terça-feira, 10 de julho de 2018

História dos Estados Unidos: Das Origens ao Século XXI.




FERNANDES; Luiz Estevam; KARNAL, Leandro; MORAIS, Marcus Vinícius; PURDY, Sean. 
História dos Estados Unidos: Das Origens ao Século XXI. São Paulo: Contexto, 2007. (PDF).

“Aqui não se fala do Grande Satã nem da luz que ilumina a civilização ocidental.” P. 09.

“Os EUA não são a única fonte dos problemas do mundo.” P. 14.

"Para o bem e para o mal, o destino do planeta está associado aos Estados Unidos da América". P. 232.

O que achei admirável neste livro é que os Historiadores não entraram no maniqueísmo de que o país historiado é do mal, e que nós, latinos e o resto do mundo (excetuando a Europa), somos suas vítimas passivas, coitadinhos e pobres almas escravizadas por eles.

“Que país é esse? Que cultura engendrou? Por que seduz e irrita o planeta? Existe um típico norte-americano? Que processo histórico pode ter originado o american way of life e como é possível explicar tal concentração de riquezas? Esse é o caminho deste livro.” P.18.

São colocados os fatos na mesa, de que este país, assim como qualquer outro, tem as suas contradições, erros, idiossincrasias, cerceamento dos direitos humanos e etc.

A relação do mundo com os EUA gira em torno de um amor e ódio que se cruzam, se imbricam, se misturam.

“Quando criticamos os EUA como um país que apenas pensa em si e apenas conhece o mundo dentro de suas fronteiras, expressamos um sentimento de pesar por não sermos conhecidos/reconhecidos por eles.” P. 11.

"Para uns, os EUA são a síntese de todo mal que reina no mundo, para outros, o melhor dos mundos possíveis; para todos, um fato insuperável na análise do globo". P. 233.

O Historiador Leandro Karnal observa que o norte-americano atual ainda olha para o mundo fora de suas fronteiras com a visão binária nós e eles.

“O inglês do XIX olhava para o outro e dizia: ‘você é inferior!’; o norte-americano do XXI dificilmente reconhece a existência do outro a não ser no código eu/antieu.” P. 11-12.

Também nos diz que é a terra que mais recebeu imigrantes.

Uma observação curiosa é que o analista Jean-François Revel, um francês, escreveu a obra A Obsessão Antiamericana, em que defende os EUA e critica o seu país e a Europa. A França e a Europa têm inveja do papel de liderança da nação americana, em especial por causa da segunda guerra e do capitalismo. O tio Sam sempre é criticado, porém, os seus críticos não olham para os próprios umbigos e hipocrisias internas, que não são poucas. Revel sem meias palavras acredita que a cultura cristã ocidental é superior as outras formas de organização social.

De todo modo, o livro não deixa passar despercebidos uns fatos bem embaraçosos. Os EUA é:  

“[...] o país com mais gastos militares do mundo, com o maior número de mortes por armas de fogo no mundo, o maior consumidor de energia per capita do mundo, o maior emissor de dióxido de carbono, o maior produtor de lixo tóxico do planeta e o maior produtor de lixo doméstico, entre dezenas de outras 'vitórias' duvidosas...” P. 15-16.

A fundação dos EUA teve por base a ideia religiosa de que eles eram o povo especial de Deus. O destino manifestava-se rumo ao progresso e ao sucesso material, graças a eleição divina, ainda que tenham passados por muitas dificuldades, como a fome, em que dizimara muitos de seus colonos, fazendo com que cachorros, felinos e serpentes, servissem como alimentos, quando da fundação de Jamestown. Não importando as grandes dificuldades, consideravam-se o povo fiel de Deus. Puritanos, calvinistas, reformados, batistas e etc., tiveram parte importante nos anos iniciais e em toda trajetória dos EUA.

Tal fidelidade a Deus pensada por eles, não os impediram de escravizar e terem um sistema de discriminação racial que perdura até hoje no modo de ser desse país. O livro do Karnal e cia, tem muito a falar sobre essa vergonhosa dimensão da história norte-americana, e é nela que me concentrarei. A escravidão dos africanos, o racismo e outras minorias, serão o meu recorte deste livro, daqui pra frente. Trarei o lado mal desta nação, nesse quesito, consciente de que não foi o objetivo dos autores (e isso é muito bom, como já disse no início) falar dos EUA como “o Grande Satã”.

