos, defende um Universo eterno. Dessa forma, Craig tenta mostrar em sua fala inicial as evidências de que o Universo passou a existir (teve um começo) há 13,65 bilhões de anos. A 2º Lei da Termodinâmica é umas de suas evidências apresentadas.

Carrol de modo eloquente rejeita todas as proposições do Craig, numa saraivada de argumentos e conhecimentos cosmológicos, ele parece refutar quase todos os pontos frisados pelo seu adversário. E várias vezes enfatiza que o Craig, está equivocado, errado, faz citações de Físicos fora do contexto e etc. A evidência do ajuste fino como sendo um indício de um suposto deus que criou os cosmos, é rejeitada por ele.  Carrol permanece irredutível.

Para mim, e para maioria dos que assistiram a esse debate, ficou uma pontada de frustração. Pelo simples fato de não termos conhecimentos na área de Astronomia, como os dois debatedores têm. Muitos termos e conceitos cosmológicos são usados e frisados, e mesmo que ambos os debatedores os apresentem de modo simplificado, ainda fiquei sem entender uma boa parte do que quiseram dizer. O ideal seria fazer algumas pesquisas adicionais e assistir o debate uma segunda vez, para se ter uma visão mais abalizada e mais “justa” do embate. Mas não farei isso. Rsrsrs. Assim como o teísmo de um, e o naturalismo do outro, ficaram inabaláveis, o meu teísmo/deísmo (oscilo entre um e outro) também está.

Na parte final do debate, o moderador abriu perguntas para a plateia. Uma considerável parte do debate ficou restrita a isso. Foi um momento interessante. E como estava propenso a estar do lado do Craig no debate (continuo estando), faço aqui o recorte de uma pergunta direcionada ao Carrol sobre o problema do livre-arbítrio.

Pergunta:

“Dr. Carrol, você disse em conversas anteriores que dentro das leis da física que observamos hoje não lugar para o livre arbítrio. Eu considero você um pensador crítico e racional. Como você reconcilia o pensamento crítico se ao mesmo tempo, você não tem o livre-arbítrio de escolher entre premissas verdadeiras e falsas, e lógicas, válidas e inválidas, se estas escolhas são feitas [por] você, como que qualquer coisa que qualquer um diga não é inerentemente irracional?”

Resposta do Carrol:

“Eu sei que estou com problemas quando alguém diz ‘eu te considero um pensador racional’, antes de fazer a pergunta. Eu acho que você não tem certeza sobre exatamente o que você leu. Se você ler com cuidado, verá que sou a favor do livre-arbítrio. Eu sou pró-livre-arbítrio. E acho que o livre-arbítrio é um conceito emergente em um universo em que, em um nível fundamental, é completamente mecanístico. Eu acho que existem leis físicas que não envolvem o que chamamos de uma abordagem libertária do livre-arbítrio. 

Eu não acho que os seres humanos super cedam as leis da física. Eu acho que os seres humanos são uma coleção de partículas elementares se interagindo de acordo com as leis da física. E se eu fosse descrever cada partícula do meu corpo e se tivesse uma capacidade computacional do nível do demônio de L’aplace eu seria capa de prever o que faria. 

Mas eu não tenho nada disso! Eu não tenho as informações, o microestado das minhas funções de onda da mecânica quântica. E logo o vocabulário que uso para me descrever é ‘um ser humano fazendo escolhas de acordo com princípios racionais’. E eu acho que é absolutamente legítimo neste padrão dizer: ‘O livre-arbítrio é real’.

O máximo que já escrevi sobre o livre-arbítrio foi um pequeno post em um blog em que eu dizia: ‘O livre-arbítrio é tão real quando o basebol’. O basebol não possui nenhum lugar para ser encontrado nas leis fundamentais da física, ele é uma descrição de coisas em um nível coletivo que acontecem em um nível microscópico. Isso não significa que o basebol não exista, isso só significa que ele não está presente nas leis fundamentais. Eu diria que o livre-arbítrio é assim também. Então eu acho que não há nada de errado usarem a linguagem de ‘pessoas fazendo escolhas’ ou ‘as pessoas estão corretas ou incorretas’.”

Considerações do Craig:

“O que me parece é que na sua visão o livre-arbítrio é no final das contas uma ilusão, por que tudo que fazemos é determinado por tudo que acontece em um nível fundamental. Logo mesmo que eu tenha a ilusão do livre-arbítrio, se eu fosse realmente capaz de entedê-lo eu veria que eu estou determinado a fazer o que eu faço. Incluindo acreditar no determinismo, o que faz a minha escolha de crer no determinismo, me parece, ser irracional, ou não racional deveria dizer. Eu estou simplesmente determinado a crer no determinismo. 

Então eu não acho que seja útil falar do livre-arbítrio como uma realidade emergente, quando em um nível fundamental, você esteja afirmando o determinismo. Então seria apenas no nome e não na realidade. Então neste caso, o cara que fez a pergunta está correto. É muito difícil ver como que qualquer coisa que eu faça seja racional, é como crescer um galho em uma árvore. Tudo já está determinado pelas minhas forças não mentais.”

O rapaz da plateia, como diz o Craig, está correto. Sua pergunta acaba destruindo todo ou quase toda a argumentação que o Carrol tão eloquentemente e inteligentemente expôs durante o debate. Ele tenta ludibriar os incautos. Mas no fundo, ele não crer que o livre-arbítrio de fato exista. Apenas as nossas partículas criaram esse conceito, ou seja, é uma ideia determinada por elas. Dessa maneira, o Carrol crer no crer, porque foi determinado para tal. Ele não teve, não tem, e nunca terá  a escolha de agir ao contrário do que suas partículas irracionais determinam. No final, todas as crenças, incluindo o Teísmo e o Naturalismo são a mesma bosta/merda/cocô/esterco/estrume e o escambal.

