quinta-feira, 28 de junho de 2018

As Coisas São Assim: Pequeno Repertório Científico do Mundo que nos Cerca



BROCKMAN, John; MATSON, Katinka (Orgs). As Coisas São Assim: Pequeno Repertório Científico do Mundo que nos Cerca. São Paulo: Cia das Letras, 1997. (PDF).

Cada capítulo foi escrito por um Cientista eminente em sua área de atuação. Um pouco de tudo: Evolução, Big Bang, Natureza do Tempo, Acaso, Origem da Vida... Um livro antigo, de mais de 20 anos, mas bastante pertinente nas questões que traz em suas páginas.

Richard Dawkins (Zoólogo da Universidade de Oxford, Inglaterra) escreve o primeiro capítulo, e como é a sua habitual maneira de ser, atacando as concepções religiosas que aí estão. Ele escreve:

"As pessoas acreditam em coisas simplesmente porque outras pessoas acreditaram nessas mesmas coisas ao longo dos séculos. Isso é tradição. O problema com a tradição é que, independentemente de há quanto tempo a história tenha sido inventada, ela continua exatamente tão verdadeira ou falsa quanto a história original. Se você inventar uma história que não seja verdadeira, transmiti-la através de vários séculos não vai torná-la verdadeira!" P. 21.

Paul Davies (Professor de Filosofia Natural na Universidade de Adelaide, Austrália) dá sua contribuição, falando sobre o que diabos causou o Big Bang. Ele pergunta:
               
“Afinal de contas, o que é que aconteceu antes do big bang? [...] poderia o universo inteiro simplesmente ‘pipocar’, ganhando existência num passe de mágica, sem nenhuma razão específica? Essa pergunta simples, feita por tantas crianças, tem ocupado o intelecto de gerações de filósofos, cientistas e teólogos. Muitos a evitaram, considerando-a um mistério impenetrável. Outros tentaram afastá-la usando certas definições. A maioria deles, só de pensar no assunto, acabou ficando terrivelmente confusa. O problema, no fundo, é o seguinte: se nada acontece sem uma causa, então alguma coisa deve ter levado o universo a surgir. E assim enfrentamos a inevitável pergunta sobre o que causou essa alguma coisa. E assim por diante, numa regressão infinita”. P. 28.

Não faz sentido perguntar o que havia antes da grande explosão, visto que tudo começa a partir dela.

“Se o big bang foi o começo do próprio tempo, então nenhuma discussão sobre o que aconteceu antes do big bang ou o que o causou — no sentido habitual de causação física — faz sentido. Infelizmente, muitas crianças, e adultos também, consideram essa resposta um pouco desonesta. Deve haver algo mais do que isso, contestam.” P. 29.

As partículas subatômicas com as suas aparições espontâneas do nada parecem um indicativo de que o universo surgiu também espontaneamente, segundo Davis.  

“É claro que há um grande salto entre o aparecimento espontâneo e sem causa de uma partícula subatômica — fato rotineiramente observado em aceleradores de partículas — e o surgimento espontâneo e sem causa do universo. Mas o paralelo está aí. Se, como acreditam os astrônomos, o universo primitivo estava comprimido num tamanho muito pequeno, então efeitos quânticos devem ter sido importantes numa escala cósmica. Mesmo se não tivermos uma ideia precisa do que aconteceu no início, podemos pelo menos ver que a origem do universo a partir do nada não é necessariamente ilícita, não natural ou não científica. Em suma, não precisa ter sido um evento sobrenatural.” P. 30.

Existe um porquê de o nosso universo ter passado a existir?

“Mesmo com esses detalhes adicionais, muitas pessoas se sentem enganadas. Elas querem saber por que essas coisas estranhas aconteceram, por que há um universo e por que esse universo. Talvez a ciência não consiga responder essas perguntas. A ciência é boa para explicar os comos, mas não muito boa nos porquês. Talvez não exista um porquê. Perguntar ‘por que’ é muito humano, mas talvez não haja resposta, em termos humanos, para perguntas tão profundas sobre a existência.” P. 30.

