PONDÉ, Luiz
Felipe. A Era do Ressentimento. São Paulo: Leya, 2014. (Versão em PDF).
“E, ao final, é sempre da morte que fugimos, ou de suas representações.
O homem contemporâneo é, talvez, o mais covarde que já caminhou sobre a Terra,
sobre a qual deixará sua marca de incompetência em lidar com a morte, a dor e o
fracasso.”
P. 16.
Mais um
livro do Pondé (Ph.D em Filosofia na USP), resmungando contra todo mundo. Mas
eu gosto dele. Dessa vez ele joga os seus ressentimentos contra o ressentimento
generalizado da sociedade atual. Igualzinho ao que faz no seu livro posterior
FILOSOFIA PARA CORAJOSOS, de 2016, no qual também li, e fiz alguns reles comentários.
Por que
somos ressentidos?
Porque “sonhamos em ser imortais mas sempre acabamos
por experimentar o mundo finito e o limite de nossos sonhos”. P. 7.
“Minha agonia é sentir-me cercado por ressentidos. De todos os medos
que me povoam, ser ressentido é dos piores deles. Ressentidos são pessoas que
passam a vida buscando não sentir o que a vida é: falta de sentido, indiferença,
incerteza, sofrimento ou o que os psicanalistas chamam de ‘falta’. [...] E
mais: não conseguimos viver com a beleza porque ela desnuda nossa falta de beleza
e, aí, ficamos ressentidos porque alguém é mais belo do que nós. Caçamos a
beleza como uma espécie em extinção e maldita.” P. 18.
Nossa
geração, segundo Pondé, é a mais ressentida da história; a mais criadora de
utopias; a que não assume as responsabilidades; a mais mimada e infantil; cheia
de frescura; cheia de retardados mentais; ou no linguajar das redes sociais: a geração
mais cheia de “mimimi” (ele não usou essa expressão).
Isso
não quer dizer que o passado sempre foi melhor, paradoxalmente, o autor
escreve:
“Não é intenção deste ensaio afirmar que o passado era melhor. Apesar
de este autor assumir que padece do velho mal-estar romântico com a
modernidade, sem usufruir das inúmeras utopias que o romantismo produziu (natureza,
vida simples, socialismo; talvez padeça apenas da utopia do amor romântico...),
não há aqui nenhuma intenção de afirmar que o passado era um paraíso (é provável
que me contradiga em algum momento e afirme que o passado era melhor, mas
apenas em alguns casos muito específicos). Nunca foi.” P. 14.
Pondé ao contrário dos embusteiros da
felicidade, tenta ver a realidade nua e crua da vida.
“Gente medíocre a nossa volta que imagina um mundo de gente feliz.
Eis os idiotas do bem.”
P. 16.
“[...] fazer da felicidade um direito, isso é coisa de idiota e covarde”. P. 18.
“Exigimos ter uma importância maior do que temos no universo”. P. 17.
“Conrad [no livro O Coração das Trevas] é famoso por valorizar o
heroísmo daqueles que enfrentam a falta de sentido da vida com coragem e
disciplina. Virtudes assim são impossíveis num mundo de ressentidos.” P. 17.
Falta de sentido? Num universo sem
Deus, criamos nossos sentidos! Nessa questão, sou um ressentido. Não consigo me
desvencilhar da ideia de Deus.
Novamente a falta de sentido e o vazio
da vida são citados como a causa do ressentimento humano:
“O ressentimento tem uma raiz profunda (o pânico diante da indiferença
no universo vazio), mas um dos seus efeitos mais marcantes é exatamente a tendência
de nos tornar superficiais, porque assim nos protege da consciência do próprio
ressentimento. Desse modo, uma vida para o consumo cai bem, porque o
ressentimento vive bem com a vida desperdiçada no consumo. A alegria breve do
consumo alivia o peso da chaga do vazio que segue sendo nossa sombra. Não
existe cura para a causa do ressentimento, existem modos distintos para nos
relacionarmos com ele”.
P. 20.
A inveja é um dos seus propulsores:
“O ressentimento humano nasce aí: inveja dos deuses, inveja da
imortalidade, inveja das ‘pequenas imortalidades’ que são dispersas pela vida
inteira. Nunca ser traído, nunca fracassar, nunca ser menos inteligente, nunca
adoecer, nunca ser feio. A morte se declina em várias formas: doença, falta de
inteligência, infidelidade, fracasso, falta de beleza. Esse sentimento é o
sentimento mais essencial de nossa condição frágil, é nossa revolta contra os
elementos naturais (vírus, bactérias, fome, sede, frio, dor) que nos devoram.
Revolta essa sem possibilidade de vitória, porque a morte é uma guerreira sem
pressa e sem vaidade”. P.
25.
Uma das mazelas do mundo contemporâneo:
a solidão.
“E a solidão? O mundo nunca foi tão cheio de gente que se comunica e
fala o que pensa. Quase tudo que é dito soa irrelevante. Nunca se disse tanta
besteira, porque somos banais e, ao falarmos, falamos de nós mesmos e nossas
pequenas taras. Mas a solidão corrói. Vivemos em meio a uma vida social que
varia entre balada e depressão, acuada por um futuro em que a solidão será o
resultado final de escolhas “conscientes”, e não imposição de alguma regra monástica,
em meio a uma solidão sem espiritualidade, com ares de ressaca sem gozo prévio.
Inundados por esse mar de irrelevância cantada em prosa e verso, a solidão
chegará, enfim, depois de muita fé em si mesmo. [...] A solidão da vida
contemporânea aparece por trás da alegria montada para as fotos, também irrelevantes.
Nunca se tirou tanta foto e nunca se viu tão pouco uma. A solidão nos ataca
como um enxame de abelhas.”
P. 28.
“[...] é uma verdade evidente em nosso mundo que estamos cada vez mais sós,
mesmo que cercados de amigos no Facebook, de fotos por toda parte e de
celulares que falam conosco o tempo todo. [...] Somos seres cada vez mais
ilhados e com carência, não só de vínculos, mas de desejo de vínculos, o que é
muito pior. É uma ironia máxima o fato de a cultura do desejo ser justamente a
que matou o desejo”. P.
47.
Até o sexo era melhor em gerações
passadas.
“Não quero dizer que o mundo foi melhor um dia. Mas, em matéria de
sexo, não tenho dúvidas de que foi. Nossas avós faziam sexo melhor do que nós.
Nunca foram santinhas (e mesmo quando foram). Mesmo quando mantidas virgens,
sexo oral e anal eram comuns como o ar que respiramos. Hoje o sexo anal é algo
que se conquista. Que canseira...”
P. 31.
O que fazer então, diante desse
companheiro inseparável da condição humana, o tal ressentimento?
“A solução para o ressentimento não é negá-lo, mas nomeá-lo, ler
sobre ele, perceber que é impossível não o ter em nós em alguma medida porque
sempre conviveremos com pessoas melhores do que nós. [...] resolver o drama de
como lidar com o fato de que o mundo é indiferente e existem muitas pessoas
melhores do que eu.”
P. 73.