Me passando um pensamento “maléfico” e “demoníaco” agora, se alguém desse um tiro no Carrol e o deixasse tetraplégico, o atirador (eu? Não, deus me livre) poderia lhe dizer: “Eu fiz o que fiz, porque sou ‘uma coleção de partículas elementares se interagindo de acordo com as leis da física’. Não poderia agir de outra forma. Pena que eu não te matei.”

Depois esses Cientistas ateus ficam indignados com os religiosos que tentam fazer uma ponte entre Ciência e Teologia. Os religiosos só fazem isso, porque são “uma coleção de partículas elementares se interagindo de acordo com as leis da física”.

Esse questionamento estava fora do escopo do debate, mas serviu para escancarar o contra-senso do ateísmo defendido pelo Carrol.

OBS: A legenda foi às pressas. Durante o debate, pequenas falhas são bem perceptíveis. Mas nada que atrapalhe o andar da carruagem. 

terça-feira, 15 de dezembro de 2015

É Necessário Queimar Os Hereges


ALMEIDA, Leandro Thomaz. É necessário queimar os hereges. São Paulo: Fonte Editorial, 2014.

Concomitante ao livro Nazismo e Cristianismo, estava também lendo e apreciando essa obra, que traz um tema e um texto inédito sobre os eventos que fizeram parte da Reforma Protestante do século XVI.

Muito se fala e se lê sobre Lutero e Calvino – mas sobre Sébastien Castellion, apenas tinha visto poucas páginas dedicadas a ele em alguns livros biográficos sobre João Calvino.

De acordo com o Leandro Thomaz de Almeida (Ph.D em Letras na Unicamp), seu interesse surgiu em pesquisar essa figura pouco conhecida da Reforma Protestante, quando estava fazendo estudos do seu Doutorado na França, e acabou descobrindo por lá, os documentos referentes a Castellion e sua atuação religiosa e apaziguadora nos anos loucos do século XVI.

Castellion foi um homem a frente de seu tempo que teceu criticas ajuizadas e certeiras contra Calvino e Beza, reformadores de Genebra, que foram coniventes com a morte na fogueira de Michel Servetus, um homem que ousou pensar diferente. E não apenas isso, Castellion, em cartas e livros apelou para a tolerância às ideias divergentes, não impondo sobre seus discordantes a pecha de hereges ou de caluniadores de Deus.

“Lembremo-nos que nessa época, ideias levavam à morte, livros podiam ser passaporte à fogueira e mesmo afirmações que lançassem uma centelha de dúvida sobre o pensamento ortodoxo podia ser sinônimo de degredo perpétuo”. P. 33.

Para muitos protestantes e católicos nada mais nada menos que a morte na fogueira e de quebra, a eternidade no INFERNO DE FOGO sofrendo os suplícios flamejantes ali presentes, estavam reservados para os que divergissem de seus pontos de vista. Questiúnculas bestas (para eles, era da maior importância, menos para Castellion), tais como se o batismo deve ser ministrado às crianças ou não, era suficiente para se criar um real inimigo e, assim, tentar destruí-lo, caso não abandonasse as suas ideias.

Almeida dispara:

“Os dois maiores nomes da Reforma Protestante aboliram a autoridade papal e logo em seguida cuidaram de estabelecer outra: as suas próprias. Lutero perseguiria os anabatistas, Calvino os hereges, assim chamados [...] não necessariamente por não desejarem seguir as Escrituras, mas por não fazê-lo segundo a opinião do mestre [Lutero ou Calvino]. Destronado o papa enquanto figura de autoridade, outras foram erigidas, mas com um agravante: disfarçadas, agora, sob a propaganda do livre acesso à Bíblia, sob um suposto contato direto com a Palavra de Deus”. P. 96.

E hoje continua da mesma forma. Milhares de igrejas evangélicas, se dizendo guardiãs da “sã doutrina”, são campeãs em condenar os outros a fogueira. Muitos líderes, se possível, mandariam para a forca os que lhe contradizem. E tudo isso, usando os supostos textos-provas da bíblia.

Em uma severa e contundente crítica ao fanatismo e fundamentalismo religioso tão presente na Europa do século XVI (os anos turbulentos da Reforma Protestante), Sébastian Castellion, um dos reformadores, traduz corretamente como um suposto herético era muitas vezes identificado:

“Certamente, após ter frequentemente procurado o que é um herético, não encontro outra coisa senão que estimamos heréticos todos aqueles que não concordam conosco em nossa opinião”. P. 113.

Em não raras ocasiões, pessoas eram entregues as masmorras e mortes, por não compactuarem com as ideias religiosas vigentes em dada região. Isso valia tanto para territórios católicos como protestantes.

Sébastien Castellion, em carta endereçada a um príncipe, lhe diz a que pé estava os “seguidores” de Jesus uns em relação aos outros:

“[...] os Católicos, os Luteranos, os Zuinglianos, os Anabatistas, os Monges e outros se condenam e perseguem mais cruelmente uns aos outros, como não se vê nem entre os Turcos em relação aos Cristãos. Tais ruídos e dissensões não vêm de outro lugar, senão da ignorância quanto à verdade. [...] Pois isto é certo, que à medida que alguém conhece melhor a verdade é menos inclinado a condenar os outros”. P. 116.