Davis conclui:

“[...] o que aconteceu antes do big bang? A resposta é: nada.” P. 30-31.

Segundo Robert Shapiro (Ph.D em Química na Universidade de Harvard, EUA), para que a vida tenha dado o ar de sua graça, ao menos uma vez, ela deve ter vindo da não-vida – Abiogênese. E assim, iniciou-se o processo evolucionário. Deus está fora da jogada.

"Mas como é que a vida surgiu pela primeira vez, neste ou em qualquer outro lugar do universo onde possa existir? Muitas religiões e algumas filosofias se esquivam dessa questão ao supor que a vida, na forma de uma deidade ou de algum ser imortal, sempre existiu. A ciência, que procura respostas naturais ao invés de sobrenaturais, pode oferecer uma resposta alternativa: a vida surgiu da 'não-vida' pelo menos uma vez, em algum momento após a formação do universo." P. 37.

Stephen Jay Gold (Professor de Paleontologia da Universidade de Harvard, EUA) afirma que a Ciência não lida com o significado das coisas no universo. Isso fica a cargo da Teologia e Filosofia.

“[...] a evolução, assim como qualquer área de ciência, não é capaz de sondar a questão das origens fundamentais ou significados éticos. (A ciência, como um empreendimento, busca explicar fenômenos e regularidades do universo empírico, sob o pressuposto de que leis naturais são uniformes no espaço e no tempo. [...] Assim, a evolução não é o estudo da origem primordial da vida no universo ou do significado intrínseco da vida entre os objetos da natureza; essas questões são filosóficas (ou teológicas) e não fazem parte do domínio da ciência. (Também desconfio que não possuam respostas universalmente satisfatórias, mas isso é assunto para outro momento.) Esse aspecto é relevante pois fundamentalistas fervorosos, disfarçados de ‘criacionistas científicos’, afirmam que a criação deve ser equiparada à evolução e receber tempo proporcional nas escolas, uma vez que ambas são igualmente ‘religiosas’ ao lidar com mistérios primordiais. Entretanto, a evolução não trata desses assuntos de modo algum, e portanto permanece plenamente científica.” P. 62.

Gold vê a evolução como um fato consumado. Agora, os mecanismos pelos quais ela acontece é que são frutos de vários debates entre os Cientistas.

“O fato da evolução é tão bem documentado quanto qualquer coisa que conhecemos na ciência — tão seguro quanto nossa convicção de que a Terra gira ao redor do Sol, e não o contrário. Porém, o mecanismo da evolução permanece o centro de empolgantes controvérsias — e a ciência é mais animada e frutífera quando há importantes debates sobre as causas de fatos bem documentados. A seleção natural de Darwin foi confirmada por copiosos e elegantes estudos como um mecanismo poderoso, especialmente na evolução de características que tornam os organismos adaptados ao seu ambiente”. P. 64.

Milford H. Wolpoff (Ph.D em Antropologia na Universidade de Illinois, EUA) lamenta que a evolução tão bem atestada pelos estudos biológicos, seja vista com ceticismo por tanta gente.

“A evolução, o fato de que todas as formas vivas estão relacionadas entre si por descendência comum e que alterações genéticas levam à diversidade da vida na Terra, é um desses avanços revolucionários na organização de nosso conhecimento. E possivelmente o avanço revolucionário da biologia. E, no entanto, apesar do fato de a evolução ser uma explicação de nossa ancestralidade e nossa diversidade, ou talvez por causa disso, ela é largamente desacreditada. [...] O mais difícil de engolir é aquilo que toda criança aprende na escola, que ‘o homem veio dos macacos’.” P. 66.

A dúvida é a mola propulsora que faz a Ciência progredir, nos conta Steve Jones (Professor de Genética no University College, Londres).

