quinta-feira, 5 de julho de 2018

O Capelão do Diabo



DAWKINS, Richard. O Capelão do Diabo. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. (PDF).

Meu primeiro contato com este livro deu-se há uns 11 ou 12 anos, quando em visita a uma livraria, fui para a prateleira de religião, encontrando o infame O Capelão do diabo. Acho que o autor não ficaria feliz de saber que seu livro estava junto as “porcarias” metafísicas que ele mais odeia e que tem travado uma aguerrida batalha nas últimas décadas.

Richard Dawkins (Ph.D em Zoologia na Universidade de Oxford, membro da Royal Society e da Associação Britânica para o Avanço da Ciência) traz nesta obra uma série de artigos, cartas e ensaios reunidos. Foram escritos em momentos distintos, abrangendo temas que já são conhecidos em sua agenda literária. Evolução, Ciência, Religião, Ateísmo, Relativismo, Ética...

Aqui será o maior “resumo” que já fiz neste blog. Com o costumeiro modo de deixar que o próprio autor resumido fale por si mesmo, com várias citações da obra em questão.    

Dawkins não se mostra muito favorável as importunações que os Filósofos fazem ao trabalho científico, questionando o status de verdade deste.

“Os cientistas tendem a assumir uma visão confiante em relação à verdade e ficam impacientes com a ambigüidade filosófica a respeito de sua realidade ou de sua importância.” P. 11.

Outro grupo ao qual ele dispara suas críticas é ao pessoal das ciências humanas, que com um linguajar rebuscado sob o manto da erudição, não dizem nada com nada. O pior que ele tem muita razão no que diz.

“A física é um assunto genuinamente difícil e profundo, de tal maneira que os físicos necessitam dar duro — e o fazem — para tornar sua linguagem tão simples quanto possível (‘mas não mais simples do que seria necessário’, como insistiu Einstein, corretamente). Outros acadêmicos — alguns apontariam o dedo para as escolas européias de teoria literária e de ciências sociais — sofrem daquilo que Medawar (eu acho) chamou de ‘inveja da física’. Eles desejam ser considerados profundos, mas seu assunto é na realidade um tanto simples e raso, de modo que eles necessitam revesti-lo de uma linguagem difícil para reestabelecer o equilíbrio.” P. 12.

Há uma admissão de que o darwinismo traz em seu germe implicações morais perturbadoras, e que, felizmente podemos lutar elas.

“Não há contradição alguma em considerar o darwinismo correto enquanto cientista e acadêmico e, ao mesmo tempo, me opor a ele como ser humano. Isso não é mais incoerente do que explicar o câncer como médico e pesquisador e simultaneamente lutar contra ele no exercício da clínica. Por razões absolutamente darwinianas, a evolução nos legou um cérebro que se avolumou até o ponto de se tornar capaz de compreender a sua própria origem, de deplorar suas implicações morais e de lutar contra elas. Toda vez que usamos a contracepção, demonstramos que o cérebro pode contrariar os desígnios darwinianos.” P. 16.

Seu tiro de canhão agora disparado contra o relativismo cultural. Eu mesmo usei exemplo semelhante para o meu Professor de Antropologia.

“Mostre-me um relativista cultural voando a 10 mil metros de altura e eu lhe mostrarei um hipócrita [...] Se você está viajando de avião para um congresso de antropólogos ou de críticos literários, a razão pela qual provavelmente chegará ao seu destino — ao invés de despencar num campo cultivado — é que uma porção de engenheiros ocidentais cientificamente treinados acertaram nas contas.” P. 19.

Para Dawkins algumas coisas já não são mais passíveis de refutação na Ciência, visto que já foram convincentemente comprovadas (páginas a frente ele se contradiz). Posso não concordar com todos os exemplos citados por ele, mas tendo a subscrever que sim – há coisas que são simplesmente verdadeiras e ponto final. E isto em nada dogmatiza ou engessa a Ciência.  

“É simplesmente verdadeiro que o Sol é mais quente que a Terra e que a escrivaninha na qual eu escrevo neste momento é feita de madeira. Essas não são hipóteses que aguardam refutação, nem aproximações temporárias de uma verdade sempre impalpável; também não são verdades locais que poderiam ser contestadas em uma outra cultura. E o mesmo se pode dizer com segurança em relação a muitas verdades científicas, ainda que não possamos vê-las ‘com os nossos próprios olhos’. A dupla hélice do DNA será sempre verdadeira, assim como será sempre verdadeiro que, se você e um chimpanzé (ou um polvo ou um canguru) seguirem o rastro de seus antepassados até um ponto suficientemente longínquo, acabarão por encontrar um ancestral comum. P. 22.

