quinta-feira, 7 de junho de 2018

Apresentação da Filosofia



SPONVILLE, André Comte. Apresentação da Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

André Comte-Sponvile (Ph.D em Filosofia na Universidade de Paris I: Panthéon – Sobornne) apresenta neste livro, os temas básicos da Filosofia, na seguinte sequência: Moral, Política, Amor, Morte, Conhecimento, Liberdade, Deus, Ateísmo, Arte, Homem e Sabedoria. Já tinha lido sua outra obra, O Espírito do Ateísmo, onde ele faz uma tremenda e lúcida defesa do materialismo.

Vamos a alguns temas que ele trata em Apresentação da Filosofia:

A Moral:

“O que é a moral? É o conjunto do que um indivíduo se impõe ou proíbe a si mesmo, não para, antes de mais nada, aumentar sua felicidade ou seu bem-estar próprios, o que não passaria de egoísmo, mas para levar em conta os interesses ou os direitos do outro, mas para não ser um canalha, mas para permanecer fiel a certa idéia da humanidade e de si. A moral responde à pergunta: ‘O que devo fazer?’ É o conjunto dos meus deveres, em outras palavras, dos imperativos que reconheço como legítimos – mesmo que, às vezes, como todo o mundo, eu o viole. É a lei que imponho a mim mesmo, ou que deveria me impor, independentemente do olhar do outro e de qualquer sanção ou recompensa esperadas.” P. 20.

Para sermos morais, não é preciso que uma divindade imponha certos valores. Sponville vê a nossa moral como fruto de uma evolução sócio-histórica, mas que nem por isso, ela seria arbitrária.

A Morte:

“A coisa em que o homem livre menos pensa é na morte’, escreve porém Spinoza, ‘e sua sabedoria não é uma meditação sobre a morte, mas sobre a vida.’ [...] Como meditar sobe a vida – isto é – filosofar – sem meditar também sobre sua brevidade, sua precariedade, sua fragilidade? Que o sábio (e somente o sábio é livre, papa Spinoza) pense mais no ser do que no não-ser, mais na vida do que na morte, mas sua força do que na sua fraqueza, admitamos. Mas como pensar a vida em sua verdade sem pensa-la também – toda determinação é uma negação – em sua finitude ou em sua mortalidade?” P. 48.

Dois livros que li recentemente, e que tratam magistralmente sobre a problemática da morte são: Confissões do Crematório e De Frente Para o Sol. Ambos concordam com essa assertiva do Sponville.

Um dos capítulos que mais me chamaram à atenção, foi sobre o Conhecimento. Sponville num primeiro momento, parece aderir a uma limitação tal da nossa capacidade de conhecer que parece se aproximar do relativismo epistemológico, mas antes que pensem isso, ele dá uma saraivada de argumentos para solapar o mote de que a verdade inexiste.

Há um progresso incontestável no conhecimento científico:

“[Veja], por exemplo, o movimento da Terra em torno do Sol. Ninguém pode conhcê-lo absolutamente, totalmente, perfeitamente. Mas sabemos que esse movmento existe e que se trata de um movimento de rotação. As teorias de Copérnico e de Nexton, por mais relativas que sejam (já que são teorias), são mais verdadeiras e mais seguras – logo, mais absolutas – do que as de Hiparco ou de Ptolomeu. Do mesmo modo, a Teoria da Relatividade é mais absoluta (e não, como às vezes pensam, por causa do seu nome, mais relativa!) do que a mecânica celeste do XVIII, que ela explica e que não a explica. Que todo conhecimento é relativo não significa que todos os conhecimentos se equivalem. O progresso de Newton a Eisntein é tão inconteste quanto o que vai de Ptolomeu a Newton.” P. 57.