Vamos lá.

A escravidão não era só de negros, mas de crianças também.

“Raptos de crianças na Inglaterra para vendê-las como empregadas na américa, prática muito comum no século XVII, eram outra fonte de servidão.” P. 38.

Indígenas também serviram forçadamente aos colonos.

“Embora o fato seja bem pouco conhecido da História norte-americana, os índios também foram escravizados. Os colonos das Carolinas, em particular, desenvolveram o hábito de vender índios como escravos. Em 1708, a Carolina do sul contava com 1.400 escravos índios. Essa prática permaneceria até a independência.” P. 50.

Havia uma luz em meio a escuridão da escravatura. Algumas facções protestantes não toleravam a servidão forçada de seres humanos.

“Grupos quakers e menonitas recusavam a violência contra índios e também a violência da compra de escravos negros. Porém, quakers, menonitas, católicos e puritanos ocupavam de igual modo as terras que foram, originalmente, dos índios.” P. 53.

E os outros grupos protestantes? Somente esses dois eram contra a escravidão? Parece que sim.

Os primeiros escravos da África chegaram em 1619, na Virgínia. E o primeiro negro nascido foi William Tucker. 

O livro diz:

“Muitos autores costumam considerar a escravidão norte-americana como a mais cruel que a américa registrou.” P. 54.

Isso é exatamente o contrário do que pensa Geoffrey Blainey, que é taxativo em dizer que a escravidão norte-americana foi mais amena que na América do Sul.

“É praticamente certo que os Estados Unidos foram superiores ao Brasil e outras terras em seu tratamento com os escravos. Alguns observadores da escravidão americana concordam que, em uma típica plantação de algodão ou arroz, os barracos dos escravos eram pelo menos tão confortáveis quanto os das pessoas mais pobres da Escócia e da Sicília; mas, fora dos barracos, não havia liberdade.” P. 142. - BLAINEY, Geoffrey. Uma Breve História do Mundo. Curitiba:Fundamento, 2007. (PDF).

O livro nos conta a análise do Historiador Frank Tannenbaum, que diferenciou a escravidão anglo-saxônica da ibérica.

Anglo-saxônica: relações sociais individualistas, em que o escravo como um objeto tinha total precedência sobre a sua humanidade.

Ibérica: Relações sociais paternalistas, baseadas no Direito Romano, onde o escravo fazia parte da sociedade. Apesar de estar sob as dores lancinantes do chicote, ainda era visto como um ser humano.

Ao contrário da parte sul da América, os escravos não eram obrigados a aceitarem o Cristianismo como a sua religião.

O escravo sendo um mero objeto, não havia punição caso ele fosse morto pelo seu dono e empregados.

“Em outubro de 1669, uma nova lei sobre escravos determina que, se um escravo vier a morrer em conseqüência dos castigos corporais impostos pelo capataz ou por seu amo, não será considerado isso ‘delito maior, mas se absolverá o amo’. A lei continua com lógica implacável: matar o escravo não é ato intencional, posto que ninguém, intencionalmente, procura destroçar ‘seus próprios bens’. Essa lei revela a ‘reificação’ (tornar coisa) do escravo na legislação colonial.” P. 55.

No Brasil existiram leis que em tese puniriam os donos que chegassem a matar arbitrariamente os seus escravos, mas os registros parecem trazer somente dois proprietários que foram severamente punidos com a pena de morte. Eram as Ordenanças Manuelinas. Tive conhecimento dessas leis no livro Escravismo no Brasil.

Não conformados com a vida desgraçada que levavam, “em 1740, os escravos tentaram, em Nova York, envenenar todo o abastecimento de água da cidade.” P. 55. Pena que o plano não vingou.

Mais ou menos 400 mil negros foram levados para os EUA, quando do fim do período colonial, eram cerca de 500 mil. O movimento de independência de 1776 perpetrado pelos brancos ricos não tinha em mente acabar com a servidão.

E os povos da terra, como ficaram?

“Para os índios, a independência foi negativa, pois, a partir dela, aumentou a pressão expansionista dos brancos sobre os territórios ocupados pelas tribos indígenas.” P. 82.