Ainda em sua carta endereçada a um certo príncipe, Castellion lamenta a triste situação de católicos e protestantes no contexto do século XVI:

“Como, no entanto, combatemos uns contra os outros por ódios e perseguições, vamos cada dia de mal a pior, e não nos lembramos de nosso ofício, mas estamos ocupados em condenar os outros, de tal modo que o Evangelho é hostilizado entre os Gentios por nossa falta. Pois quando eles nos veem correndo uns após os outros furiosamente como bestas, e os mais fracos serem oprimidos pelos mais fortes, eles têm horror ao Evangelho e o destetam, como se ele tivesse ordenado tais coisas, e odeiam a Cristo como se ele tivesse ordenado tais coisas. [...] Pois quem iria querer se tornar Cristão quando vê que aqueles que professam o nome de Cristo são mortos por Cristãos, pelo fogo, pela água, pela espada, sem qualquer misericórdia, e tratados mais cruelmente que malfeitores ou assassinos? Quem não pensaria que Cristo não seria algum Moloque [deus a quem as crianças eram sacrificadas], ou um Deus qualquer, se ele quer que os homens lhe sejam imolados vivos?” P. 116-117.

Livro apaixonadamente recomendado. Serve de alerta aos donos da “verdade”. O título desse livro é uma ironia que traduz fielmente o sentimento de muitos pastores ávidos por controlar suas massas e exercer o terror psicológico sobre elas. 

segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Deus não é cristão


TUTU, Desmond. Deus não é cristão. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2012.

Finalmente terminei! Desmond Tutu é um líder da Igreja Anglicana, que lutou ferozmente contra o opressivo e cruel regime do apartheid na África do Sul. Esse livro é uma compilação de inúmeros sermões, cartas e escritos do bispo Tutu desde a década de 1970 até anos recentes. 

Aí está uma autoridade religiosa digna de respeito e consideração. Foi Nobel da Paz em 1984, em reconhecimento pelas suas incansáveis contribuições em favor da paz e fim do sistema de segregação que até então era vigente em seu país.

Ele se pauta pelo equilíbrio, serenidade, humildade e muita paciência. Porque viver num sistema tão injusto quanto foi o apartheid, e ainda manter a calma e a constância que ele manteve é para poucos. 

A minha vontade seria de pegar em armas e cravejar de balas aqueles brancos FDP. Irracional e pouco eficiente isso? É sim! As armas de Tutu, Gandhi, Luther King, Malcolm X (tardiamente) e do exemplo maior do Tutu – Jesus, o Cristo – foi não revidar o mal na mesma moeda.

“A religião, que deveria estimular a irmandade e a fraternidade; e encorajar a tolerância, o respeito, a compaixão, a paz, a reconciliação, o cuidado e a partilha, tem com muita freqüência (perversamente) praticado o oposto. A religião tem alimentado a alienação e o conflito e exacerbado a intolerância, a injustiça e a opressão. Algumas das atrocidades mais medonhas aconteceram e estão acontecendo em nome da religião.” P. 69.

Até parece que foi um ateu ou um antirreligioso que expressou essas palavras tão contundentes. Mas Tutu acerta em cheio em sua critica. A religião não raras vezes tem provocado exatamente isso. Em especial aqui no Brasil, certos seguimentos religiosos têm gerado um fanatismo e escravidão espiritual e psicológica assustadoras. As igrejas evangélicas são um triste exemplo. A pobreza de pensamento e senso crítico de seus membros os fazem vítimas fáceis de pastores inescrupulosos. 

Tutu contundentemente revela a lastimável situação do continente africano, que ainda está envolto nas trevas da pobreza, injustiça, sofrimento e subdesenvolvimento.

“A África tem uma característica nada invejável de produzir a maior quantidade de refugiados do mundo. É claro, muitos refugiados se devem a desastres naturais. Mas, infelizmente, irmãos e irmãs, a maioria deles se deve à injustiça e à opressão presentes na própria terra natal. Precisamos confessar, com tristeza e humildade, que a África detém um dos piores recordes de violação dos direitos humanos. A África sofre com um dilúvio de ditaduras militares.” P.83.

“Em muitos lugares, tudo que mudou para o povo que sofre foi a cor da pele do opressor. No período colonial o opressor tinha uma cor de pele diferente. Hoje, infelizmente, a cor da pele do opressor é a mesma da do oprimido.” P. 83.

Tutu se mostra assustado e inconformado diante do apoio de Israel ao regime de segregação na África do Sul.

“[...] Não conseguimos compreender como os judeus [governo de Israel] conseguem cooperar com um governo [Partido Nacional sul-africano que mantinha a política do apartheid] cuja a maioria dos membros era simpática a Hitler e aos nazistas e que, durante muito tempo, se recusou a aceitar judeus em suas fileiras apenas por serem judeus.” P. 105.

Uma puta sacanagem do governo israelense. Esses FDP sofreram o que sofreram, para apoiar poucas décadas depois um governo cruel e preconceituoso como o governo da África do Sul, que segregava e tratava os negros como sub-humanos, e que não aceitava judeus em seu partido, quando Hitler estava no poder na Alemanha. Tutu falou isso na década de 1980 quando o regime do apartheid ainda vigorava na África do Sul. 

Tutu interpela:

“[...] qual é o tratamento que você dispensa ao pobre, ao faminto? Que tratamento dispensa ao vulnerável, ao que não tem voz?” P. 125.

Esse tipo de pergunta é um murro na boca do estômago! 

quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Nazismo e Cristianismo


NASCIMENTO, André dos Santos Falcão. Nazismo e Cristianismo. São Paulo: Fonte Editorial, 2012.

