quinta-feira, 2 de março de 2017

Política para não ser idiota


CORTELLA, Mário Sérgio; RIBEIRO, Renato Janine. Política para não ser idiota. São Paulo: 7 Mares, 2010. (Versão em PDF).

Mais um livro em forma de diálogo, agora com o Mário Cortella (Doutor em Educação na PUC-SP) e o Renato Ribeiro (Doutor em Filosofia pela USP). O tema, como o título já diz, é a Política.

Em sua primeira fala, Cortella esclarece o que entende por “idiota” no contexto de sua conversa com o Ribeiro:

Esse termo aparece em comentários indignados, cada vez mais frequentes no Brasil, como ‘política é coisa de idiota’. O que podemos constatar é que acabou se invertendo o conceito original de idiota, pois a expressão idiótes, em grego, significa aquele que só vive a vida privada, que recusa a política, que diz não à política. No cotidiano, o que se fez foi um sequestro semântico, uma inversão do que seria o sentido original de idiota”. P. 07.

Ribeiro complementa:

“[o] preocupante – é o desinteresse pela política, que você apontou. Quer dizer, ao mesmo tempo em que meia humanidade está se beneficiando de avanços democráticos, boa parte das pessoas está enojada pela descoberta ou pelo avanço da corrupção (aliás, é discutível se ela realmente aumentou ou apenas se tornou mais visível)”. P. 07.

Mas Ribeiro mostra-se muito otimista, apesar ainda dos vários problemas existentes, com a atual situação política:

“[...] estamos vivendo o período de maior liberdade de toda a história. Nunca antes, na história deste mundo, houve tanta liberdade política e pessoal. Metade da humanidade se expressa, se organiza, vota, tem a orientação sexual de seu agrado. Logo, dessa perspectiva, a política se expandiu muito. Tanto é assim que atualmente há certa convergência de conceituação entre política e democracia. Quando os teóricos definem uma ou outra, dizem que as duas passam pela fala, pela conversa, pelo diálogo. Elas se opõem às ditaduras porque nestas não há liberdade de expressão. Daqui a um tempo é possível que predomine a ideia de que não há política que não seja democrática, e então talvez não se ouça mais falar em política stalinista, em política ditatorial etc. Talvez se ache que uma ‘política ditatorial’ é uma contradição... Esse é o aspecto positivo do mundo contemporâneo”. P. 07.

Os autores, provavelmente não estejam nada satisfeitos com o atual momento político pelo qual passa o Brasil, com todo esse burburinho em torno da saída de Dilma. Esse diálogo foi travado em 2010.

Avançando no diálogo, Ribeiro trata da obrigatoriedade do voto:

”Aproveitando que mencionei o tema das eleições, acho que poderíamos debater a questão do voto obrigatório. Durante muito tempo o defendi; com sérias ressalvas, mas defendi. Meu principal argumento era que, numa democracia, em que o poder é do povo, cada cidadão tem o dever de participar da construção da coisa pública. Voto não é artigo de consumo, que você compra ou não. O voto constitui a sociedade política. Mas me incomodavam os aspectos práticos da obrigatoriedade, como apresentar o comprovante de que você votou para retirar o passaporte; imagine que tive de ir uma ou duas vezes justificar minha abstenção no cartório eleitoral, o que me pareceu ridículo...” P. 29.

E por que ele mudou de perspectiva em relação a isso?

“Contudo, agora começo a ver pelo menos um aspecto positivo no voto facultativo. Hoje, os votos são uma reserva de mercado. Antes mesmo de escolher, sabemos que teremos de votar. Então vários fornecedores aparecem na TV, por sinal em horário pago por nós, dizendo: “Vote em mim, vote em mim”. Não precisam nos convencer a comprar a mercadoria; só precisam nos convencer a comprar a deles e não a outra. Já se o voto fosse facultativo, cada partido, além de nos convencer de que ele é melhor que os outros, teria de nos convencer também de que vale a pena votar. Provavelmente não chegaríamos a uma abstenção de 30% como em vários países europeus, nem de quase 50% como nos Estados Unidos, mas os partidos iriam se comprometer com a coisa política. Hoje, o partido tem apenas de conquistar a vaga – que já está lá. Se eles tiverem que convencer o povo de que votar é importante, terão de militar em favor da política, e não só da política deles. Terão de mostrar que a política significa alguma coisa. Hoje, quem faz esse tipo de campanha é a Justiça Eleitoral, quando deveriam ser os partidos, os candidatos. Hoje, quem explica ou elogia a democracia é o TSE e não os partidos...” P. 29.

