FILHO, Clóvis de Barros; POMPEU, Júlio. A Filosofia Explica
Grandes Questões da Humanidade. 2. ed. – Rio de Janeiro: Casa da Palavra; São Paulo: Casa do Saber, 2014. (PDF).
Como é de praxe, comecemos pelos autores. Clóvis de Barros filho possui
um Doutorado em Ciência da Comunicação na USP e Júlio Pompeu tem um Doutorado em
Psicologia na Universidade do Espírito Santo. Como deu pra notar, nenhum dos
dois tem formação acadêmica em Filosofia. Não são Filósofos profissionais, mas
se aventuram a filosofar. Nada contra. Só os mais frescos ligariam. Inclusive,
não duvido nada, muitos Filósofos.
O título é enganoso. Visto que a filosofia exposta por eles, não
explica nenhuma das “grandes questões da humanidade”. Apenas levanta hipóteses,
faz perguntas e mais perguntas, apresenta possíveis respostas e nos traz o
pensamento dos Filósofos clássicos (Platão, Sócrates, Aristóteles, Espinosa...).
Não explica, somente complica, ou sendo mais justo, amplia nossos horizontes
intelectivos. Os autores reiteram que não podemos cobrar da Filosofia, além daquilo
que ela pode nos fornecer (eu concordo). Se é assim, porque um título tão
chamativo e diria até sensacionalista? Como eles já são Professores e autores
populares, sabem que qualquer obra literária que colocarem nas prateleiras, irá
ter uma boa rotatividade. Mesmo com minhas reclamações, aqui estou eu, com a
leitura concluída do livro e ainda “perdendo” tempo, falando dele. Dando um
desconto, o livro traz boas reflexões, principalmente as considerações do
Pompeu.
Clóvis de Barros Filho, por exemplo, é um dos queridinhos da vez –
em suas palestras é bastante articulado e eloquente, fala com paixão,
vocabulário amplo e despojado, não tem besteira em falar palavrões de vez em
quando, é um baita palestrante. Está ao lado de Cortella, Karnal e Pondé, entre
os mais populares intelectuais que suscitam muitos admiradores e detratores, no
mundo internético. Quanto ao Pompeu, nem o conhecia. Mas como está escrevendo
junto com o Filho, com certeza é figura (quase) tão conhecida quanto o
primeiro.
Os primeiros capítulos foram escritos pelo Filho. Uma parte
interessante dele, falando sobre a mentira, acerta bem o alvo.
“Mentir por conveniência nossa, com certeza. Mas também por conveniência
do outro, do interlocutor, da vítima. Que terá no afastamento do real lesivo –
proporcionado pela mentira – um unguento, uma sobrevida, um instante de alívio,
ainda que temporário. Um bálsamo protetivo face à tristeza que supostamente
ensejaria a verdade. Para quando a sinceridade parece cruel demais. Será que um
doente, em estado terminal, precisa mesmo de relatos verídicos?
E você, senhora, na hora de dar um fora em seu parceiro, no momento
de se justificar, precisa mesmo revelar que encontrou outro com melhores condições
de proporcionar prazer? Com apetrechos e dotes que não consegue tirar da cabeça?
Precisa falar daquela linguetada em diagonal acompanhada do atrito com a ponta
do nariz que fez badalar os sinos da Catedral de Notre Dame, mesmo longe de
Paris? Do número de investidas por encontro? Sobretudo para um marido de mais
de uma década, de pegada frouxa, esporádica e inconsistente. Que nunca fez
tocar nem a campainha de casa. Será tão necessário assim passar em revista os
talentos e competências profissionais do pretendente? Do sucesso econômico –
vencimentos diários superiores ao minguado salário docente? Da farta cabeleira
face às fracassadas tentativas de implante?