Acabo de ler esse livro que traz valiosas informações sobre a relação que houve entre o Nazismo e o Cristianismo, na Alemanha das décadas de 1930-1940. O autor passeia pela História, Filosofia, Teologia e Ciência para tentar elucidar como foi essa relação estranha e bizarra, entre os ensinos de Jesus e as egoístas e cruéis ideias de Hitler e seus comparsas.

O movimento cristão-alemão que se aliou ao partido nazista, realocou, modificou, distorceu, mudou, descaracterizou e emudeceu o discurso fundante do cristianismo para acomodar a igreja alemã aos ideais maléficos do nazismo de Hitler.

“Apesar de ser notório, pela pesquisa científica, que as reações das Igrejas Luterana e Católica foram diferentes na sua cúpula, é também notório que membros das duas igrejas tornaram-se adeptos da ideologia nazista e pregaram o extermínio dos judeus”. P. 13.

O autor esclarece mais um pouco esse ponto:

O histórico de violência cristã em relação a membros da comunidade judaica é extenso, iniciando-se séculos antes dos ataques nazistas a esse grupo. De fato, segundo o Museu Histórico Americano sobre o Holocausto, o sentimento de ódio e desconfiança pelos judeus foi alimentado desde o primeiro milênio da era cristã por uma teologia que pregava que os judeus como um todo eram culpados pela crucificação de Jesus Cristo [...] e pela teimosia do povo judeu em não reconhecer Jesus como o messias prometido no Antigo Testamento”. P. 16.

Na página seguinte, ele continua:

“Com as conquistas árabes, e tendo que sobreviver na Europa, um continente totalmente cristão, os judeus tornaram-se o alvo de inúmeros ataques, pessoais e físicos, devido à sua constante negação de que Jesus é o Filho de Deus. Em uma época onde a religião tornara-se a principal forma de ligação cultural entre os povos europeus, influenciando suas vidas públicas e privadas, os judeus foram obrigados a isolar-se, sendo sempre tratados por seus vizinhos como forasteiros e, ocasionalmente, sendo vítimas de massacres, ataques sistemáticos as suas casas e negócios por parte dos demais moradores da região, motivados por mitos, como o de que alguns judeus usariam o sangue de crianças cristãs em alguns de seus rituais”. P. 17.

E as falácias do Darwinismo Social deixou sua cruel marca na História, contribuindo para o extermínio dos judeus:

“Os estudiosos da época [a partir da metade do século XIX], ansiosos por aplicar a teoria evolucionista de Darwin em seus estudos, lançaram vários trabalhos acadêmicos onde colocavam a população branca no topo da cadeia evolutiva, enquanto relegava os negros e os judeus a patamares sub-humanos”. P. 20.

Mas é claro que houve um remanescente que não sucumbiu diante do espírito da época e posicionou-se contra a igreja alemã conivente e atuante na luta contra os judeus. A Igreja Confessante, que não aderiu às ideias nazistas, e tinha em suas fileiras, Teólogos do naipe do Karl Barth e Dietrich Bonhoeffer.

segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Brasil de Todos os Santos


VAINFAS, Ronaldo; SOUZA, Juliana Beatriz de. Brasil de todos os santos. 2 ed. - Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002. 

Li esse pequeno livro quando estava na graduação, agora tive o prazer de lê-lo novamente. Sempre é bom ler algumas literaturas mais de uma vez. Assim relembramos muitas coisas e detalhes interessantes. Essa obra em questão, escrita pelos Historiadores Ronaldo Vainfas (Ph.D em História na USP) e Juliana Beatriz (Ph.D em História na Universidade Federal Fluminense), aborda a onipresente religiosidade dos nossos antepassados no Brasil Colonial. 

Histórias curiosas são contadas, deixando esse livro com uma leitura instigante e bem agradável. Os autores em algumas páginas nos contam histórias, em que a prática religiosa e o “profano” se imbricam de tal maneira, que podemos falar então, de uma “sensualização do religioso”, como dizem os autores. Um exemplo seria o desejo de certas mulheres querendo casar, e assim, rezavam ao seu santo de uma maneira nada comum. 

“Mulheres se ESFREGANDO nas imagens de São Gonçalo do Amarante pedindo a ele sua intermediação para conseguir um casamento [...] fazem-nos pensar que esta afetividade chegava mesmo, às vezes, a uma sensualização do religioso. [...] Tudo ou quase tudo na Colônia era acompanhado pelos santos, santas e pelo próprio Cristo, inclusive as intimidades amorosas”. P. 36, 39. (Ênfase acrescentada).

Um outro trecho curioso, diz: 

“Os colonos recorriam aos feiticeiros não só para obtenção de favores especiais, mas também, não raro, para contornar a ineficiência dos remédios de botica [convencionais]. As rezadeiras, benzedeiras e adivinhos se espalhavam pelas vilas e povoados coloniais. [...] Ligadas à resolução de dificuldades e à busca de uma melhora nas condições de vida, as feiticeiras ganharam força não só pela certa conivência do baixo clero [padres], mas, sobretudo, pela falta de nitidez, para os colonos, entre os limites do permitido e do condenado pela hierarquia católica nas práticas piedosas”. P. 23. 

Se no Brasil Colônia era assim, hoje não mudou muito não. Uma GRANDE parcela dos católicos consultam os feiticeiros atuais (médiuns, astrólogos, pais de santo) para que estes possam ajudá-los em suas pendências. A diferença é que hoje, não apenas o baixo clero (padres) sabe disso, mas o alto clero (bispos, cardeais, CNBB) tem conhecimento dessa miscelânea em que vivem os seus fiéis. Fazem vista grossa, porque se forem levar a sério o que o catecismo diz, a igreja vai à falência, com a excomunhão de tantos católicos. 

