PRIORE, Mary Del.
Histórias Íntimas: Sexualidade e Erotismo na História do Brasil. São Paulo:
Editora Planeta do Brasil, 2011. (PDF).
Muito bom. Mary Del Priore (Ph.D em História na USP), em mais um livro que vem falar sobre temas do passado de nosso país que fogem do usual. Nada de falar de política e economia. Aqui ela trata de assuntos mais empolgantes, como o subtítulo do livro diz. As transformações que o Brasil, assim como boa parte do mundo ocidental passou na área da sexualidade, não foram poucas.
Muito bom. Mary Del Priore (Ph.D em História na USP), em mais um livro que vem falar sobre temas do passado de nosso país que fogem do usual. Nada de falar de política e economia. Aqui ela trata de assuntos mais empolgantes, como o subtítulo do livro diz. As transformações que o Brasil, assim como boa parte do mundo ocidental passou na área da sexualidade, não foram poucas.
Hoje, a despeito das muitas dificuldades, as mulheres estão em situação muito mais vantajosas. Não são demonizadas por não casarem virgens. Escolher não se casar e não ser mãe é uma opção legítima. Trabalham fora, são empresárias.
Os gays estão em situação mais favorável.
Os casamentos já não precisam ser para sempre.
Os filhos de pais separados não são mais vistos com desconfiança.
E etc.
Há desvantagens também. Cada momento histórico com as suas dificuldades e contradições.
Numa comparação entre passado e presente, penso que o momento atual é melhor em praticamente todos os aspectos que a Del Priore aborda em seu livro.
Vejamos algumas de sua obra.
No Brasil Colônia, peidos e arrotos eram lugar comum na convivência dos que aqui moravam, o que horrorizava os povos “avançados” da do Velho Mundo. As senhoras peidonas era aconselhado que culpassem seus cachorrinhos quando soltassem gases.
“Quanto ao asseio e às regras de civilidade, contudo, havia muito que aprender. Os moradores da Colônia ainda estavam muito próximos de comportamentos julgados selvagens na Europa. Lá, desde a Idade Moderna, já se desaconselhava arrotar ou peidar em público. Na época das reformas religiosas, no século XVI, nos vários manuais de civilidade publicados graças ao aparecimento da imprensa, se recomendava apertar os glúteos com força, ‘não deixando escapar nada de mau gosto’. Ou que os ruídos fossem abafados pelos de uma falsa tosse. Às senhoras que sofriam de gases, era sugerido ter sempre cachorrinhos como companhia. Aos pobres quadrúpedes eram atribuídos os maus cheiros ou os ruídos anormais”. P. 17-18.
Como acontece até hoje, a igreja católica tinha horror a vaginas, atribuindo a esse órgão vários males satânicos. Penetrá-la? Só para fins de procriação, o que passasse disso, era pecado. A vagina raspada era sinal de castidade, pudor, pureza e etc. As cabeludas eram a “porta do inferno” das mulheres da vida.
“Cobrindo totalmente o corpo da mulher, a Reforma Católica
acentuou o pudor, afastando-a de seu próprio corpo. [...] Os pregadores
barrocos preferiam [descrever a vagina] como a ‘porta do inferno e entrada do
Diabo, pela qual os luxuriosos gulosos de seus mais ardentes e libidinosos
desejos descem ao inferno’. A vagina só podia ser reconhecida como órgão de reprodução,
como espaço sagrado dos ‘tesouros da natureza’ relativos à maternidade. Nada de
prazer. As pessoas consideradas ‘decentes’
costumavam se depilar ou raspar as partes pudendas para destituí-las de
qualquer valor erótico. Frisar, pentear ou cachear os pelos púbicos eram
apanágios das prostitutas. Tal lugar geográfico só podia estar associado a uma
coisa: à procriação.” P.
23.
A
Renascença e o Iluminismo não causaram mudanças nos comportamentos sexuais. Os
velhos tabus e preconceitos descabidos que vinham da Idade Média continuavam a
assustar e alienar – num certo sentido até piorando a relação que tinham com a
sexualidade.
“Os séculos ditos ‘modernos’ do Renascimento não foram tão
modernos assim. Um fosso era então cavado: de um lado, os sentimentos, e do
outro, a sexualidade. Mulheres jovens da elite eram vendidas, como qualquer
animal, nos mercados matrimoniais. Excluía-se o amor dessas transações.
Proibiam-se as relações sexuais antes do casamento. Instituíram-se camisolas de
dormir para ambos os sexos. O ascetismo tornava-se o valor supremo.
Idolatrava-se a pureza feminina na figura da Virgem
Maria. Para as igrejas cristãs, toda relação sexual que não tivesse por
finalidade a procriação confundia-se com prostituição. Em toda a Europa, as
autoridades religiosas tinham sucesso ao transformar o ato sexual e qualquer
atrativo feminino em tentação diabólica. Na Itália, condenava-se à morte os
homens que se aventurassem a beijar uma mulher casada. Na Inglaterra,
decapitavam-se as adúlteras. E em Portugal, sodomitas eram queimados em praça
pública.” P. 35.
