sexta-feira, 1 de junho de 2018

Para Educar Crianças Feministas


ADICHIE, Chimamanda Ngozi. Para Educar Crianças Feministas. São Paulo: Companhia das Letras, 2017. (PDF).

Abomino, como toda pessoa dotada de um mínimo de bom senso, certos comportamentos de grupos feministas atuais. Mas Chimamanda Ngozi me pareceu até o momento, uma feminista gente boa, que escreve com equilíbrio e muita sabedoria. Discordo de pequenos pontos abordados por ela, mas também, nada que venha comprometer o seu pequeno livro. A realidade é que há sim, uma disparidade sem tamanho na criação de meninas e meninos que evidenciam dois pesos e duas medidas em toda a sua formação, onde os padrões morais impostos as meninas sempre são maiores. Os meninos, os homens, ah, estes podem isso e aquilo. Por que? Ora, porque são homens, né?! Que os padrões morais sejam iguais para todos.

Segundo Adichie, o feminismo é contextual:

“Para mim, o feminismo é sempre uma questão de contexto. Não tenho nenhuma regra. [...] Por exemplo: muita gente acredita que, diante da infidelidade do marido, a reação feminista de uma mulher deveria ser deixá-lo. Mas acho que ficar também pode ser uma escolha feminista, dependendo do contexto. Se o [marido] dorme com outra mulher e você o perdoa, será que a mesma coisa aconteceria se você dormisse com outro homem? Se a resposta for ‘sim’, então sua decisão de perdoá-lo pode ser uma escolha feminista, porque não é moldada pela desigualdade de gênero. Infelizmente, a verdade é que, na maioria dos casamentos, a resposta a essa pergunta em geral seria negativa por uma questão de gênero — aquela ideia absurda de que ‘os homens são assim’, o que significa que os padrões para eles são mais baixos.” P. 07.

Ela fala sobre a premissa equivocada de que a mulher tem que estar apta a “dar conta de tudo”:

“Nossa cultura enaltece a ideia das mulheres capazes de ‘dar conta de tudo’, mas não questiona a premissa desse enaltecimento. Não tenho o menor interesse no debate sobre as mulheres que ‘dão conta de tudo’, porque o pressuposto desse debate é que o trabalho de cuidar da casa e dos filhos é uma seara particularmente feminina, ideia que repudio vivamente. O trabalho de cuidar da casa e dos filhos não deveria ter gênero, e o que devemos perguntar não é se uma mulher consegue ‘dar conta de tudo’, e sim qual é a melhor maneira de apoiar o casal em suas duplas obrigações no emprego e no lar.” P. 09.

A diferença inadequada na educação das meninas e meninos:

“Outra conhecida, uma americana, me contou uma vez que levou o filho de um ano a um espaço de recreação infantil em que várias mães levavam seus bebês, e percebeu que as mães das meninas eram muito controladoras, sempre dizendo ‘não pegue isso’ ou ‘pare e seja boazinha’, e que os meninos eram incentivados a explorar mais, não eram tão reprimidos e as mães quase nunca diziam ‘seja bonzinho’. Sua teoria é que pais e mães inconscientemente começam muito cedo a ensinar às meninas como devem ser, que elas têm mais regras e menos espaço, e os meninos têm mais espaço e menos regras.” P. 12.

Não gostamos de mulheres poderosas:

“[...] é uma triste verdade: nosso mundo está cheio de homens e mulheres que não gostam de mulheres poderosas. Estamos tão condicionados a pensar o poder como coisa masculina que uma mulher poderosa é uma aberração. E por isso ela é policiada. No caso de mulheres poderosas, perguntamos: ela tem humildade? Sorri? Mostra gratidão? Tem um lado doméstico? Perguntas que não fazemos a homens poderosos, o que demonstra que nosso desconforto não é com o poder em si, mas com a mulher. Julgamos as poderosas com mais rigor do que os poderosos”. P. 14.

Como deve ser a educação de uma menina:

“Temos um mundo cheio de mulheres que não conseguem respirar livremente porque estão condicionadas demais a assumir formas que agradem aos outros. Então, em vez de ensinar [a sua filha] a ser agradável, ensine-a a ser honesta. E bondosa. E corajosa. Incentive-a a expor suas opiniões, a dizer o que realmente sente, a falar com sinceridade. E então elogie quando ela agir assim. Elogie principalmente quando ela tomar uma posição que é difícil ou impopular, mas que é sua posição sincera. Diga-lhe que a bondade é importante. Elogie quando ela for bondosa com outras pessoas. Mas ensine-lhe que sua bondade nunca deve ser tratada como se não fosse nada. Diga-lhe que ela também merece a bondade dos outros. Ensine-a a defender o que é seu. Se outra criança pegar o brinquedo dela sem permissão, diga-lhe para pegar de volta, porque seu consentimento é importante. Diga-lhe para falar, para se manifestar, para gritar sempre que se sentir incomodada com alguma coisa.” P. 19.

Mulheres são dignas, independentemente de serem boas ou não: 

“Ao [...] ensinar [a sua filha] sobre opressão, tenha o cuidado de não converter os oprimidos em santos. A santidade não é pré-requisito da dignidade. Pessoas que são más e desonestas continuam seres humanos e continuam a merecer dignidade. [...] as mulheres não precisam ser boas e angelicais para ter reconhecidos seus direitos de propriedade. Nos discursos sobre gênero, às vezes, há o pressuposto de que as mulheres seriam moralmente ‘melhores’ do que os homens. Não são. Mulheres são tão humanas quanto os homens. A bondade feminina é tão normal quanto a maldade feminina. 

E existem muitas mulheres no mundo que não gostam de outras mulheres. A misoginia feminina existe e esquivar-se a reconhecê-la é criar oportunidades desnecessárias para que as antifeministas tentem desacreditar o feminismo. Refiro-me àquele tipo de antifeministas que adora dar exemplos de mulheres dizendo: ‘Não sou feminista’, como se uma pessoa nascida com vagina, ao declarar isso, estivesse de certa forma desacreditando automaticamente o feminismo. Se uma mulher diz não ser feminista, a necessidade do feminismo não diminui em nada. No máximo, isso nos mostra a extensão do problema, o alcance real do patriarcado. Mostra-nos também que nem todas as mulheres são feministas e nem todos os homens são misóginos.” P. 27.