Uma tal Lei de Remoção de Índios removeu em 1830 vários nativos para Oklahoma. Tirados de suas terras, andaram milhares de quilômetros contra a sua vontade, ocasionando a morte de milhares deles. Essa andança forçada ficou conhecida como a Trilha das Lágrimas. Nove anos depois várias outras nações de índios foram expulsas de suas habitações e colocadas para o Oeste. 100 milhões de acres de terra ficaram prontas para a agricultura do “povo eleito”. Nas reservas milhares de indígenas tiveram a morte como destino.

Enquanto isso, os negros escravizados sabiam ler, graças a cultura protestante que primava pela educação religiosa e leitura da Bíblia. Herança da Reforma do século XVI, que deu grande impulso aos estudos.

Aqueles que se posicionavam contra a escravidão, eram em sua maioria religiosos, que enfatizavam que escravizar pessoas eram um terrível mal moral. O livro não fala, mas a Bíblia também era usada para legitimar a passividade e obediência dos escravos, invocando as cartas do Novo Testamento, em que a escravidão não é em nenhum momento reprovada. O Nascimento de Uma Nação é um filme que ilustra bem o uso da Bíblia para legitimar a servidão negra, como também para que eles se rebelassem.  

Chega então a Guerra de Secessão, ou Guerra Civil Americana (1861-1865), sendo vencida pelos Yankes (nortistas), tendo sido conquistada a “liberdade” tão sonhada da comunidade negra, por séculos maltratada e agrilhoada. O negro liberto continuou na penúria e não teve nenhuma ajuda do estado para se realocar na nova conjuntura social que acabara de emergir. O racismo ganhava novos contornos, com a criação da Ku Klux Klan, grupo protestante de supremacistas brancos que odiavam e caçavam negros. Entramos no século XX, e o racismo continua forte, tanto no sul, como norte que “libertou” os negros. As Leis Jim Crow apareceriam e varreriam toda a nação. O lema dessas leis – separados, mas iguais – eram na verdade o contrário. O cerne delas era que o homem branco é superior.

“O termo ‘Jim Crow’, nascido de uma música popular, referia-se a toda lei (foram dezenas) que seguisse o princípio “separados, mas iguais”, estabelecendo afastamento entre negros e brancos nos trens, estações ferroviárias, cais, hotéis, barbearias, restaurantes, teatros, entre outros. Em 1885, a maior parte das escolas sulistas também foram divididas em instituições para brancos e outras para negros. Houve ‘leis Jim Crow’ por todo o sul. Apenas nas décadas de 1950 e 1960 a suprema Corte derrubaria a idéia de ‘separados, mas iguais’.” P. 126.

O racismo estava entranhado em tudo. E na política não era diferente. Dependendo de eleitores racistas, o então presidente Delano Roosevelt não podia ser contra a discriminação racial, confinando a população negra a vidas subalternas.

A segunda guerra mundial proporcionou uma certa mobilidade social as minorias, criando vários postos de trabalhos, transformando a vida das minorias (mulheres, negros, imigrantes), criando um espaço pela busca de mais igualdade e direitos. Mas o caminho em busca da cidadania não seria fácil.

“[...] segregação formal e informal, linchamento e violência policial, discriminação no emprego, na educação e nos serviços públicos, falta de direitos políticos, pobreza extrema – tudo isso caracterizava a vida de negros nos Estados Unidos depois da segunda Guerra Mundial.” P. 204.

“As atitudes raciais do governo e da sociedade, porém, mudavam lentamente e, freqüentemente, ressurgiam as antigas tensões violentas. Discriminação e, às vezes, violência física eram realidades enfrentadas pelos novos imigrantes mexicanos, como no motim racista em junho de 1943, em Los Angeles, mas novamente foram os negros a sofrerem mais com o racismo. As Forças armadas permaneceram quase totalmente marcadas pela segregação mesmo com 700 mil negros alistados. Não menos de 242 motins raciais, provocados por tensões econômicas e sociais relativas a emprego e moradia, explodiram em 47 cidades em 1943, inclusive Detroit, onde 34 pessoas (25 negros e nove brancos) morreram e 700 ficaram feridas.” P. 189.

