terça-feira, 15 de dezembro de 2015

É Necessário Queimar Os Hereges


ALMEIDA, Leandro Thomaz. É necessário queimar os hereges. São Paulo: Fonte Editorial, 2014.

Concomitante ao livro Nazismo e Cristianismo, estava também lendo e apreciando essa obra, que traz um tema e um texto inédito sobre os eventos que fizeram parte da Reforma Protestante do século XVI.

Muito se fala e se lê sobre Lutero e Calvino – mas sobre Sébastien Castellion, apenas tinha visto poucas páginas dedicadas a ele em alguns livros biográficos sobre João Calvino.

De acordo com o Leandro Thomaz de Almeida (Ph.D em Letras na Unicamp), seu interesse surgiu em pesquisar essa figura pouco conhecida da Reforma Protestante, quando estava fazendo estudos do seu Doutorado na França, e acabou descobrindo por lá, os documentos referentes a Castellion e sua atuação religiosa e apaziguadora nos anos loucos do século XVI.

Castellion foi um homem a frente de seu tempo que teceu criticas ajuizadas e certeiras contra Calvino e Beza, reformadores de Genebra, que foram coniventes com a morte na fogueira de Michel Servetus, um homem que ousou pensar diferente. E não apenas isso, Castellion, em cartas e livros apelou para a tolerância às ideias divergentes, não impondo sobre seus discordantes a pecha de hereges ou de caluniadores de Deus.

“Lembremo-nos que nessa época, ideias levavam à morte, livros podiam ser passaporte à fogueira e mesmo afirmações que lançassem uma centelha de dúvida sobre o pensamento ortodoxo podia ser sinônimo de degredo perpétuo”. P. 33.

Para muitos protestantes e católicos nada mais nada menos que a morte na fogueira e de quebra, a eternidade no INFERNO DE FOGO sofrendo os suplícios flamejantes ali presentes, estavam reservados para os que divergissem de seus pontos de vista. Questiúnculas bestas (para eles, era da maior importância, menos para Castellion), tais como se o batismo deve ser ministrado às crianças ou não, era suficiente para se criar um real inimigo e, assim, tentar destruí-lo, caso não abandonasse as suas ideias.

Almeida dispara:

“Os dois maiores nomes da Reforma Protestante aboliram a autoridade papal e logo em seguida cuidaram de estabelecer outra: as suas próprias. Lutero perseguiria os anabatistas, Calvino os hereges, assim chamados [...] não necessariamente por não desejarem seguir as Escrituras, mas por não fazê-lo segundo a opinião do mestre [Lutero ou Calvino]. Destronado o papa enquanto figura de autoridade, outras foram erigidas, mas com um agravante: disfarçadas, agora, sob a propaganda do livre acesso à Bíblia, sob um suposto contato direto com a Palavra de Deus”. P. 96.

E hoje continua da mesma forma. Milhares de igrejas evangélicas, se dizendo guardiãs da “sã doutrina”, são campeãs em condenar os outros a fogueira. Muitos líderes, se possível, mandariam para a forca os que lhe contradizem. E tudo isso, usando os supostos textos-provas da bíblia.

Em uma severa e contundente crítica ao fanatismo e fundamentalismo religioso tão presente na Europa do século XVI (os anos turbulentos da Reforma Protestante), Sébastian Castellion, um dos reformadores, traduz corretamente como um suposto herético era muitas vezes identificado:

“Certamente, após ter frequentemente procurado o que é um herético, não encontro outra coisa senão que estimamos heréticos todos aqueles que não concordam conosco em nossa opinião”. P. 113.

Em não raras ocasiões, pessoas eram entregues as masmorras e mortes, por não compactuarem com as ideias religiosas vigentes em dada região. Isso valia tanto para territórios católicos como protestantes.

Sébastien Castellion, em carta endereçada a um príncipe, lhe diz a que pé estava os “seguidores” de Jesus uns em relação aos outros:

“[...] os Católicos, os Luteranos, os Zuinglianos, os Anabatistas, os Monges e outros se condenam e perseguem mais cruelmente uns aos outros, como não se vê nem entre os Turcos em relação aos Cristãos. Tais ruídos e dissensões não vêm de outro lugar, senão da ignorância quanto à verdade. [...] Pois isto é certo, que à medida que alguém conhece melhor a verdade é menos inclinado a condenar os outros”. P. 116.

Ainda em sua carta endereçada a um certo príncipe, Castellion lamenta a triste situação de católicos e protestantes no contexto do século XVI:

“Como, no entanto, combatemos uns contra os outros por ódios e perseguições, vamos cada dia de mal a pior, e não nos lembramos de nosso ofício, mas estamos ocupados em condenar os outros, de tal modo que o Evangelho é hostilizado entre os Gentios por nossa falta. Pois quando eles nos veem correndo uns após os outros furiosamente como bestas, e os mais fracos serem oprimidos pelos mais fortes, eles têm horror ao Evangelho e o destetam, como se ele tivesse ordenado tais coisas, e odeiam a Cristo como se ele tivesse ordenado tais coisas. [...] Pois quem iria querer se tornar Cristão quando vê que aqueles que professam o nome de Cristo são mortos por Cristãos, pelo fogo, pela água, pela espada, sem qualquer misericórdia, e tratados mais cruelmente que malfeitores ou assassinos? Quem não pensaria que Cristo não seria algum Moloque [deus a quem as crianças eram sacrificadas], ou um Deus qualquer, se ele quer que os homens lhe sejam imolados vivos?” P. 116-117.

Livro apaixonadamente recomendado. Serve de alerta aos donos da “verdade”. O título desse livro é uma ironia que traduz fielmente o sentimento de muitos pastores ávidos por controlar suas massas e exercer o terror psicológico sobre elas.