Espiritualidade na Ciência? Sim.

“A ciência pode ser espiritual, até mesmo religiosa, no sentido não sobrenatural da palavra. P. 30.

Algo que impressiona é o Código Genético ser totalmente digital.

“É difícil ser exagerado em relação à absoluta euforia intelectual no campo da genética depois de Watson e Crick. O que ocorreu é que a genética se converteu num ramo da informática. O código genético é de fato digital, exatamente no mesmo sentido que os códigos dos computadores. Não se trata de uma analogia vaga, mas de uma verdade literal. Além do mais, diferentemente dos códigos dos computadores, o código genético é universal. [...] O código genético, por outro lado, com algumas poucas exceções secundárias, é idêntico em todas as criaturas vivas neste planeta, dos tiobacilos às sequóias-gigantes, dos cogumelos aos homens. Todas as criaturas vivas, ao menos neste planeta, são da mesma ‘marca’.” P. 30-31.

É comum ouvirmos que a Ciência não tem nada a dizer sobre a Ética, a Moral...Mas ela pode lançar (e tem lançado) luz sobre elas. Parece-me que muitos ainda não perceberam isso, ou fingem não perceber.

“A ciência não conta com um método para decidir o que é ético. Trata-se de um assunto que fica a cargo dos indivíduos e da sociedade. Mas a ciência pode ajudar a esclarecer as perguntas formuladas e pode também desfazer mal-entendidos que geram confusão.” P. 36.

Dawkins vê a si mesmo com uma pessoa totalmente imparcial na busca da verdade. Coitado, ele acredita mesmo nisso?

“No entanto, em qualquer lugar do mundo onde me pedissem para, numa única expressão, caracterizar o meu papel como professor de Compreensão Pública da Ciência, creio que eu escolheria Advogado da Verdade Desinteressada.” P.38.

Dawkins no início de seu livro passa uma visão absolutista da realidade que podemos aprender através do método científico, em resposta aos desmandos dos pós-modernistas que relativizam tudo. Mas agora entra em contradição ao dizer que ao invés de termos um conhecimento verdadeiro do mundo, temos apenas um conhecimento útil dele. Ele sem perceber acaba concordando com os pós-modernistas.

“Nossos órgãos sensoriais, como todas as partes de nosso corpo, foram modelados pela seleção natural darwiniana ao longo de inumeráveis gerações. Poderíamos pensar que eles foram moldados para nos dar um retrato ‘verdadeiro’ do mundo como ele “realmente” é. É mais seguro presumir que eles foram moldados para nos fornecer um retrato útil do mundo, que nos auxilie em nossa sobrevivência. De certo modo, o que os órgãos sensoriais fazem é ajudar o nosso cérebro a construir um modelo útil do mundo, e é nesse modelo que nos movemos. É um tipo de ‘realidade virtual’, de simulação do mundo real.” P. 47.

Biologia sem evolução? Dawkins não vê sentido nisto.

“Sem a evolução, a biologia se resume a uma miscelânea de fatos heterogêneos. Até que as crianças aprendam a raciocinar em termos evolutivos, os fatos que elas vierem a conhecer serão apenas fatos, sem nenhuma articulação entre eles e sem nada que os torne significativos ou coerentes. Com a evolução, há uma luz que penetra os mais íntimos recessos, os espaços mais remotos da ciência da vida. Não só se compreendem os fatos, como as razões deles. Como é possível ensinar biologia a menos que se comece pela evolução? Como, a bem da verdade, alguém pode se considerar uma pessoa instruída se nada sabe sobre a razão de sua própria existência?” P. 58.

A evolução tem aplicações interplanetárias, intergalácticas, abrange todo o Universo. Onde houver vida no Universo, ela passou por processos darwinianos, segundo o nosso amigo. Faz sentido, caso ela seja verdadeira mesmo.

“A evolução darwiniana não é simplesmente a base da vida em nosso planeta. É possível defender o argumento de que ela é essencial à vida em si mesma, um fenômeno universal onde quer que haja vida. Se essa suposição estiver correta, a luz lançada por Darwin vai muito mais longe do que jamais sonhou aquele homem gentil e modesto.” P. 62.