Cortella mais uma vez retoma o que seria o “idiota”:

“A política de ação, não só a política do cotidiano – no condomínio, na escola, na família, no bairro, na ONG, no sindicato –, mas a política como atividade e vida pública, não necessariamente partidária, exige participação. Não fazê-la é algo que, a meu ver, indica alienação”. P. 31.

É reiterada diversas vezes ao longo do livro a responsabilidade que nós, cidadãos brasileiros, temos em relação ao Estado. Ninguém deve se eximir de construir um Estado mais eficiente, ético e mais justo. Mas a nossa mentalidade ainda não atentou devidamente para esse engajamento político. Não vemos o Estado como imanente, mas como um ser estranho e distante de nós.

Cortella desabafa:

“Acho que a política, tal como está, é resultado de nossos atos, conscientes ou não. Visto que se faz política mesmo quando não se sabe que se está fazendo, numa sociedade de diferenças e confrontos, a neutralidade é ficar do lado do vencedor. É claro que numa disputa dentro de uma escola, por exemplo, entre um menino de 15 anos e outro de cinco, aquele que declara: “Estou neutro, não vou me meter”, já se meteu. A omissão – a chamada neutralidade – significa apoiar aquele que obviamente vencerá. Penso que nossa sociedade tem bem acentuada essa marca: é uma falta de responsabilização, como se a coisa pública e o aparelho de Estado fossem externos a nós.

Por isso me referi anteriormente à transcendência, pois é como se o Estado fosse metafísico, transcendente. Às vezes ele é nosso céu, às vezes é nosso inferno; ora ele é nosso salvador, ora nosso demônio; é o Estado providente e o Estado punitivo. Mas a maioria da população prefere crer que não tem nada a ver com ele porque, quando surgimos, ele já existia – embora, no dia a dia, vá se construindo esse Estado pela eleição e por tantas práticas que adotamos ou rechaçamos.” P. 30.

Cortella traz um fato que eu desconhecia: a igreja católica foi quem liderou a luta pelo voto feminino no Brasil. 

“[...] a luta pelo voto feminino no Brasil foi encabeçada pela Igreja Católica. Claro, ela não era neutra na história, pois nunca se é, mas, como boa parte do eleitorado feminino era católica e ficava fora da possibilidade de eleição, buscou-se alterar esse cenário. Em 1932, em razão da Revolução de 30 em que os liberais estavam no poder, a Igreja Católica conseguiu que o voto feminino fosse aprovado no Brasil, o que era uma maneira de ganhar mais presença – como efetivamente ganhou posteriormente.” P. 30.

Ribeiro esclarece o que deveria ser o debate político:

“Considero mais importante, no Brasil, hoje, que as pessoas aprendam que a posição de seu adversário também é legítima, que aprendam a entender o que ele disse, em vez de contestar o que apenas imaginam que ele falou. Nosso debate é pobre, porque se faz caricatura do adversário. Não é à toa que ainda há quem chame o adversário, na política, de inimigo! Inimigo, só na guerra. Pior que isso, ainda não se entranhou em nós a convicção de que dois lados podem ter alguma razão e de que a política é o enfrentamento de posições opostas mas legítimas. É nesse conflito que cada uma delas pode se aprimorar.” P. 41.

Os experts em política das redes sociais, fóruns e sites, precisam aprender a ver o outro com mais respeito. O que vemos em tudo que é postagem ou notícia, são ofensas, espantalhos, caricaturas, xingamentos, palavrões, difamações e etc. Vale à pena participar desses debates tão “edificantes”? Dificilmente se lê as ideias opostas na própria fonte, mas sim, em fontes que distorcem o que foi dito originalmente. Isso é evidente em todos os lados da discussão; entre aqueles que se auto-intitulam de direita ou de esquerda.