SPONVILLE, André Comte.
Apresentação da Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
André Comte-Sponvile (Ph.D
em Filosofia na Universidade de Paris I: Panthéon – Sobornne) apresenta neste
livro, os temas básicos da Filosofia, na seguinte sequência: Moral, Política,
Amor, Morte, Conhecimento, Liberdade, Deus, Ateísmo, Arte, Homem e Sabedoria.
Já tinha lido sua outra obra, O Espírito do Ateísmo, onde ele faz uma tremenda e
lúcida defesa do materialismo.
Vamos a alguns temas
que ele trata em Apresentação da Filosofia:
A Moral:
“O que é a moral? É o conjunto do que um indivíduo
se impõe ou proíbe a si mesmo, não para, antes de mais nada, aumentar sua
felicidade ou seu bem-estar próprios, o que não passaria de egoísmo, mas para
levar em conta os interesses ou os direitos do outro, mas para não ser um
canalha, mas para permanecer fiel a certa idéia da humanidade e de si. A moral
responde à pergunta: ‘O que devo fazer?’ É o conjunto dos meus deveres, em
outras palavras, dos imperativos que reconheço como legítimos – mesmo que, às vezes,
como todo o mundo, eu o viole. É a lei que imponho a mim mesmo, ou que deveria
me impor, independentemente do olhar do outro e de qualquer sanção ou
recompensa esperadas.” P. 20.
Para sermos morais, não
é preciso que uma divindade imponha certos valores. Sponville vê a nossa moral
como fruto de uma evolução sócio-histórica, mas que nem por isso, ela seria
arbitrária.
A Morte:
“A coisa em que o homem livre menos pensa é na
morte’, escreve porém Spinoza, ‘e sua sabedoria não é uma meditação sobre a
morte, mas sobre a vida.’ [...] Como meditar sobe a vida – isto é – filosofar –
sem meditar também sobre sua brevidade, sua precariedade, sua fragilidade? Que
o sábio (e somente o sábio é livre, papa Spinoza) pense mais no ser do que no
não-ser, mais na vida do que na morte, mas sua força do que na sua fraqueza,
admitamos. Mas como pensar a vida em sua verdade sem pensa-la também – toda
determinação é uma negação – em sua finitude ou em sua mortalidade?” P. 48.
Dois livros que li
recentemente, e que tratam magistralmente sobre a problemática da morte são: Confissões do Crematório e De Frente Para o Sol. Ambos concordam com essa
assertiva do Sponville.
Um dos capítulos que
mais me chamaram à atenção, foi sobre o Conhecimento. Sponville num primeiro
momento, parece aderir a uma limitação tal da nossa capacidade de conhecer que parece se aproximar do relativismo epistemológico, mas antes que pensem isso,
ele dá uma saraivada de argumentos para solapar o mote de que a verdade
inexiste.
Há um progresso incontestável
no conhecimento científico:
“[Veja], por exemplo, o movimento da Terra em torno
do Sol. Ninguém pode conhcê-lo absolutamente, totalmente, perfeitamente. Mas
sabemos que esse movmento existe e que se trata de um movimento de rotação. As
teorias de Copérnico e de Nexton, por mais relativas que sejam (já que são
teorias), são mais verdadeiras e mais seguras – logo, mais absolutas – do que
as de Hiparco ou de Ptolomeu. Do mesmo modo, a Teoria da Relatividade é mais
absoluta (e não, como às vezes pensam, por causa do seu nome, mais relativa!)
do que a mecânica celeste do XVIII, que ela explica e que não a explica. Que
todo conhecimento é relativo não significa que todos os conhecimentos se
equivalem. O progresso de Newton a Eisntein é tão inconteste quanto o que vai
de Ptolomeu a Newton.” P. 57.
Sem nenhuma obtenção da
verdade, o que resta é a anarquia:
“Se não tivéssemos nenhum acesso à verdade, ou se a
verdade não existisse, que diferença haveria entre um culpado e um inocente?