Você imagina as causas do novo amor. Ou, pelo menos, os atributos determinantes
da troca. Mas, na hora de justificar ao incrédulo cônjuge sua decisão, você
mente. Diz que o problema é com você. Que não se sente à altura. Que o outro é
legal em demasia. Que se pudesse escolher alguém para passar a vida eterna, não
hesitaria em procurá-lo novamente. Mentiras. Por compaixão. Porque a verdade
pode agredir muito. E muitos de nós não suportamos dar causa à tristeza do
outro.” P. 21.
Caramba. É isso mesmo. Mentir é
NECESSÁRIO. Sem a mentira a vida se tornaria mais cruel do que ela já é.
Precisamos e devemos mentir, em várias ocasiões, não para prejudicar as pessoas,
mas para poupá-las de potenciais sofrimentos, que não lhes trarão benefício
algum.
Adentrando a difícil problemática
do livre arbítrio humano, ele nos diz:
“Muitos questionam nossa liberdade. Afinal, se tudo no universo vive
como só poderia viver, regido por causalidades materiais, e a pêra cai da
pereira sem nunca poder se opor, por que seríamos diferentes? O que permitiria
que fôssemos autores de nós mesmos? Semideuses, criadores da nossa própria trajetória?
Assim, se o vento venta, a maré mareia e o sapo sapeia, não deveríamos, nós
também, ser o mero resultado de vetores causais que nos determinariam
absolutamente? O que nos facultaria transcender à inexorabilidade da matéria,
de suas relações e seus fluxos?
O assunto vai longe. Consagraremos a ele um capítulo inteiro. Aqui
basta deixar claro que não há ética entre sapos ou peras. Que se trata de uma prerrogativa
exclusiva nossa. Humana, necessariamente humana. Justamente porque supomos,
muitos de nós, que no nosso caso a vida é diferente. Que temos uma grande
participação na sua definição. E que, para isso, refletimos e deliberamos.
Porque, se fôssemos o mero resultado mecânico de uma combinação de variáveis, não
faria sentido discutir sobre a melhor vida a viver, dado que seria a única, a
necessária, a inexorável.
De fato, só faz sentido investir energia na identificação da melhor alternativa,
se acreditarmos, de verdade, tratar-se de uma alternativa. Que a vida pode
mesmo ser diferente do que ela é. E se algum chato defender obstinadamente a
tese da inexorabilidade, sugiro que lance mão de um porrete e se ponha a golpeá-lo
sem piedade. E quando suplicar para que pare, devolva-lhe o argumento: sou um
mero resultado. Um autômato. Uma superestrutura consciente determinada por forças
infraestruturais afetivas que não controlo. Sou um escravo da minha ira. Nada
me fará parar.” P. 30-31.
Concordo com ele. Entretanto, ele sendo ateu, fica bem complicado defender
a livre agência humana, visto que num universo sem Deus, somos meras
combinações dos elementos da natureza. Dessa maneira como ele mesmo pergunta: “O que nos facultaria transcender à inexorabilidade da matéria, de
suas relações e seus fluxos?” Acho
que a única escapatória é pressupor o Pressuposto do qual todos os outros
derivam: Deus. Ciente,
é claro, das dificuldades filosóficas, que esse Postulado nos traz. Creio que
os obstáculos, apesar de espinhosos, são menos embaraçosos, quando afirmamos que
temos liberdade, pelo fato de não sermos meros efeitos da matéria inanimada,
que surgiu sem uma causa inteligente.
Os últimos capítulos são de autoria de Pompeu. Na verdade, achei a
segunda parte do livro mais interessante. Sei que não é uma disputa, mas se
podemos comparar, ele foi melhor que o Filho.
“Definida a moda, haverá os de bom gosto e os de péssimo gosto, os in e os out, os dominantes e os dominados. Acrescente que o fato de que quando
um objeto ou prática é consagrado como diferenciador estético do dominante e
dominado, o acesso a ele passa a ser objeto de disputa e restrições. Ele deixa
de ser para qualquer um. Podemos continuar com o exemplo da moda. Consagrado um
estilo, as roupas e acessórios que nele se encaixam tornam-se mais caros e,
portanto, coisa para poucos. Também quanto mais caro é um objeto, mais atrativa
é a sua venda. Começa a ser falsificado. Pela falsificação barata se torna
acessível e popular. É quando o chique vira brega, dando lugar a uma nova moda.” P. 90.
É isso mesmo. Somos assim. Uns mais, outros menos. Muitos são
completamente idiotas e dependentes do que está em voga.
A abordagem que Pompeu faz do que é a Justiça é muito boa.
“Muitos aqui podem ter vivido até hoje sem nunca terem se perguntado
o que é a justiça, mas dificilmente conseguiram chegar até aqui sem ponderar sobre
o justo e o injusto. Por mais feliz que seja sua vida, em alguns momentos esse
sentimento de que as coisas estavam fora do lugar, de que os acontecimentos
pareciam conspirar sem motivo para a sua tristeza, os tomou de assalto.
Certamente chamaram isso de injustiça. Eis a mais comum das experiências primeiras
com a justiça. Torta, enviesada, surgida pela via oposta da injustiça e
recebida como um sentimento e não uma ideia ou conceito. Sentimos algo ruim a que chamamos
injustiça e por isso desejamos seu oposto, a justiça.” P.
94-95.
Algumas palavras a frente
ele faz uma pergunta intrigante do ponto de vista da Filosofia:
“Mas se tudo o que chamamos de justiça for ideia contrafeita à de
uma injustiça sentida, temos um sério problema: a dependência das sensações
para pensar a justiça. [...] [Algo] seria injusto por ser essencialmente
injusto, injusto nele mesmo, ou por apenas o sentirmos como injusto? Seja qual
for a resposta, ela é problemática.” P. 95.
Realmente não se tem uma resposta
conclusiva. Por mais que possamos pressupor Deus como a fonte da Justiça, as
dificuldades persistem.
Expondo extraordinariamente o
problema do que é Justo ou Injusto, aqui vai mais longa citação, mas que vale
muito, lê-la até o final:
Se algo for injusto em essência, teríamos pela frente a difícil
tarefa de apontar num conceito tal essência do injusto. Uma ideia abstrata que
uma vez bem compreendida nos permitisse apontar com precisão caso a caso, acontecimento
a acontecimento, o que é e o que não é injusto. Este grau de precisão nos
julgamentos é o sonho de todo jurista, que permanece como um sonho justamente
por não ter sido alcançado até hoje. Em respeito a este insistente esforço ao
longo da história, podemos concluir, prematuramente, que nunca será alcançado.
Na prática, uma justiça em essência funciona como os sonhos, que existem na
medida em que se acredita neles. O problema é que cada crente a vê de um modo
diferente, mas a defende como se fosse uma realidade tão concreta quanto as
paredes do seu quarto.
Mas nossa segunda hipótese não é menos problemática. Nem todo evento
afeta a todos da mesma maneira. Um mesmo acontecimento pode ser alegrador para
uns e entristecedor para outros. Os entristecidos dirão que estão diante de uma
injustiça e que o justo seria corrigir ou reparar os fatos e os sentimentos
ruins surgidos em consequência deles. Já os que se alegraram com os fatos
tendem a dizer que está tudo bem, que não há nenhuma injustiça e que qualquer
pretensão de mudar os efeitos do que se passou é que seria injusta.
As duas hipóteses acabam caindo nos mesmos problemas, a falta de objetividade
e a possibilidade de que alguém tome por universal uma ideia de justiça que é
apenas particular, íntima até. A justiça não poderia ser apenas um sentimento
oposto ao da injustiça e tampouco uma ideia que não fosse reconhecida por todos
como válida. Eis o desafio que uma filosofia da justiça propõe: eliminar as
incertezas sobre o justo e o injusto, afastando a justiça dos sentimentos e das
ideias particulares, ambos efeitos do modo singular de ser afetado por um
evento qualquer. Trata-se de substituir as emoções privadas por uma razão pública
sobre o justo e o injusto.” P.
95.