quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

A Filosofia Explica Grandes Questões da Humanidade


FILHO, Clóvis de Barros; POMPEU, Júlio. A Filosofia Explica Grandes Questões da Humanidade. 2. ed. – Rio de Janeiro: Casa da Palavra; São Paulo: Casa do Saber, 2014. (PDF).

Como é de praxe, comecemos pelos autores. Clóvis de Barros filho possui um Doutorado em Ciência da Comunicação na USP e Júlio Pompeu tem um Doutorado em Psicologia na Universidade do Espírito Santo. Como deu pra notar, nenhum dos dois tem formação acadêmica em Filosofia. Não são Filósofos profissionais, mas se aventuram a filosofar. Nada contra. Só os mais frescos ligariam. Inclusive, não duvido nada, muitos Filósofos.

O título é enganoso. Visto que a filosofia exposta por eles, não explica nenhuma das “grandes questões da humanidade”. Apenas levanta hipóteses, faz perguntas e mais perguntas, apresenta possíveis respostas e nos traz o pensamento dos Filósofos clássicos (Platão, Sócrates, Aristóteles, Espinosa...). Não explica, somente complica, ou sendo mais justo, amplia nossos horizontes intelectivos. Os autores reiteram que não podemos cobrar da Filosofia, além daquilo que ela pode nos fornecer (eu concordo). Se é assim, porque um título tão chamativo e diria até sensacionalista? Como eles já são Professores e autores populares, sabem que qualquer obra literária que colocarem nas prateleiras, irá ter uma boa rotatividade. Mesmo com minhas reclamações, aqui estou eu, com a leitura concluída do livro e ainda “perdendo” tempo, falando dele. Dando um desconto, o livro traz boas reflexões, principalmente as considerações do Pompeu.

Clóvis de Barros Filho, por exemplo, é um dos queridinhos da vez – em suas palestras é bastante articulado e eloquente, fala com paixão, vocabulário amplo e despojado, não tem besteira em falar palavrões de vez em quando, é um baita palestrante. Está ao lado de Cortella, Karnal e Pondé, entre os mais populares intelectuais que suscitam muitos admiradores e detratores, no mundo internético. Quanto ao Pompeu, nem o conhecia. Mas como está escrevendo junto com o Filho, com certeza é figura (quase) tão conhecida quanto o primeiro.

Os primeiros capítulos foram escritos pelo Filho. Uma parte interessante dele, falando sobre a mentira, acerta bem o alvo.

“Mentir por conveniência nossa, com certeza. Mas também por conveniência do outro, do interlocutor, da vítima. Que terá no afastamento do real lesivo – proporcionado pela mentira – um unguento, uma sobrevida, um instante de alívio, ainda que temporário. Um bálsamo protetivo face à tristeza que supostamente ensejaria a verdade. Para quando a sinceridade parece cruel demais. Será que um doente, em estado terminal, precisa mesmo de relatos verídicos?

E você, senhora, na hora de dar um fora em seu parceiro, no momento de se justificar, precisa mesmo revelar que encontrou outro com melhores condições de proporcionar prazer? Com apetrechos e dotes que não consegue tirar da cabeça? Precisa falar daquela linguetada em diagonal acompanhada do atrito com a ponta do nariz que fez badalar os sinos da Catedral de Notre Dame, mesmo longe de Paris? Do número de investidas por encontro? Sobretudo para um marido de mais de uma década, de pegada frouxa, esporádica e inconsistente. Que nunca fez tocar nem a campainha de casa. Será tão necessário assim passar em revista os talentos e competências profissionais do pretendente? Do sucesso econômico – vencimentos diários superiores ao minguado salário docente? Da farta cabeleira face às fracassadas tentativas de implante?

Você imagina as causas do novo amor. Ou, pelo menos, os atributos determinantes da troca. Mas, na hora de justificar ao incrédulo cônjuge sua decisão, você mente. Diz que o problema é com você. Que não se sente à altura. Que o outro é legal em demasia. Que se pudesse escolher alguém para passar a vida eterna, não hesitaria em procurá-lo novamente. Mentiras. Por compaixão. Porque a verdade pode agredir muito. E muitos de nós não suportamos dar causa à tristeza do outro.” P. 21.

Caramba. É isso mesmo. Mentir é NECESSÁRIO. Sem a mentira a vida se tornaria mais cruel do que ela já é. Precisamos e devemos mentir, em várias ocasiões, não para prejudicar as pessoas, mas para poupá-las de potenciais sofrimentos, que não lhes trarão benefício algum.

Adentrando a difícil problemática do livre arbítrio humano, ele nos diz:

“Muitos questionam nossa liberdade. Afinal, se tudo no universo vive como só poderia viver, regido por causalidades materiais, e a pêra cai da pereira sem nunca poder se opor, por que seríamos diferentes? O que permitiria que fôssemos autores de nós mesmos? Semideuses, criadores da nossa própria trajetória? Assim, se o vento venta, a maré mareia e o sapo sapeia, não deveríamos, nós também, ser o mero resultado de vetores causais que nos determinariam absolutamente? O que nos facultaria transcender à inexorabilidade da matéria, de suas relações e seus fluxos?

O assunto vai longe. Consagraremos a ele um capítulo inteiro. Aqui basta deixar claro que não há ética entre sapos ou peras. Que se trata de uma prerrogativa exclusiva nossa. Humana, necessariamente humana. Justamente porque supomos, muitos de nós, que no nosso caso a vida é diferente. Que temos uma grande participação na sua definição. E que, para isso, refletimos e deliberamos. Porque, se fôssemos o mero resultado mecânico de uma combinação de variáveis, não faria sentido discutir sobre a melhor vida a viver, dado que seria a única, a necessária, a inexorável.

