domingo, 21 de fevereiro de 2016

Amistad


Em um navio negreiro ilegal, negros de Serra Leoa, conseguem escapar dos grilhões e matar os tripulantes. Dois destes são mantidos vivos, para que possam ajuda-los a voltarem para a África. No entanto, os planos são frustrados, e eles acabam sendo presos nos EUA.

Começa-se uma batalha no tribunal para saber com quem ficarão essas pobres almas condenadas à servidão. Pessoas vêm de todos os lados reivindicando o direito à posse desses cativos. A rainha da Espanha, Isabella II, uma pirralha de 12 anos de idade, manda o seu recado do outro lado do oceano, para ferrar com os negros, mas ninguém leva muito em conta o que ela diz. A bichinha ainda nem tirou a cantiga do mijo.

Felizmente, um abolicionista, juntamente com o seu amigo e empregado negro (Morgan Freeman) e um advogado, frustram pelo menos a nível estadual, a pretensão de certos escravistas de possuírem esses africanos. E olha que o poder executivo interferiu de modo desonesto no poder judiciário, mudando o juiz, quando os abolicionistas estavam se saindo melhor nos argumentos. Fizeram isso por temerem uma guerra civil. O seu fantasma já rondava o novo mundo no final da década 1830.

Devido a conchavos políticos, o caso vai parar na suprema corte, e o ex-Presidente dos EUA e Advogado, John Adams Quincy, convence o tribunal, de que os negros do navio espanhol Amistad, não são escravos, portanto, não são bens e propriedades de ninguém, e assim, devem ser soltos.

Amistad é um filme longo, e até cansativo em alguns momentos. Mas vale muito a pena gastar às duas horas e meia, assistindo-o. É mais uma obra do cinema que volta ao passado, para nos lembrar do quanto à escravidão é algo imoral. São assustadoras algumas cenas do filme, quando, por exemplo, mulheres e homens são acorrentados uns aos outros e jogados em alto mar, sem chance alguma de sobrevivência. Isso às vezes era feito, para que o navio não fosse acusado de estar traficando ilegalmente, visto que os navios britânicos estavam sempre patrulhando os mares, para conter o tráfico de escravos.

“É nosso destino como abolicionistas e cristãos, salvar esta gente. Eles são gente, não gado” (Sr. Tappan, abolicionista)

Pena que os cristãos da época não pensavam assim. Legitimavam de todas as formas, inclusive usando a Bíblia para provar que os “de cor” deviam ser escravizados. Ah o amor cristão... Católicos e protestantes juntos no comércio e tortura de pessoas.

Em sua brilhante fala perante a suprema corte, John Quincy Adams (Anthony Hopkins) menciona a Declaração de Independência dos EUA, que diz que “todos os homens são iguais” e que todos têm “direitos inalienáveis”. Eis aí, a hipocrisia, safadeza e incoerência da política e sociedade norte-americana durante o nefasto período da escravidão e segregação. 

"Considerando estas verdades como evidentes por si mesmas, que todos os homens foram criados iguais, foram dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis, que entre estes estão a vida, a liberdade e a busca da felicidade." P. 9. 

Jogaram a Declaração no lixo. E ainda tinham a cara de pau de mantê-la exposta em seus tribunais, repartições públicas... Vai ver que eles tinham uma definição bem peculiar do que seria “homem”. Nesse caso, o negro não preenchia os requisitos necessários para ser considerado um ser humano, com plenos “direitos inalienáveis”.

Hoje, aqui mesmo no Brasil, existem vários tipos de escravidão, opressão e injustiças. E assim como a sociedade branca de tempos passados, fingimos que as coisas naturalmente devem ser assim, porque sempre foram. Uns sofrem bastante, para que outros sejam felizes. Pensando dessa forma, convenientemente nos inocentamos e nos isentamos de nossas responsabilidades como seres humanos. Nada ou quase nada de empatia e misericórdia para com os que sofrem.  

REFERÊNCIAS

JEFFERSON, Thomas. Declaração de Independência. In: CONSTITUIÇÃO dos Estados Unidos da América e Declaração de Independência. São Paulo: Jalovi, 1987.