O livro nos traz uma breve explicação sobre um dos motivos da sobrevivência dos cultos afros no Brasil apesar da escravidão.

“Diante das religiosidades negras [...] o Santo Ofício foi, de toda maneira, pouco rigoroso, considerando o pequeno número de processos que moveu contra os denunciados. [...] No caso dos escravos, sua atuação foi muito limitada pelos interesses da escravidão. [...] Paradoxalmente a escravidão foi capaz de ‘proteger’ os africanos do Santo Ofício, para que continuassem escravos e, com isso, favoreceu a sobrevivência dos cultos negros urdidos na diáspora dos africanos no Brasil”. P. 24.

Como a igreja fazia parte e até incentivava o sistema escravagista, era-lhe muito conveniente, fazer vistas grossas as feitiçarias e macumbas praticadas pelos africanos e seus descendentes, mesmo que essa religiosidade fosse diametralmente oposta à fé da igreja. Não compensava ($$$) para ela condenar na inquisição esses pobres coitados. Menos mal. 

Existiam no Brasil colonial, as falsas beatas, um exemplo, era uma maluca que dizia que Jesus todo dia lhe dava um belo trato em seus pelos pubianos. 

“Entre essas mulheres estava a africana Rosa Egipcíaca, prostituta, [...] ganhou fama como mística. Dizia ter sido escolhida por Deus como esposa da Santíssima Trindade e que o Menino Jesus vinha diariamente pentear-lhe a carapinha [sim, é isso mesmo que você está pensando] e, em agradecimento, dava-lhe de mamar em seu peito”. P. 43.

E pra fechar, os Historiadores Ronaldo Vainfas e Juliana Beatriz, nos contam a história de uma tal Ana Jorge, que além de profanar objetos sagrados, ainda era violenta com os seus parceiros sexuais. Ela é quem gostava de bater. Gostava de um sexo selvagem. 

“Já sobre a mulata Ana Jorge pesava a fama de desrespeitar as imagens dos santos, também metendo-as debaixo do colchão antes de fornicar com seus amantes e de açoitá-los e jogá-los contra a parede, quando não lhe atendiam seus pedidos”. P. 34.

O que será que essa danadinha queria fazer na cama, hein?! 

sábado, 28 de novembro de 2015

As Perguntas Certas



JOHNSON, Phillip E. As Perguntas Certas. São Paulo: Cultura Cristã, 2004.

Mais um livro concluído pela segunda vez. Já não lembrava mais das ideias defendidas pelo Phillip E. Johnson (Professor de Direito da Universidade de Berkeley, EUA) nesta obra, em que ele posiciona boa parte do seu arsenal argumentativo contra o naturalismo metafísico tão presente nas Universidades. Ele também fala de política, religião e temas correlatos.

Compartilho do pensamento do autor quando ele dispara a sua metralhadora contra o materialismo como realidade última. Entretanto, tenho dúvidas, se ele fez em algumas ocasiões “as perguntas CERTAS” e, consequentemente, se nos forneceu “as respostas CORRETAS”. 

O que fica claro em muitas páginas, é que ele quer apenas trocar o dogmatismo secularista-ateu dos ambientes acadêmicos, e colocar em seu lugar o dogmatismo judaico-cristão evangélico de direita, por mais que ele possa negar isto. 

Me junto aos Cientistas materialistas quando eles afirmam que o Projeto do Design Inteligente é o Criacionismo velho de guerra com uma nova roupagem. Apenas disfarçado. Os Cientistas desse movimento, sendo uma boa parte de cristãos, não usam a Bíblia em suas argumentações contra a Teoria da Evolução, e nem a usam a favor da visão de um Projeto deliberado na criação do Universo e dos seres vivos. Mas essa parece ser uma sutil estratégia para incutir nas escolas e universidades, a visão cristã defendida por eles. Se querem moldar a sociedade conforme sua visão de mundo, que o façam com honestidade e sem subterfúgios; que seja às claras!

No livro, Johnson admite a verdade, de que a maioria dos Biólogos acham a intervenção divina na criação desnecessária na explicação da criação e manutenção dos seres vivos. 

“[...] a vasta maioria dos biólogos, especialmente aqueles de maior prestígio, nega enfaticamente que Deus tenha qualquer relação com a evolução e [...] descartam o que eles denominam ‘criacionismo do projeto inteligente’, como algo inerentemente inaceitável para a ciência”. P. 33. 

Isso me lembra uma entrevista que li com o Astrônomo Rogério Mourão que dizia que a descrença na comunidade científica é maior entre os Biólogos e menor entre os Astrônomos. Estes lidam com uma realidade mais etérea, e aqueles, lidam diretamente com a inexorável realidade nua e crua da vida e obrigatoriamente da morte, especula o Mourão. 

“Há biologistas que acreditam... A explicação talvez é que eles, por terem mais contato com a vida e com a morte, acabem sofrendo mais da descrença. Os astrônomos, por sua vez, vivem numa esfera mais etérea.” [1]

Reforçando a sua tese de que os sistemas biológicos trazem em seu interior evidências/provas de que foram projetados, Johnson cita Gene Myers, premiado Cientista do Projeto Genoma, que diz:

“O que me deixa maravilhado é a arquitetura da vida. O sistema é extremamente complexo. É como se ele tivesse sido projetado... Há nele uma inteligência imensa. Eu não encaro isso como sendo não-científico. Outros podem pensar assim, mas não eu”. P. 35. 