Sem nenhuma obtenção da verdade, o que resta é a anarquia:

“Se não tivéssemos nenhum acesso à verdade, ou se a verdade não existisse, que diferença haveria entre um culpado e um inocente? Entre um depoimento e uma calúnia? Entre a justiça e um erro judiciário? E por que lutaríamos contra os negativistas, contra os obscurantistas, contra os mentirosos?” P. 59.

Isso é tão óbvio, que parece até idiota o Sponville ter que escrevê-lo. Mas na medida em que os próprios educadores (logo eles?! Que lástima!) gritam para os seus alunos e escrevem em seus livros e periódicos, que a verdade NÃO existe, faz-se necessário contestá-los.

Sem a verdade, nada sobra. Aliás, nem haveria razão de nada.

“Se nada fosse verdadeiro, que restaria da nossa razão? Como poderíamos discutir, argumentar, conhecer? ‘Cada qual a sua verdade’? Se fosse assim, já não haveria verdade nenhuma, porque ela só vale se for universal. [...] A verdade não pertence a ninguém; é por isso que pertence, de direito, a todos. A verdade não obedece; é por isso que é livre, e liberta. [...] Se não houvesse verdade, não seria verdadeiro que não há verdade. Se tudo fosse mentira, como queria Nietzsche, seria mentira que tudo é mentira. É aí que a sofística é contraditória [...] se destrói como filosofia. Os sofistas não se preocupam com isso. O que lhes importa uma contradição? O que lhes importa a filosofia? Mas os filósofos, desde Sócrates, se preocupam. Eles têm para tanto suas razões, que são a própria razão e o amor à verdade. Se nada é verdade pode-se pensar qualquer coisa, o que é muito cômodo para os sofistas; mas então já não se pode pensar nada, o que é mortal para a filosofia.” P. 61-62.

Sem a verdade, tudo entra em colapso:

“Porque, se nada fosse verdadeiro nem falso, não haveria nenhuma diferença entre o conhecimento e a ignorância, nem entre a sinceridade e a mentira. As ciências não sobreviveriam, nem a moral, nem a democracia. Se tudo é mentira, tudo é permitido: pode-se trapacear com as experiências ou as demonstrações (já que nenhuma é válida), pôr a superstição no mesmo plano das ciências (já que nenhuma verdade as separa), condenar um inocente (já que não há nenhuma diferença pertinente entre um testemunho verdadeiro e um falso), negar as verdades históricas mais bem estabelecidas (já que são tão falsas quanto o resto), deixar os criminosos em liberdade (já que não é verdade que são culpados), autorizar-se a ser um deles (já que, mesmo sendo culpados, não é verdade que se seja), recusar enfim toda e qualquer validade a todo e qualquer voto (já que um voto só vale se conhecermos de verdade seu resultado)... Quem não vê os perigos que aí se escondem? Se podemos pensar qualquer coisa, podemos fazer qualquer coisa: a sofística conduz ao niilismo, assim como o niilismo leva à barbárie.” P. 63.

Voltando algumas páginas, ele escreve:

“[...] As ciências não respondem a nenhuma das questões mais importantes que nós fazemos. Por que há algo em vez de nada? A vida vale a pena ser vivida? O que é o bem? O que é o mal? Somos livres ou determinados? Deus existe? Há uma vida após a morte? Essas questões, que podemos dizer metafísicas num sentido amplo (de fato, elas vão além de toda física possível), fazem de nós seres pensantes, ou antes, seres filosofantes”. P. 49.

Só faltou ele dizer que a Ciência, mesmo com as suas limitações, tem ajudado muito em fazermos refletir sobre alguns (ou todos?) desses problemas filosóficos citados por ele. Um cientificista mesmo admitindo que a Ciência no momento ainda não dispõe de respostas, pode responder que tampouco a Filosofia ou a religião as têm.

O capítulo em que ele trata do ateísmo é primoroso. Admito isto, mesmo não sendo ateu. Minha incoerência é dizê-lo, e não postar nada sobre ele. Pura preguiça minha.

Livro recomendado.