Um
resumo do que eram os relacionamentos:
“Na América portuguesa, entre os séculos XVI e XVIII, as
intimidades foram construindo-se na precariedade e na falta de higiene. Que o
diga o poeta Gregório de Matos, que nos seus versos nunca esquece o ‘fedor de
Norte a Sul’ das mulheres: ‘bacalhau para a boca e mau bafo para o vaso’. Ou
‘horrível odre a feder a cousa podre’. As relações despidas de erotismo eram
comuns. [...] O corpo da mulher era diabolizado. Seu útero, visto como um mal.
Suas secreções e seus pelos, usados em feitiços.
Seu prazer, ignorado pela medicina, por muitos homens e até por muitas
mulheres. Para as que quisessem as bênçãos do sacramento do matrimônio, a
virgindade era obrigatória. A tradição, dotes, heranças e bens assim obrigavam.
Adultério feminino? Passível de ser punido com a morte. Afinal, os homens
sentiam-se obrigados a lavar sua honra em sangue. O poder masculino dentro do
casamento era total. Traições masculinas? Consideradas normais”. P. 38.
No início
do século XX, as coisas começam a mudar, surgindo os primeiros filmes
pornográficos.
“O filme pornográfico mais antigo de que se tem notícia é O
Escudo de Ouro Ou o Bom Albergue, realizado na França em 1908: história de um
soldado com uma doméstica. Em 1910, o alemão Ao entardecer mostrava uma mulher
masturbando-se no quarto e a seguir cenas de felação e penetração anal com um
parceiro. Considerados ilegais, tais filmes, distribuídos discretamente, eram
vistos de forma ainda mais discreta. Sua posse ou visualização eram passíveis
de prisão.” P. 95.
Para quem pensa que o catolicismo
sempre foi a “favor” da vida, engana-se:
"Até o século XIX, a Igreja tinha certa tolerância em
relação ao aborto. Acreditando que a alma só passava a existir no feto
masculino após quarenta dias da concepção, e, no feminino, depois de oitenta, o
que acontecesse antes da 'entrada da alma' não era considerado crime nem
pecado". P. 102.
Hipocritamente a igreja católica não
estava nem aí para o estupro de crianças que ocorriam no Brasil. Para essa
instituição as crianças que se lasquem. Atualmente ainda é assim, pois ela
esconde os seus sacerdotes pedófilos, não os entregando a justiça comum para serem
julgados e condenados.
“Desde as primeiras visitas do Santo Ofício às partes do
Brasil, no século XVI, inquisidores assinalavam o estupro de crianças. Meninos
e meninas de seis, sete e oito anos eram violentados por adultos sem nenhum
drama de consciência. Senhores sodomizavam moleques ou molecas escravas, padres
faziam o mesmo aos seus coroinhas, e parentes e crianças da família
participavam de uma ciranda maldita na qual um único pecado contava para a
Igreja: o do desperdício do sêmen. Afinal, ele
deveria ser usado exclusivamente para a procriação. E era apenas esse crime que
o inquisidor perseguia. O fato de ser cometido com pequenos passava
despercebido. Era coisa secreta e o silêncio protegia os culpados.” P. 108.
Não
era apenas prerrogativa do cristianismo ver a homossexualidade como anomalia, a
ciência médica estava crente de que possuía as provas para classificá-la como
doença.
“A homossexualidade era considerada, além de imoral, uma
anormalidade. Durante os anos 30, o médico Leonídio Ribeiro consagrou-se graças
a estudos sobre endocrinologia, relacionando-a com as ‘anomalias do instinto
sexual’. Estas seriam o reflexo de mau funcionamento das glândulas. O remédio
era o transplante de testículos, inclusive de carneiros ou de grandes
antropoides. Afinidades entre homossexualidade e criminalidade? Todas. O crime
era uma decorrência da paixão que ‘invertidos’ nutriam entre si. Num quadro de
guerras mundiais e de reforço do nacionalismo, homossexuais transformavam-se em
bodes expiatórios.” P. 111-112.
Uma queixa feminina que ainda ecoa,
diante de nossa hipocrisia masculina:
“A tensão entre as mudanças desejadas pelos jovens e o velho
modelo repressivo era tanta que uma leitora escreve a O Cruzeiro [revista em
circulação entre 1928-1975], desesperada: ‘quando uma mulher sorri para um
homem é porque é apresentada. Quando o trata com secura é porque é de gelo.
Quando consente que a beije, é leviana. Quando não permite carinhos, vai logo
procurar outra. Quando lhe fala de ‘amor’, pensa que quer ‘pegá-lo’. Quando
evita o assunto, é ‘paraíba’ [lésbica]. Quando sai com vários rapazes é porque
não se dá valor. Quando fica em casa é porque ninguém a quer [...] Qual é o
modo, pelo amor de Deus, de satisfazê-lo[s]?’.” P.
117-118.
O livro ainda fala sobre as famosas
pornochanchadas da década de 1970; sobre o boom da Aids, logo após; e etc.