Histórias Cruzadas


“Ninguém pode exigir que qualquer mulher branca atenda em ala ou quarto em que homens negros estejam internados. Livros não poderão ser trocados entre escolas de brancos e de negros, e deverão continuar sendo usados pela raça que os usou primeiro. Barbeiros de cor não poderão atender a mulheres e meninas brancas.” (Mississipi – Leis de Conduta)

Um grande e comovente filme, que traz a infeliz história do racismo, na década de 1960 nos EUA. A história se passa na cidade de Jackson, interior do Mississipi, um dos Estados mais racistas da América.

As empregadas domésticas "de cor" são as protagonistas. Elas criam os filhos e filhas das senhoras brancas, educam, dão conselhos, limpam as suas bundas, etc., para depois essas mesmas crianças crescerem, perderem a pureza e inocência, virarem patrões, e finalmente, perpetuar o racismo, preconceito e discriminação ensinados pelos seus pais e sociedade.

O absurdo das humilhações que as negras sofrem nas casas dos brancos são tão grandes, que uma das peruas brancas resolve criar um projeto de lei, para que as domésticas tenham um banheiro separado para fazer as suas necessidades. O motivo: os negros têm doenças diferentes das pessoas brancas. Suas doenças são piores. Eles precisam mijar e cagar em suas próprias privadas. O lema da época era “iguais, mas separados”.

A cena é a seguinte, a gostosinha branca mais racista da trama está com vontade de cagar ou mijar (o filme não diz o que é). Mas ela se recusa a usar o banheiro da casa de sua amiga, porque a exemplo de sua casa, ali também a empregada negra usa o mesmo banheiro.

Aibileen: - Hilly, eu gostaria que você usasse o banheiro.

 Hilly: - Estou bem.

Mãe da Hilly: - Ela só está chateada porque a negra usa o banheiro social e nós também.

Hilly diz a Aibileen: - Não prefere que eles façam as necessidades lá fora? [...] cada centavo gasto com um banheiro para negros será recuperado quando a casa for vendida. É perigoso. Eles têm doenças diferentes de nós.

Histórias cruzadas também tem como protagonista,  uma linda jovem branca, que não se encaixa nos estereótipos e obrigações sociais que a sua cidade impõe. Ela resolve escrever um livro sobre o drama e experiências das domésticas da cidade. Inicialmente duas começam a relatar as suas histórias e depois conseguem angariar mais voluntárias para a composição do livro. Tudo é feito às escondidas, visto que se a cidade souber que uma obra que denuncia os abusos e humilhações que empregadas domésticas vivem diariamente, por anos a fio, está sendo escrita pelas negras residentes de Jackson, a coisa vai ficar feia para o lado delas.

O livro é finalmente publicado, com muitos exemplares vendidos. Mesmo que a situação de humilhação ainda se perpetue por muitos anos, foi um grande passo dado para emancipação dos negros no Mississipi.

Dezenas de anos depois do movimento pelos direitos civis, como será que está essa absurda e delicada questão do racismo no Mississipi, principalmente no interior? Como é a relação entre brancos e negros? A situação financeira dos afrodescendentes melhorou desde então? Ou esse Estado ainda carrega os resquícios da segregação? Para responder algumas dessas perguntas, basta dá uma olhada nessas matérias:

http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u449367.shtml

http://g1.globo.com/mundo/noticia/2012/07/casal-negro-americano-tem-casamento-negado-por-racismo.html

Quanto ao segundo link, ele começa dizendo:

“Um casal do Mississippi, sudeste dos EUA, sofreu um duro golpe quando o pastor da igreja que frequentavam comunicou que o casamento não poderia ser celebrado no local por serem negros, informou o canal ABC.”

“Ele [o pastor] afirmou que vários integrantes brancos da congregação foram contrários, de forma violenta, à celebração do casamento de Charles y Te'Andrea Wilson. Alguns o ameaçaram de demissão.”

Ah, o amor cristão...

Link do filme: