SANDEL, Michael J. Contra a perfeição: Ética na Era da
Engenharia Genética. 1. ed. - Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013.
Michael Sandel, Ph.D em Filosofia Política na Universidade
de Oxford, em mais um livro extraordinário, explica o porquê de ser “contra a
perfeição” - ser contra o aperfeiçoamento genético, alegando que isso seria uma
nova forma de eugenia. Alguns pontos de sua defesa podem ser discutidos e
questionados, mas no geral suas argumentações são bastante plausíveis. As consequências
de uma sociedade modificada geneticamente não parecem ser muito boas.
Sandel posiciona-se a favor das pesquisas com células tronco
embrionárias, o que logicamente matará essas vidas humanas. Ele não acredita
que o embrião (blastócito) tenha os mesmos direitos, o mesmo status, que nós,
seres humanos nascidos, temos. Neste ponto, também estou com ele.
Vamos ao livro.
Há muito tempo, os pais já tinham a preocupação na escolha
do sexo de seus descendentes.
“Há séculos os pais tentam escolher o sexo dos filhos.
Aristóteles aconselhava que os homens que desejavam um menino amarrassem o
testículo esquerdo antes da relação sexual. O Talmude ensina que os homens que
se contêm e permitem que as mulheres cheguem primeiramente ao orgasmo serão
abençoados com um garoto. Outros métodos recomendados envolviam combinar o
momento da relação sexual com a época da concepção ou as fases da lua.” P. 20.
Geralmente a escolha de meninos tem precedência, acarretando
em vários abortos, na Índia.
“[...] em sociedades nas quais existe uma preferência
cultural profunda por meninos, o aborto de meninas depois da determinação do
sexo por meio dos exames de ultrassom tornou-se uma prática comum. Na Índia, o
número de meninas a cada mil meninos caiu de 962 para 927 nas últimas duas
décadas. A Índia proibiu o uso de exames de ultrassom para verificação do sexo
de bebês, mas a lei raramente é cumprida. Radiologistas itinerantes com máquinas
de ultrassom portáteis vão de cidadezinha em cidadezinha apregoando seus
serviços. Uma clínica de Mumbai reportou que, de 8 mil abortos feitos ali,
apenas um não o foi por motivos relacionados à escolha do sexo.” P. 21.
O aumento de drogas farmacêuticas ingeridas por crianças
tiveram um aumento absurdo, devido as novas obrigações destinadas aos pequenos.
“Há quem atribua o enorme aumento nos diagnósticos de
transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) às novas demandas
impostas às crianças. O dr. Lawrence Diller, pediatra e autor de Running on
Ritalin (À base de ritalina), estima que de 5% a 6% das crianças americanas com
menos de 18 anos (entre 4 e 5 milhões de jovens) são atualmente medicadas com
ritalina e outros estimulantes para tratar o TDAH. (Os estimulantes combatem a
hiperatividade, facilitando que as crianças mantenham o foco e a atenção e
impedindo que elas se desviem de uma coisa para outra.) Ao longo dos últimos 15
anos, a produção legal de ritalina aumentou 1.700%, e a produção da anfetamina
Adderall, também usada para tratar o TDAH, aumentou 3.000%. Para as empresas
farmacêuticas, o mercado americano da ritalina e de outros medicamentos
relacionados é uma mina de ouro: rende US$ 1 bilhão por ano.” P. 45.
Sandel mostra a incoerência daqueles que não se posicionam
contra a FIV, mas são contra as pesquisas com células embrionárias.
“Se é imoral produzir e sacrificar embriões com o intuito de
curar ou tratar doenças terríveis, por que não seria igualmente censurável
produzir e descartar embriões excedentes em tratamentos de infertilidade? Ou,
olhando o argumento de trás para a frente: se produzir e sacrificar embriões
vindos de FIV [Fertilização in Vitro] é moralmente aceitável, por que produzir
e sacrificar embriões para pesquisas com células-tronco não o seria? Afinal, as
duas práticas servem a fins valorosos, e curar doenças como o mal de Parkinson
e o diabetes é no mínimo tão importante quanto tratar a infertilidade.” P. 73.
Os embriões congelados aos milhares, deveriam ser usados
para pesquisas médicas, visto que qualquer jeito serão descartados.
“[...] o fato é que a FIV, como é praticada nos Estados
Unidos, produz dezenas de milhares de embriões excedentes destinados à
destruição. (Um estudo recente revelou que cerca de 400 mil embriões congelados
estão definhando em clínicas de fertilidade americanas, contra 52 mil no Reino
Unido e 71 mil na Austrália.) É verdade que, uma vez que esses embriões condenados
existem, ‘não haveria nada a perder’ se fossem utilizados em pesquisas.” P. 74.
Sandel argumenta que o embrião não é pessoa humana.
“A dificuldade de especificar o início exato da pessoalidade
no curso do desenvolvimento humano não significa, entretanto, que os
blastocistos sejam pessoas. Considere a seguinte analogia: suponha que alguém
lhe pergunte quantos grãos de trigo constituem uma pilha. Um único não
constitui, nem dois, nem três. O fato de não haver nenhum ponto não arbitrário
que estabeleça quando a adição de mais um grão fará um punhado virar uma pilha
não significa que inexista diferença entre um grão e uma pilha. Nem nos dá,
tampouco, motivos para concluir que um grão deve ser uma pilha.
Esse enigma de especificar pontos em um continuum, conhecido pelos
filósofos como ‘paradoxo sorites’, remonta aos antigos gregos. (‘Sorites’ vem
de soros, a palavra grega para ‘pilha’, ou ‘monte’.) Os sofistas usavam
argumentos do tipo sorites para tentar convencer seus ouvintes de que duas
qualidades distintas ligadas por um continuum eram na verdade a mesma, ainda
que a intuição e o senso comum sugerissem o contrário. A calvície é um exemplo
clássico. Todos concordariam que um homem com um único fio de cabelo na cabeça
é careca. Que quantidade de fios marca a transição entre ser careca ou não?
Embora não haja resposta determinada a essa pergunta, não se depreende com isso
que não exista diferença entre ser careca e ter uma cabeça cheia de cabelos. O
mesmo vale para a condição de pessoa. O fato de haver um desenvolvimento contínuo
que transforma o blastocisto em embrião implantado, este em feto e, finalmente,
em recém-nascido não determina que um bebê e um blastocisto sejam, no sentido
moral, equivalentes.” P. 78.
Entre salvar uma criança ou vinte embriões, quem nós
salvaríamos?
“Considere a seguinte situação hipotética (sugerida pela
primeira vez, até onde sei, por George Annas): suponha que houvesse um incêndio
em uma clínica de fertilidade e que você só tivesse tempo para salvar uma
menina de 5 anos ou uma bandeja com vinte embriões congelados. Seria errado
salvar a menina? Ainda preciso encontrar um defensor do status moral
equivalente que diga que escolheria salvar a bandeja de embriões. Mas, se você
realmente acreditasse que aqueles embriões são seres humanos, e todos os demais
fatores fossem idênticos (isto é, se você não tivesse nenhuma relação pessoal
nem com a menina nem com os embriões), sob que bases você poderia justificar
salvar a menina?” P. 80.
Por mais que façam barulho, nem os “pró-vida” agem como se
os embriões tivessem o mesmo valor de uma pessoa nascida.
“Porém o modo como reagimos à perda natural de embriões
sugere que não consideramos esse acontecimento equivalente à morte de uma
criança, nem do ponto de vista moral nem do ponto de vista religioso. Até mesmo
as tradições religiosas que mais respeitam a vida humana incipiente não pregam
que se façam os mesmos rituais funerários para a perda de um embrião e a morte
de uma criança”. P. 81.
Qual a concepção filosófica que dá sustentação a convicção
de que o embrião é uma pessoa?
“A convicção de que o embrião é uma pessoa deriva não apenas
de certas doutrinas religiosas como também da alegação kantiana de que o
universo moral se divide em termos binários: tudo ou é pessoa, digna de
respeito, ou coisa, sujeita ao uso.” P.
82.
Não tratei da argumentação dele, contra o aperfeiçoamento
genético. Para quem quer saber, basta ler o livro.