O livro traz uma piada escrita pelo conhecido Richard Lewontin, Ph.D em Zoologia na Universidade de Columbia, EUA, que disse:

“O problema primordial [para a educação científica] não está em proporcionar ao público o conhecimento sobre a distância que existe até a estrela mais próxima ou sobre aquilo de que são feitos os genes... Antes está em levar as pessoas a rejeitar as explicações irracionais e sobrenaturais sobre o mundo [...] e a aceitar um aparato social e intelectual, a ciência, como o único gerador de verdade”. P. 59.  

Um Professor de Harvard dizer que a Ciência é a única geradora da Verdade é um analfabeto na área mais básica da Filosofia. Ele pode ensinar na melhor Universidade, ganhar os maiores prêmios do mundo científico, porém, falou asneira. Mais uma vez basta invocar as suposições nada científicas nas quais a ciência está ANCORADA e ACORRENTADA, para escrachar à falácia e a ingenuidade desse enunciado besta. 

Repetindo os pressupostos: Mundo Externo; Outras Mentes; a Matemática; Leis da Lógica; e para o horror dele, o próprio método científico que não pode ser provado por ele mesmo. Diante disso, como a Ciência pode ser o “único gerador de verdade”?! Nunquinha!  

“Se a ciência for nossa única fonte de conhecimento e se ela nos proporcionar o conhecimento apenas dos fatos e não dos valores, então distinguir entre o bem e o mal pode ser apenas uma questão de preferência pessoal”. P. 100. 

Se a corrente filosófico-ideológica do cientificismo (Só a ciência é capaz de gerar conhecimento verdadeiro) estiver “correta”, então se segue um total estado de anarquia. Não há distinção entre o que é algo certo e digno de valor, e algo errado e repulsivo. 

Os Cientistas do alto escalão, adeptos do cientificismo, por uma questão de coerência e integridade intelectual (no mundo que eles pregam, isso nem existe) não podem nem afirmar que os fundamentalistas religiosos que porventura queiram lhes destruir, estão intrinsecamente errados. Afinal de contas, não há certo e errado, não é mesmo?! A arbitrariedade é soberana! 

[1] - http://www.filosofiadasorigens.org.br/fo/index.php/aconteceu-na-midia-menu-artigos/107-alem-do-ceu-azul-dr-ronaldo-rogerio-de-freitas-mourao

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

O livro que fez o seu mundo


MANGALWADI, Vishal. O livro que fez o seu mundo. São Paulo: Vida, 2012.

Enfim, cheguei à última página desse livro. Demorei, mas cada página foi escrutinada! Um autor indiano que não tem nenhum pudor, vergonha ou medo de elogiar o Ocidente e criticar as injustiças que reinam em seu país, a Índia. Muitos advogados do multiculturalismo o crucificariam pela abordagem que ele faz nessa obra. Mas se podemos elogiar a nossa cultura, também podemos criticá-la e reconhecer as virtudes das outras. 

Para o Mangalwadi, quando as pessoas e civilizações colocaram em prática, ou levaram em conta os ensinos (seria melhor dizer, alguns ensinos) contidos na Bíblia, as coisas prosperaram; seja na educação, ciência, direitos humanos, liberdade, economia e etc. Ele é muito bom em sua defesa, mostrando e reestruturando a história de uma forma diferente da qual estamos acostumados a ver. Concordo com ele em muitíssimos pontos. 

Um desses pontos, é quando ele dispara algumas críticas contra o relativismo pós-moderno. Ele cita o J. Stanley Mattson, Ph.D em História Intelectual Americana na Universidade da Carolina do Norte, EUA, que escreve:

“[...] se não há verdade a ser descoberta – se toda verdade é apenas uma função de construtos sociais -, então a própria razão não tem autoridade genuína, e em seu lugar a moda e o marketing acadêmicos determinam em que uma cultura irá crer. [...] Ao abandonar a Verdade, abandonamos a única maneira viável de capacitar a comunidade real – isto é, mediante busca humilde e, sim, ‘ultrapassada’ do Bom, do Verdadeiro e do Belo”. P. 12.

Em adição ao que já foi dito pelo Mattson, penso que a propaganda de que a VERDADE não existe, é a maior MENTIRA já anunciada. Se a VERDADE inexiste, então a declaração que a nega, constitui-se numa grande FALSIDADE. Por que deveríamos acreditar nela? Acreditar em algo, já é pressupor que o objeto da crença é OBJETIVAMENTE VERDADEIRO.

Passeando mais algumas páginas me deparei com essa curiosa informação:

“À medida que a notícia do suicídio de Cobain [vocalista do Nirvana] se espalhou, muitos dos seus fãs o imitaram. A revista Rolling Stone noticiou que sua morte foi imitada por pelo menos 68 pessoas”. P. 22.

Por aí se nota, que o fanatismo e maluquice não é uma prerrogativa das religiões. Mas supostos jovens modernos e descolados em “solidariedade” ou muita frustração diante da morte de seu ídolo, tiraram a própria vida.

Como é de costume nesses livros, sempre há uma confrontação com o materialismo ateu, trazendo à tona as incoerências deste. Mangalwadi pergunta:

“Como pode [...] a mente humana – conhecer as leis invisíveis que regem o Universo e capturar essas leis em palavras, palavras que podem ser testadas e determinadas para que se saiba se são verdadeiras ou falsas? [...] por que a linguagem funciona? Se o homem não passa de um animal como os cães [segundo os ex-professores universitários do autor], como podem as leis ou verdades que regem este Universo ser postas em palavras?” P. 74.

“Se o homem não passa de um animal como os cães”, elas simplesmente não podem! Mas o avanço da ciência e estudos filosóficos têm nos mostrado que podem! O reducionismo materialista não pode dizer o porquê! Apenas se resignar ou espernear que nem uma criança teimosa diante desse fato! 