“A certeza foi o que bloqueou a ciência por séculos. Os cientistas são, no mínimo, pessoas com incertezas. Suas ideias precisam ser constantemente testadas à luz de novos conhecimentos. Se falharem nessa prova, são rejeitadas.” P. 82.

Jones não considera os Biólogos criacionistas como verdadeiros Cientistas.
               
"Hoje, nenhum biólogo acredita que os seres humanos foram criados num ato milagroso. Todos estão convencidos de que eles evoluíram a partir de formas de vida anteriores. Apesar de as provas da ocorrência da evolução serem fortíssimas, ainda há muito espaço para as controvérsias sobre como ela ocorreu". P. 82.

Grandes símios são os nossos parentes na cadeia evolutiva:

“Chimpanzés e gorilas parecem ser nossos parentes, com base em seu plano corporal. Seus genes sugerem a mesma coisa. De fato, cada um partilha 98% de seu DNA conosco, mostrando que nos separamos recentemente. O relógio sugere que a separação se deu há cerca de 6 milhões de anos. Tanto o chimpanzé quanto o gorila têm pele negra. Isso também sugere que os primeiros humanos eram negros e que a pele branca evoluiu posteriormente.” P. 84.

Hao Wang (Ph.D em Filosofia na Universidade de Harvard, EUA) escreve:

"É claro que um preconceito não é necessariamente falso. E, sim, uma crença fortemente aceita e não garantida pelas evidências disponíveis, sendo a intensidade da convicção desproporcional em relação às evidências que a sustentam". P. 102.

É aqui a única vez que dou um pitacozinho de nada neste “resumo”: No ponto. Todos nós temos ideias e visões de mundo preconcebidas, e elas não são necessariamente falsas por serem assim. Mas claro, geralmente conceituamos o preconceito como uma ideia compulsoriamente falsa. Mas estamos equivocados em ver ele apenas dessa forma. Muitos dos preconceitos que temos são até saudáveis. Não podemos escrutinar (e por que deveríamos?) todas as nossas crenças.

Wang não olha o mental como o equivalente do cérebro. Neste sentido, ele destoa do paradigma vigente. Olhemos sua opinião:

“Os cientistas e filósofos da atualidade em geral entendem que mente e cérebro se equivalem, que há uma correspondência integral entre os estados mental e físico do cérebro de alguém. [...] Mas as evidências disponíveis estão longe de provar que todo estado mental corresponde a um único estado físico do cérebro. Pelo que sabemos, certas mudanças súbitas na mente podem não corresponder a nenhuma alteração física no cérebro. [...] Parece que fomos capazes de observar mais diferenças mentais do que diferenças físicas no cérebro.” P. 102.

Não importa as limitações e deficiências que a Ciência tem, Pascal Boyer (Professor da Universidade de Cambridge, Inglaterra) alega que ela explica o universo melhor que qualquer outra coisa:
               
"[...] a ciência tem sido o empreendimento intelectual mais bem-sucedido de todos até o momento. Explicou mais sobre o mundo do que qualquer outra forma de pensamento". P. 120-121.

Steven Rose (Professor de Biologia e Neurobiologia na Open University) argumenta que cérebro e mente são a "mesma coisa". 
               
“Em primeiro lugar, existe apenas um mundo, uma unidade material ontológica. A alegação de que existem dois tipos de coisas incomensuráveis no mundo, o material e o mental, induz todo tipo de paradoxo e é insustentável. Sem entrar em longos debates filosóficos, a simples observação de que manipular a bioquímica cerebral (com drogas psicoativas, por exemplo) altera as percepções mentais ou de que o sistema de imagem tomográfica indica que regiões específicas do cérebro usam mais oxigênio e glicose quando uma pessoa está concentrada, tentando resolver um problema matemático ‘mentalmente’, mostra que, enquanto a personalidade é mais do que uma simples questão de fosfato, os processos que denominamos mentais e cerebrais devem estar ligados de alguma forma. Portanto o monismo dita as regras, e não o dualismo”. P. 139.

Vários outros Cientistas participaram na composição deste livro, mas ficamos por aqui.