Quem também sofreu com o racismo norte-americano foram o povo de olhinhos puxados, durante a guerra contra Hitler e o Japão. O governo americano não levou em conta os 75% da população de descendência japonesa que não representavam nenhuma ameaça ao país, sendo duramente perseguidos tanto pelo governo como pela sociedade. 110 mil nipo-americanos foram presos, tendo os seus bens caçados, até o fim da guerra.

A segregação racial implicava em segregação espacial, visto que a população negra eram reservados os piores lugares para se morar, fazendo com que negros e latinos dependessem cada vez mais do estado, emperrando o seu desenvolvimento.

Quanto a luta pelos Direitos Civis, na década de 1960, o governo sempre foi relapso em apoiar o movimento. Até mesmo procurou matar o líder Martin Luther King.

“[...] o chefe do FBI, o veterano anticomunista e racista J. Edgar Hoover, fez uma campanha clandestina contra King, grampeando seus telefones e o chantageando, além de enviar-lhe uma carta anônima sugerindo que se suicidasse. Um relatório do senado, em 1976, concluiu que o FBI tentou ‘destruir’ Luther King.” P. 207.

Uma figura importante para comunidade negra foi Malcolm X, líder negro, pelo qual muitos jovens negros vieram a adotar o islamismo como religião. Ele foi assassinado pelas ideias de emancipação negra e denúncias feitas contra a opressão branca.

Os Panteras Negras, grupo fundado por alunos negros da Califórnia, também tiveram o seu quinhão de importância nos turbulentos anos 1960-70, pregando a defesa armada, sendo brutalmente perseguidos pelo FBI. Fiz um resumo de um ótimo documentário da Netflix sobre eles aqui:


Com o “fim” da segregação racial conseguida pelo movimento negro dos anos 1960, as ações afirmativas começam a operar.

“Influenciadas pelas ações do governo federal, muitas universidades e até algumas empresas também implementaram programas de ‘ação afirmativa’ e ‘sistemas de cotas’ na década de 1970.” P. 207.

E as mulheres nisso tudo?

“Mulheres constituíram 40% da mão-de-obra economicamente ativa em 1970, mas ainda sofriam de discriminação no emprego, na família e na sociedade como um todo. A atmosfera tumultuada da década de 1960 criou condições para o ressurgimento do feminismo e de lutas contra descriminação sexual.” P. 211.

No entanto:

“Nos anos 1970, uma mobilização de mulheres conservadoras já tinha derrubado a Emenda de direitos iguais aprovada pelo Congresso em 1972 para eliminar barreiras à participação plena de mulheres na vida pública.” P. 226.

Os anos 1970-1990 não foram bons para a comunidade afro-americana. Vejamos:

“A situação econômica nos guetos negros dos centros das cidades piorou ao longo dos anos 1970 e 1980. Um terço da população negra ficou abaixo da linha de pobreza, sem recursos suficientes para educação e outros serviços públicos, carente de emprego, treinamento e oportunidade. No fim dos anos 1990, a renda familiar branca ficou quatro vezes maior que a das famílias negras. A estrutura familiar foi abalada: somente 38% das crianças negras moravam em famílias biparentais em 2000. Um quarto das crianças negras vivia na pobreza. A redução do estado de bem-estar, ao longo dos anos 1980 e 1990, também piorou as condições da vida de negros desproporcionalmente em relação aos brancos. Frustração com o racismo ainda existente, poucas oportunidades econômicas e violência policial provocaram vários motins urbanos desencadeados por questões raciais em Miami, Nova York e outras cidades nos anos 1980 e 1990.” P. 222.

E não podendo faltar aqueles racistas que não se envergonham do seu racismo...

“[...] grupos conservadores passaram a afirmar que as críticas feitas ao racismo, ao machismo, à homofobia e a alguns aspectos da cultura ocidental representavam elas próprias uma forma de ‘intolerância’.” P. 229.

Os Historiadores Leandro Karnal, Marcus Vinícius, Sean Purdy e Luiz Estevam, deram um show de história neste livro. Estão de parabéns pela obra, por primarem pelo equilíbrio em não demonizar a nação norte-americana, como se os outros países fossem o paraíso na terra e não tivessem políticas injustas e opressivas que atrasam o desenvolvimento pleno de seus cidadãos.

Eu que optei por mostrar um pouco do que eles falaram sobre a escravidão e o racismo. Sendo o último, ainda bastante presente no país historiado.