Entre um depoimento e uma calúnia? Entre a justiça e um erro judiciário? E por
que lutaríamos contra os negativistas, contra os obscurantistas, contra os
mentirosos?” P. 59.
Isso é tão óbvio, que
parece até idiota o Sponville ter que escrevê-lo. Mas na medida em que os
próprios educadores (logo eles?! Que lástima!) gritam para os seus alunos e
escrevem em seus livros e periódicos, que a verdade NÃO existe, faz-se
necessário contestá-los.
Sem a verdade, nada
sobra. Aliás, nem haveria razão de nada.
“Se nada fosse verdadeiro, que restaria da nossa
razão? Como poderíamos discutir, argumentar, conhecer? ‘Cada qual a sua
verdade’? Se fosse assim, já não haveria verdade nenhuma, porque ela só vale se
for universal. [...] A verdade não pertence a ninguém; é por isso que pertence,
de direito, a todos. A verdade não obedece; é por isso que é livre, e liberta.
[...] Se não houvesse verdade, não seria verdadeiro que não há verdade. Se tudo
fosse mentira, como queria Nietzsche, seria mentira que tudo é mentira. É aí
que a sofística é contraditória [...] se destrói como filosofia. Os sofistas
não se preocupam com isso. O que lhes importa uma contradição? O que lhes
importa a filosofia? Mas os filósofos, desde Sócrates, se preocupam. Eles têm
para tanto suas razões, que são a própria razão e o amor à verdade. Se nada é
verdade pode-se pensar qualquer coisa, o que é muito cômodo para os sofistas;
mas então já não se pode pensar nada, o que é mortal para a filosofia.” P. 61-62.
Sem a verdade, tudo
entra em colapso:
“Porque, se nada fosse verdadeiro nem falso, não
haveria nenhuma diferença entre o conhecimento e a ignorância, nem entre a
sinceridade e a mentira. As ciências não sobreviveriam, nem a moral, nem a
democracia. Se tudo é mentira, tudo é permitido: pode-se trapacear com as
experiências ou as demonstrações (já que nenhuma é válida), pôr a superstição
no mesmo plano das ciências (já que nenhuma verdade as separa), condenar um
inocente (já que não há nenhuma diferença pertinente entre um testemunho
verdadeiro e um falso), negar as verdades históricas mais bem estabelecidas (já
que são tão falsas quanto o resto), deixar os criminosos em liberdade (já que
não é verdade que são culpados), autorizar-se a ser um deles (já que, mesmo
sendo culpados, não é verdade que se seja), recusar enfim toda e qualquer
validade a todo e qualquer voto (já que um voto só vale se conhecermos de
verdade seu resultado)... Quem não vê os perigos que aí se escondem? Se podemos
pensar qualquer coisa, podemos fazer qualquer coisa: a sofística conduz ao
niilismo, assim como o niilismo leva à barbárie.” P. 63.
Voltando algumas
páginas, ele escreve:
“[...] As ciências não respondem a nenhuma das
questões mais importantes que nós fazemos. Por que há algo em vez de nada? A
vida vale a pena ser vivida? O que é o bem? O que é o mal? Somos livres ou
determinados? Deus existe? Há uma vida após a morte? Essas questões, que
podemos dizer metafísicas num sentido amplo (de fato, elas vão além de toda
física possível), fazem de nós seres pensantes, ou antes, seres filosofantes”. P. 49.
Só faltou ele dizer que
a Ciência, mesmo com as suas limitações, tem ajudado muito em fazermos refletir
sobre alguns (ou todos?) desses problemas filosóficos citados por ele. Um cientificista mesmo
admitindo que a Ciência no momento ainda não dispõe de respostas, pode
responder que tampouco a Filosofia ou a religião as têm.
O capítulo em que ele
trata do ateísmo é primoroso. Admito isto, mesmo não sendo ateu. Minha
incoerência é dizê-lo, e não postar nada sobre ele. Pura preguiça minha.
Livro recomendado.