terça-feira, 29 de dezembro de 2015

O Básico da Filosofia


NIGEL, Warbuton. O Básico da Filosofia. Rio de Janeiro: José Olympio, 2008.

O relativismo no campo moral, epistemológico e ontológico é algo bastante disseminado nos cursos de humanas. Sempre existem os mais empolgados professores e alunos que gritam em alto e bom som que não existe mais acadêmicos sérios que rejeitam a visão relativista. Deparei-me inúmeras vezes com esses tipos. 

Sinto muito em dizer que eles estão bem equivocados. O Nigel Warburton (Ph.D em Filosofia no Darwin College da Universidade de Cambridge, Inglaterra. Foi Professor na Universidade de Nottingham, Inglaterra. Atualmente é Professor e Palestrante de Filosofia na Universidade Aberta, Inglaterra) é um dos acadêmicos que discorda dessa visão tosca do relativismo. Fiquei positivamente surpreso quando li o seu livro em 2012. 

Vejamos o que ele fala sobre o relativismo moral:

"Diferentes sociedades têm diferentes costumes e idéias a respeito de certo e errado. Não há um consenso mundial sobre que ações são certas e erradas. Ainda que exista uma considerável coincidência entre as concepções. Se considerarmos o quanto os valores morais mudaram, tanto de lugar para lugar, quanto de época para época, pode ser tentador achar que não há fatos morais absolutos, mas sim que a moralidade é sempre relativa à sociedade em que você foi criado. Por esse ponto de vista, uma vez que a escravidão era moralmente aceitável para a maioria dos gregos antigos, mas não o é para a maioria dos europeus hoje, a escravidão era correta no contexto dos antigos gregos, mas seria errada no contexto atual". 

"Esse ponto de vista, conhecido como relativismo cultural, torna a moralidade simplesmente uma descrição dos valores esposados por uma sociedade particular num momento particular. Essa é uma posição metaética sobre a natureza dos julgamentos morais: só podem ser considerados verdadeiros ou falsos relativamente a uma sociedade particular. Não haveria, portanto, julgamentos morais absolutos: são todos relativos. O relativismo moral contesta frontalmente o ponto de vista que algumas ações são certas ou erradas de modo absoluto, tal como defendido, por exemplo, por muitos que acreditam que a moralidade consiste nas ordens de Deus à humanidade". 

"Os relativistas costumam acrescentar à sua concepção de moralidade a convicção de que como a moralidade é relativa, nunca deveríamos interferir nos costumes de outras sociedades, pois não há um ponto de vista neutro a partir do qual julgar. Esta opinião foi particularmente popular entre antropólogos, talvez por terem testemunhado com frequência a destruição infligida a outras sociedades por uma importação nua e crua de valores ocidentais. Quando o relativismo moral tem o acréscimo deste componente para com outras sociedades, é geralmente conhecido como relativismo normativo".

Críticas ao relativismo moral

Os relativistas são inconsistentes?

"Os relativistas morais às vezes são acusados de inconsistência, uma vez que alegam que todos os julgamentos morais são relativos, mas ao mesmo tempo querem que acreditemos que a teoria do relativismo moral é ela própria absolutamente verdadeira. Isto é um problema sério para um relativista moral que é também um relativista quanto à verdade, isto é, alguém que acredita que não existe verdade absoluta, apenas verdades relativas a sociedades particulares. Esse tipo de relativista não pode defender nenhuma teoria, muito menos declarar que algumas delas é absolutamente verdadeira".

"Relativistas normativos também estão vulneráveis á acusação de inconsistência. Eles acreditam não só que todos os julgamentos morais são relativos à sua sociedade, mas que as sociedades não deveriam interferir umas nas outras. No entanto, essa segunda convicção é com certeza exemplo de um julgamento moral absoluto, incompatível com a premissa básica do relativismo normativo. Esta é a maior crítica ao relativismo normativo".

O que considerar como sociedade?

"Os relativistas morais costumam ser vagos a respeito do que considerar uma sociedade. Por exemplo, na Grã-Bretanha contemporânea há com certeza membros de subculturas que acreditam ser moralmente aceitável usar drogas ilícitas para fins recreativos. Em que ponto um relativista estará preparado para dizer que os membros dessas subculturas formam uma sociedade separada, concluindo que possuem sua própria moralidade, a qual é imune a críticas de outras culturas? Não há resposta óbvia para esta questão".

Impedimentos de críticas morais aos valores de uma sociedade

"Ainda que a crítica anterior pudesse ser refutada, coloca-se uma dificuldade a mais quanto ao relativismo moral. Parece impedir a possibilidade de crítica moral aos valores essenciais de uma sociedade. Se julgamentos morais são definidos em termos de valores capitais daquela sociedade, nenhuma crítica a esses valores pode usar argumentos morais contra eles. Em uma sociedade na qual a idéia predominante é na qual as mulheres não deviam ter direito a votar, qualquer pessoa advogando o sufrágio feminino estaria sugerindo algo relativamente imoral aos valores daquela sociedade". P. 97-100.

Em acréscimo, cito aqui as palavras do Desidério Murcho (Mestrado e Licenciado em Filosofia pela Universidade de Lisboa, Portugal, e Professor da Universidade Federal de Ouro Preto):

“A motivação pós-modernista para abandonar a noção de verdade é a ideia de que esta seria opressora, colonialista e eurocêntrica: em nome da verdade, diz-se, exploraram-se os povos indígenas de África e das Américas, impôs-se a religião europeia e sustentou-se o racismo e o colonialismo. Esta acusação resulta de uma confusão pré-moderna entre a verdade e o que se pensa que é verdade mas é de facto falso. O racismo e o colonialismo baseiam-se em falsidades: que os negros ou os índios são inferiores, que por terem sociedades diferentes das nossas não têm direito à autodeterminação, à integridade territorial e à autonomia económica, política e religiosa. Quando se abandona a noção de verdade não se pode protestar perante as falsidades em que se apoia o racismo ou o colonialismo. Só o respeito pela verdade justifica que não se aceite como absolutas as nossas crenças, costumes e ideologias: porque podemos estar errados.” [1].

A Sociologia e a Antropologia não fornecem as ferramentas necessárias para lidar com os Valores e a Ética. Ambas apenas descrevem e interpretam dada sociedade e realidade; são descritivas e não prescritivas. Mas os Antropólogos/Sociólogos adoram prescrever como nós ocidentais devemos olhar certas práticas de outros povos e nos comportar diante delas. Um comportamento de passividade, alias. Porém, diante do relativismo cultural tão ferozmente defendido por eles, porque deveríamos acatar o “conselho” de “tolerância” deles? 

Referências