Como não tem como concordar com tudo que o autor diz, rejeito essa afirmação dele:

“Durante o século XX, a cultura americana ainda era moldada pela Bíblia. Por isso, ela conseguiu se livrar das consequências do mito secular desumanizador”. P. 99.

Foi isso mesmo que eu li?! Ele está dizendo que uma cultura imersa na discriminação e no racismo se livrou das consequências nefastas “do mito secular desumanizador”?! Putz... Num país em que foi preciso uma guerra civil para que os escravos tivessem a sua “liberdade”, ele vem falar que essa sociedade estava livre das práticas desumanizadoras?  Fora o incômodo fato de que os sulistas, aonde se concentrava o maior número de religiosos evangélicos “apegados” e “fiéis” a Bíblia, foi o lado que se posicionou contra a libertação dos negros. Esse Maganwaldi é cego ou o quê?!

Mas agora concordando com ele:

“Na Índia, a falta de água corrente produziu uma prática vexatória que envergonhou Mahatma Gandhi (mas que até hoje é praticada): obrigar intocáveis a carregar os excrementos de outras pessoas em caixas sobre a cabeça”. P. 124. 

Para o autor, as coisas ainda são assim, porque na Índia impera uma visão de mundo que não dignifica o ser humano. Dependendo da casta em que você nascer, você não será mais que uma pessoa inferior e desprovida dos direitos mais básicos. E ainda tem neguinho que reclama do Ocidente.

E ainda concordando:

“[...] O desejo de ler a Bíblia se tornou o combustível que colocou em movimento o motor da alfabetização da Europa”. P. 252.

Tem muito neguinho que teria náuseas ao ler isso. Mas basta saber o que os luteranos, calvinistas, puritanos e outros ramos do protestantismo fizeram em seus países com a política de que todos deveriam ler e estudar a Bíblia. E o único caminho para tal, era alfabetizar a massa populacional.

Nessa mesma trilha, até mesmo a ciência moderna se desenvolveu. Peter Harrison (Ph.D em História da Religião pela Universidade de Queensland e Mestrado nas Universidades de Yale e Oxford. É Professor de Ciência e Religião na Universidade de Oxford. Membro da Academia Australiana de Ciências Humanas. Foi Professor visitante das Universidades de Yale, Princeton. Também lecionou História e Filosofia na Universidade de Bond na Austrália) escreve:

“A Bíblia – seu conteúdo, as controvérsias que gerou, questões variantes como autoridade e, o mais importante, a nova maneira com que foi lida pelos protestantes – desempenhou um papel central no surgimento das ciências naturais no século XVII”. P. 275.

A revolução ocasionada por Lutero, Calvino e aderentes da Reforma Protestante e cientistas católicos deram origem à ciência moderna. Cadê as Universidades que não mencionam esse fato tão bem atestado pela história? Pura discriminação? Creio que sim. É possível.

“A ciência não foi fundada sobre a pressuposição de um materialismo sem Deus”. P. 283.

Não, não foi. Na verdade, a história mostra exatamente que foi a crença num Deus pessoal que criou um universo ordenado e, que assim, esse universo podia ser estudado e meticulosamente escrutinado pela mente humana, visto que o mundo era racional, e não fruto de um processo cego e sem finalidade alguma. Os ateus que engulam essa. 

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

A Fé na Era do Ceticismo


KELLER, Timothy. A Fé na Era do Ceticismo. São Paulo: Vida Nova, 2015.

Página após página a pujança e habilidade argumentativa do Keller me constrangia. Fiquei impressionado com a destreza dele a cada parágrafo e capítulos lidos. Nos primeiros capítulos (exceto o capítulo 5), tenho que admitir que fiquei simplesmente ESTUPEFATO com a maneira de como ele disserta sobre a fé. Ele destroça o ceticismo ateu, e mostra a razoabilidade do cristianismo, enquanto sistema de crença que pode nos dá uma nova cosmovisão.

Claro que nem tudo no livro me deixou impressionado. Nos capítulos finais minha empolgação e admiração diminuíram. Achei as palavras dele romantizadas demais. Algo que não é novidade nos livros cristãos. Às vezes penso que o cristianismo é a espécie de religião que criou a doença e depois inventou a cura para depois pousar de herói. 

Mas o livro é bom mesmo. Sem igual. O autor está de parabéns. Sua abordagem inteligente faz qualquer um ficar no canto da parede, que nem um camundongo diante de um gato furioso prestes a atacá-lo.
Aqui vão alguns trechos que julguei interessantes:

“Todas as dúvidas, por mais céticas e cínicas que pareçam, são, na verdade, um conjunto de crenças alternativas. Não é possível duvidar da crença A, a não ser a partir de uma postura de fé na crença B”. P. 21.

Só podemos ser incrédulos (ateus, por exemplo) em relação ao teísmo se tivermos uma postura de fé no ateísmo. Visto que não podemos provar a asserção de que Deus não existe. A questão é qual crença é a mais razoável: teísmo ou ateísmo.

Algumas páginas à frente, Keller escreve:

“A Rússia soviética, a China comunista, o Kmer Vermelho e (de uma forma diversa) a Alemanha nazista se dispuseram a controlar rigidamente a prática religiosa na tentativa de impedir que ela dividisse a sociedade ou minasse o poder do Estado. Resultado, porém, não foi mais paz e harmonia e, sim, mais opressão”. P. 31.