Na página 22, já citada, Dawkins diz que a ancestralidade comum dos seres vivos será sempre verdadeira. Entretanto, sua contradição torna-se bastante aparente, quando diz que o darwinismo pode ser abandonado no futuro por não poder responder a questionamentos abalizados que venham a derrubá-lo. A pergunta é: o darwinismo será ou não será sempre verdadeiro? Pode haver um equívoco meu, se a ancestralidade comum não for parte inerente a ideia de evolução proposta por Darwin. O que acho que não é o caso. A ancestralidade comum faz parte do núcleo do pensamento evolutivo.

“Eu falei da vocação de Darwin para compreender as coisas da maneira correta, mas, seguramente, isso só pode significar ‘correta’ do nosso ponto de vista atual. Não seria o caso de sermos humildes o bastante para admitir que o nosso ‘correto’ pode estar completamente errado na opinião das futuras gerações de cientistas? A resposta é ‘não’. Há ocasiões em que a humildade por parte de uma geração pode mostrar-se imprópria, para não dizer pedante.

Atualmente podemos afirmar com confiança que a teoria de que a Terra gira em torno do Sol não apenas é correta no nosso tempo como será correta em todo momento futuro, ainda que a hipótese da Terra plana venha a reviver e a tornar-se universalmente aceita numa nova era das trevas da história humana. Não é possível afirmar exatamente que o darwinismo se encontra na mesma categoria incontestável.

 Pode ser que uma oposição respeitável a ele venha a ser produzida, e pode-se argumentar com seriedade que a atual reputação elevada do darwinismo nas mentes instruídas talvez não perdure ao longo de todas as gerações futuras. Darwin pode mostrar-se triunfante ao final do século XX, contudo temos que reconhecer a possibilidade de que novos fatos venham à luz, forçando nossos sucessores do século XXI a abandonar o darwinismo ou a modificá-lo até que ele se torne irreconhecível.

 Mas será que há um núcleo essencial do darwinismo, um núcleo que o próprio Darwin pudesse ter descrito como o cerne irredutível de sua teoria, que poderíamos situar como uma teoria virtualmente candidata a permanecer fora do alcance da refutação factual?” P. 81.

Ao contrário do que muitos alegam, há componentes hereditários na homossexualidade.

“Os fatos podem ser apresentados em algumas poucas palavras. Uma equipe de pesquisadores do National Institutes of Health, em Bethesda, Maryland, relatou na revista Science o seguinte padrão. A probabilidade de que os homens homossexuais tenham irmãos homossexuais é mais alta do que seria de se esperar se fosse apenas um acaso.

Significativamente, também a probabilidade de que eles tenham tios maternos homossexuais e primos do lado materno homossexuais é maior do que a esperada, o mesmo não ocorrendo do lado paterno. Esse padrão levanta a suspeita imediata de que ao menos um gene causador da homossexualidade nos homens se localiza no cromossomo X.a.

A equipe de Bethesda foi ainda mais longe. A tecnologia moderna possibilitou que procurassem por marcadores moleculares específicos no próprio código do DNA. Numa região, chamada de Xq28, perto da extremidade do cromossomo X, eles encontraram cinco marcadores idênticos partilhados por uma porcentagem sugestivamente alta de irmãos homossexuais. Esses fatos combinam-se com elegância entre si para confirmar indícios anteriores de um componente hereditário em relação à homossexualidade masculina”. P. 102.

Mas a genética do indivíduo não é determinante se ele será ou não homossexual.

“[...] o fato de um indivíduo possuir um gene particular não determina infalivelmente que ele será homossexual. É muito mais provável que a influência causal será estatística. O efeito dos genes nos corpos e no comportamento é como o efeito da fumaça do cigarro nos pulmões. Se você fuma muito, isso aumenta a probabilidade de que você tenha um câncer de pulmão. Mas não determina infalivelmente que você terá um câncer de pulmão. Nem garante infalivelmente que você não terá um câncer de pulmão se evitar o fumo. Vivemos num mundo estatístico.” P. 103.

“Os genes não têm o monopólio do determinismo.” P. 104.

Dawkins se pergunta sobre o porquê das religiões serem tão ridículas, dando o exemplo de uma distintiva crença católica.

“Seria possível pensar que algumas religiões são preferidas, não apesar de serem ridículas, mas precisamente porque são ridículas? Qualquer religioso iniciante poderia acreditar que o pão representa simbolicamente o corpo de Cristo, mas é preciso ser um católico verdadeiro, um católico até a raiz dos cabelos, para acreditar em algo tão bizarro como a transubstanciação. Se alguém pode acreditar nisso, pode acreditar em qualquer coisa.” P. 135.