De fato, só faz sentido investir energia na identificação da melhor alternativa, se acreditarmos, de verdade, tratar-se de uma alternativa. Que a vida pode mesmo ser diferente do que ela é. E se algum chato defender obstinadamente a tese da inexorabilidade, sugiro que lance mão de um porrete e se ponha a golpeá-lo sem piedade. E quando suplicar para que pare, devolva-lhe o argumento: sou um mero resultado. Um autômato. Uma superestrutura consciente determinada por forças infraestruturais afetivas que não controlo. Sou um escravo da minha ira. Nada me fará parar.” P. 30-31.

Concordo com ele. Entretanto, ele sendo ateu, fica bem complicado defender a livre agência humana, visto que num universo sem Deus, somos meras combinações dos elementos da natureza. Dessa maneira como ele mesmo pergunta: O que nos facultaria transcender à inexorabilidade da matéria, de suas relações e seus fluxos?” Acho que a única escapatória é pressupor o Pressuposto do qual todos os outros derivam: Deus. Ciente, é claro, das dificuldades filosóficas, que esse Postulado nos traz. Creio que os obstáculos, apesar de espinhosos, são menos embaraçosos, quando afirmamos que temos liberdade, pelo fato de não sermos meros efeitos da matéria inanimada, que surgiu sem uma causa inteligente.

Os últimos capítulos são de autoria de Pompeu. Na verdade, achei a segunda parte do livro mais interessante. Sei que não é uma disputa, mas se podemos comparar, ele foi melhor que o Filho.

“Definida a moda, haverá os de bom gosto e os de péssimo gosto, os in e os out, os dominantes e os dominados. Acrescente que o fato de que quando um objeto ou prática é consagrado como diferenciador estético do dominante e dominado, o acesso a ele passa a ser objeto de disputa e restrições. Ele deixa de ser para qualquer um. Podemos continuar com o exemplo da moda. Consagrado um estilo, as roupas e acessórios que nele se encaixam tornam-se mais caros e, portanto, coisa para poucos. Também quanto mais caro é um objeto, mais atrativa é a sua venda. Começa a ser falsificado. Pela falsificação barata se torna acessível e popular. É quando o chique vira brega, dando lugar a uma nova moda.” P. 90.

É isso mesmo. Somos assim. Uns mais, outros menos. Muitos são completamente idiotas e dependentes do que está em voga.

A abordagem que Pompeu faz do que é a Justiça é muito boa.

“Muitos aqui podem ter vivido até hoje sem nunca terem se perguntado o que é a justiça, mas dificilmente conseguiram chegar até aqui sem ponderar sobre o justo e o injusto. Por mais feliz que seja sua vida, em alguns momentos esse sentimento de que as coisas estavam fora do lugar, de que os acontecimentos pareciam conspirar sem motivo para a sua tristeza, os tomou de assalto. Certamente chamaram isso de injustiça. Eis a mais comum das experiências primeiras com a justiça. Torta, enviesada, surgida pela via oposta da injustiça e recebida como um sentimento e não uma ideia ou conceito. Sentimos algo ruim a que chamamos injustiça e por isso desejamos seu oposto, a justiça.” P. 94-95.

Algumas palavras a frente ele faz uma pergunta intrigante do ponto de vista da Filosofia:

“Mas se tudo o que chamamos de justiça for ideia contrafeita à de uma injustiça sentida, temos um sério problema: a dependência das sensações para pensar a justiça. [...] [Algo] seria injusto por ser essencialmente injusto, injusto nele mesmo, ou por apenas o sentirmos como injusto? Seja qual for a resposta, ela é problemática.” P. 95.

Realmente não se tem uma resposta conclusiva. Por mais que possamos pressupor Deus como a fonte da Justiça, as dificuldades persistem.

Expondo extraordinariamente o problema do que é Justo ou Injusto, aqui vai mais longa citação, mas que vale muito, lê-la até o final:

Se algo for injusto em essência, teríamos pela frente a difícil tarefa de apontar num conceito tal essência do injusto. Uma ideia abstrata que uma vez bem compreendida nos permitisse apontar com precisão caso a caso, acontecimento a acontecimento, o que é e o que não é injusto. Este grau de precisão nos julgamentos é o sonho de todo jurista, que permanece como um sonho justamente por não ter sido alcançado até hoje. Em respeito a este insistente esforço ao longo da história, podemos concluir, prematuramente, que nunca será alcançado. Na prática, uma justiça em essência funciona como os sonhos, que existem na medida em que se acredita neles. O problema é que cada crente a vê de um modo diferente, mas a defende como se fosse uma realidade tão concreta quanto as paredes do seu quarto.

Mas nossa segunda hipótese não é menos problemática. Nem todo evento afeta a todos da mesma maneira. Um mesmo acontecimento pode ser alegrador para uns e entristecedor para outros. Os entristecidos dirão que estão diante de uma injustiça e que o justo seria corrigir ou reparar os fatos e os sentimentos ruins surgidos em consequência deles. Já os que se alegraram com os fatos tendem a dizer que está tudo bem, que não há nenhuma injustiça e que qualquer pretensão de mudar os efeitos do que se passou é que seria injusta.

As duas hipóteses acabam caindo nos mesmos problemas, a falta de objetividade e a possibilidade de que alguém tome por universal uma ideia de justiça que é apenas particular, íntima até. A justiça não poderia ser apenas um sentimento oposto ao da injustiça e tampouco uma ideia que não fosse reconhecida por todos como válida. Eis o desafio que uma filosofia da justiça propõe: eliminar as incertezas sobre o justo e o injusto, afastando a justiça dos sentimentos e das ideias particulares, ambos efeitos do modo singular de ser afetado por um evento qualquer. Trata-se de substituir as emoções privadas por uma razão pública sobre o justo e o injusto.” P. 95.