Em complemento, ele cita o Alister McGrath, Teólogo, Historiador e Cientista, que diz:

“O século 20 deu ensejo a um dos maiores e mais incômodos paradoxos da história humana: os maiores atos de intolerância e violência desse século foram praticados pelos que acreditavam que a religião gerava intolerância e violência”. P. 31.

Os ateus e antirreligiosos não têm o que dizer; aí tentam desmerecer sem argumentos esse tipo de declaração. Mas a grande ironia permanece: Estados ateus foram totalitários e assassinos.

Keller em sua defesa do teísmo não deixa de mencionar e refutar o badalado relativismo pós-moderno tão em voga nos meios universitários. Para reforçar seu argumento, ele faz uso do renomado Sociólogo Peter Berger, que está entre os acadêmicos sóbrios e inteligentes que não aderem a barca furada que é o relativismo. Berger diz que: "A relatividade relativiza a si própria". P. 36. E num é não?! 
Keller acerta quando dispara:

"O condicionamento social da crença é um fato, mas ele não pode ser usado como argumento de que toda verdade é completamente relativa, sob pena de o argumento refutar a si mesmo". P. 36.

E destruindo uma das falsas teses de Foucault, talvez o maior guru dessa geração de universitários imaturos, Keller escreve:

“Inspirados em Foucault [quase deus dos cursos de humanas], muitos afirmam que todas as alegações de verdade são exercícios de poder. Quando afirma ser dono da verdade, você está tentando exercer poder e controle sobre terceiros. [...] No entanto, o argumento de que toda a verdade é um exercício de poder padece do mesmo problema presente no argumento de que toda a verdade é culturalmente condicionada. [...] Se você afirmar que toda alegação de posse da verdade é um exercício de poder, então sua afirmação também é um exercício de poder. Foucault impunha a terceiros a verdade de sua própria análise mesmo negando a própria verdade como categoria”. P. 63, 64.

Harvey Siegel, Filósofo da Universidade de Harvard, faz coro com o Keller e o Berger:

"[...] o relativismo não pode se autoproclamar ou mesmo se autorreconhecer sem derrotar a si mesmo". P. 152. 

Há quase cinco anos tenho constatado vez após vez, que um exército de acadêmicos inteligentemente não sucumbiram à falácia mais falaciosa (se é que posso dizer assim) dos últimos 50 anos.

Trabalhando o problemático problema do mal:

“Se você tem certeza de que este mundo natural é injusto e tomado pelo mal, está admitindo a realidade de algum padrão extranatural (ou sobrenatural) a partir do qual elabora o seu juízo”. P. 53.

Mas aquilo que chamamos (e sentimos, obviamente) de “dor e sofrimento físico” não poderia ser o critério pelo qual classificamos e achamos o nosso mundo “injusto e mal”, não? Por exemplo, se virmos uma criança sendo torturada, nos compadecemos, porque sabemos que isso é doloroso tanto física como psicologicamente, e, portanto, adjetivamos tal ato como sendo “errado e cruel”. 

Nesse caso, talvez não fosse mera subjetividade, não invocar a figura divina, mas um dado compartilhado por todos (ou quase todos) – o de que ter a sua integridade física ferida é simplesmente algo ruim.

Os animais até onde sabemos não têm uma consciência tão sofisticada como a nossa e nem ficam discutindo as “questões últimas e primordiais” que tanto debatemos e, mesmo assim, SABEM (mesmo que instintivamente) que serem maltratados e torturados é algo não desejável. Não estão “admitindo a realidade de algum padrão extranatural (ou sobrenatural) a partir do qual elabora[m] o seu juízo”. Não precisam apelar para nada fora além deles mesmos.

Isso são apenas divagações supérfluas de minha parte, visto que compactuo do pensamento do autor nesse ponto, baseado numa série de argumentos complementares, que dão uma boa sustentação teórica ao enunciado citado. Queria poder elaborar melhor a questão, mas falta-me agudeza filosófica. 

Numa simplicidade sem igual, o Keller põe abaixo as declarações triunfalistas dos materialistas mais empolgados.

“Não há modelo experimental para verificar a declaração ‘é impossível existir uma causa sobrenatural para algum fenômeno natural’. Assim trata-se de uma pressuposição filosófica e não de uma descoberta científica. [...] Para ter certeza de que milagres não acontecem, você precisaria estar absolutamente convencido de que Deus não existe, e isso é um elemento de fé”. P. 115.

O Biólogo da Universidade de Oxford, Richard Dawkins, é outra mulher de malandro que adora apanhar. Dessa vez, Terry Eagleton, Professor de Teoria Cultural na Universidade Nacional da Irlanda e Professor Visitante da Universidade de Notre Dame, dá-lhe uma coronhada certeira. 

“Dawkins considera toda fé como fé cega e acha que as crianças cristãs e muçulmanas são criadas para crer sem questionar. Nem mesmo os clérigos idiotas que me maltratavam no primeiro grau pensavam assim. Para o Cristianismo, a razão, a argumentação e a dúvida honesta sempre tiveram importante papel na fé. [...] A razão, é claro, não é onipresente para os que creem, mas também não é para os tipos não religiosos mais sensíveis e civilizados. Até Richard Dawkins vive mais segundo a fé do que segundo a razão. Nutrimos várias crenças que não podem ser racionalmente justificadas, mas, ainda assim, elas nos parecem razoáveis”. P. 152.

E encerrando:

“Tudo o que conhecemos neste mundo é ‘contingente’, tem uma causa fora de si mesmo. Assim, o universo, que não passa de uma enorme montanha de tais entidades contingentes, teria de ser dependente de alguma causa fora de si mesmo”. P. 161.

Mais simples (e não simplista) do que isso, impossível.