Os televangelistas e suas vigarices escancaradas:

“Muitos de nós apostaríamos que ninguém teria sucesso se fosse à televisão e dissesse, com todas as palavras: ‘Envie-me seu dinheiro para que eu possa usá-lo para convencer outros trouxas a me enviar o dinheiro deles também’. E no entanto, hoje em dia, em qualquer grande cidade dos Estados Unidos nós podemos encontrar pelo menos um canal evangélico totalmente dedicado a esse tipo de fraude transparente. E eles conseguem sacos de dinheiro. Diante dessa parvoíce em escala tão assustadora, é difícil não nutrir um sentimento de compreensão ressentida em relação a esses vigaristas de ternos brilhantes.

Até que nos lembramos de que nem todos os trouxas são pessoas ricas, e de que quase sempre é com o parco dinheirinho das viúvas que os evangélicos engordam seus cofres. [...] Deus só aprecia verdadeiramente uma doação, disse ele, com sinceridade apaixonada, quando ela é substancial a ponto de representar um prejuízo para o doador. Anciãos pobres eram conduzidos em cadeiras de rodas para testemunhar o quanto eles se sentiam mais felizes depois de terem doado o pouco que tinham para o reverendo fulano de tal.” P. 136.

Dawkins é irredutível. Não há harmonia entre religião e Ciência.

“Estarão a ciência e a religião convergindo? Não. Atualmente há cientistas cujas palavras soam religiosas, mas cujas crenças, se examinadas de perto, mostram-se idênticas às de outros cientistas que se referem a si mesmos, sem rodeios, como ateus.” P. 139.

Há coisas que Dawkins escreve que só lendo as próprias palavras dele para acreditar. Surpreendentemente ele diz que:

“[...] a religião [não] é em si a motivação para as guerras, os assassinatos e os ataques terroristas, mas que ela é o principal rótulo, e o mais perigoso, pelo qual se demarca uma oposição entre um ‘eles’ e um ‘nós’. Não estou afirmando nem mesmo que a religião seja o único rótulo pelo qual demarcamos as vítimas de nossos preconceitos. Há também a cor da pele, a língua e a classe social. Mas, com freqüência, como é o caso na Irlanda do Norte, esses rótulos não se aplicam, e a religião torna-se o único sustentáculo de uma divisão. Mesmo quando não está sozinha, ela é quase sempre um ingrediente explosivo na mistura desses rótulos. P. 148-149.

A bala do seu canhão agora é disparada contra a Homeopatia, que carece de testes que a legitimem como tratamento medicinal eficaz. Lembro que em 2004 o programa Fantástico exibiu durante quatro domingos seguidos, a batalha de um Cientista em tentar provar a cientificidade dos remédios homeopáticos. Os testes não foram favoráveis.

“Há uma saída possível em relação a esse problema, da qual os homeopatas frequentemente lançam mão desde que se chamou a atenção deles para essa dificuldade embaraçosa. O modo de ação de seus remédios, dizem eles, não é químico, mas físico. Eles concordam com a afirmação de que nem uma única molécula do ingrediente ativo subsiste no frasco que compramos, mas isso só importa se insistirmos em raciocinar nos termos da química. Eles acreditam que, por algum mecanismo físico que os próprios físicos desconhecem, uma espécie de ‘traço’ ou de ‘memória’ das moléculas ativas se imprime nas moléculas da água empregada para diluí-las. É o molde impresso fisicamente na água que cura o paciente, e não a natureza química do ingrediente original. Essa é uma hipótese científica, no sentido de que é passível de verificação. Ela é facilmente testável, na verdade, e se não me dou ao trabalho de fazê-lo é somente porque considero que o tempo e o dinheiro de que dispomos seria mais bem empregado no teste de uma hipótese mais plausível. Mas todo homeopata que realmente acredite em sua teoria deveria se esforçar dia e noite para comprová-la.

Afinal de contas, se os testes duplo-cego dos medicamentos prescritos aos pacientes produzissem repetidamente um resultado positivo confiável, ele ganharia um prêmio Nobel não somente de medicina como também de física. E teria descoberto um princípio da física novinho em folha, talvez uma nova força fundamental no universo. Com uma tal perspectiva em vista, os homeopatas com certeza devem estar se acotovelando uns com os outros na sua ânsia por chegar primeiro ao laboratório, correndo em disparada, como Watsons e Cricks alternativos, para reclamar para si esse brilhante galardão científico. Bem, na verdade eles não estão. Será que eles não acreditam de fato em sua teoria, afinal de contas?” P. 172.

Valeu demais a leitura. Gosto do Dawkins, apesar de seus exageros. Meus amigos é que não gostam.