segunda-feira, 18 de setembro de 2017

Kant em 90 Minutos


STRATHERN, Paul. Kant em 90 Minutos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003. (Versão em PDF).

Immanuel Kant é de longe um dos Filósofos mais debatidos e aclamados da história. Ele fez história na Filosofia. Construiu um alicerce filosófico que impressiona qualquer mente inquiridora, que venha a investigar as suas densas obras. Todos são unânimes em dizer que sua obra magna Critica da Razão Pura são para poucos cérebros se debruçarem. Número reduzido de graduados em Filosofia têm condições de lê-la e entendê-la. Filósofos com mentes sofisticadas vêm se debruçando sobre o seu pensamento, que possui várias implicações epistemológicas que subvertem a nossa visão de mundo, seja na religião, Ciência e afins. Eu que passo muitíssimo longe de ser até mesmo um estudioso da Filosofia, arrisco-me apenas a ler, pequenas e introdutórias obras sobre ela. Por isso, aqui vai mais uma postagem da 90 Minutos, série de pequenos livros.

Paul Strathern (Professor de Filosofia e Matemática na Universidade de Kingston, Londres) não esconde o fascínio que nutre pelo castelo filosófico construído pelo seu biografado. Sem deixar de tecer críticas (e com razão) ao imperativo categórico do Filósofo, relativo ao que Kant pensava acerca da mentira ser sempre um erro moral.

Segundo o autor, Kant não foi ateu. Conservou durante toda a sua vida, uma moral, que muito deve a sua educação pietista protestante. Kant nunca foi à igreja quando adulto. Parece que sempre foi celibatário, reprimindo seus desejos sexuais, que alguns Psicólogos acreditam que a morte de sua mãe ainda em sua juventude possam ter desencadeado sentimentos de aversão ao sexo. Era anti-social, não querendo nem ter contato com as suas irmãs, mas nunca deixando de ajudá-las financeiramente. O Filósofo era baixinho, cerca de 1 metro e meio, e tinha um cabeção, que destoava de seu franzino corpo.

A originalidade filosófica de Kant veio bem tarde em sua jornada acadêmica, somente por volta dos 51 anos de idade. Ensinou os mais variados assuntos, como Astronomia, em que dizia que os planetas seriam um dia habitados, e que nos planetas mais distantes do sol, estariam as vidas mais evoluídas intelectualmente.

As conclusões empiristas do Filósofo David Hume o deixou assustado. Aquela historinha do empirismo de que TODO o nosso conhecimento e percepções vem SOMENTE pela experiência. Lei da Causalidade? Hume diz que não podemos prová-la. O máximo que podemos dizer é que um evento sucede o outro, sem, contudo, provar que um é o efeito acontecimento que o precedeu. A nossa percepção é só percepção mesmo, nunca experimentamos a causalidade, se é que ela existe. A causalidade é apenas um exemplo, dentre vários outros que não podemos vivenciar diretamente.

“O empirismo de Hume parecia incontestável, e de forma relutante ele chegou a se deixar convencer pelo seu ceticismo. Objetos, causa e efeito, continuidade, até mesmo o eu, todas essas noções pareciam falaciosas, permanecendo além do campo da nossa experiência, única fonte segura do nosso conhecimento. Kant aceitava isso porque lhe parecia intelectualmente irrefutável, mas não estava satisfeito com a esterilidade dessa situação.  Parecia não haver mais espaço para o prosseguimento da filosofia. Seria de fato o fim?” P. 10.

Por volta dos seus 57 anos, Kant lança sua obra prima, Crítica da Razão Pura, uma síntese de racionalismo e empirismo, numa tentativa de superar o empirismo rígido e desconcertante de Hume, que o havia acordado de seu “sono dogmático”. São mais de 800 páginas, numa linguagem rebuscada e prolixa. Para um amigo de Kant, lê-la era “cortejar a insanidade”. De acordo com Kant, a experiência deve corresponder ao conhecimento, ao contrário do que dizia Hume e os empiristas. Nossa subjetividade determina o espaço e o tempo. Percebemos apenas os fenômenos do mundo, e não a realidade em si. Está apenas faculta o surgimento dos fenômenos. 

“[...] o argumento de Kant de que não podemos jamais conhecer o mundo real tem peso considerável. Todas as coisas que percebemos são apenas fenômenos. A coisa em si (o númeno) que sustenta ou propicia o aparecimento desses fenômenos permanece para sempre incognoscível. E não há razão por que ela deveria assemelhar-se de qualquer maneira a nossas percepções. Os fenômenos são percebidos por meio de nossas categorias, que não têm absolutamente nada a ver com a coisa em si, que permanece além da qualidade, quantidade, relação e similares.” P. 12.

Strathern parece endossar o mundo dos fenômenos de Kant (agnosticismo filosófico). Mas cabe aqui uma pergunta: A conclusão de que não podemos conhecer o mundo real, ou pelo menos parte dele, já não trás em si, um certo conhecimento (por mínimo que seja) desse mundo? Não se pressupõe aí, um conhecimento sobre a realidade? Não estaria no pensamento kantiano o germe do relativismo pós-moderno, apesar deste abominar as dimensões apriorísticas do conhecimento, algo tão caro ao pensamento de Kant? Espero não estar fazendo indagações bestas.

Kant escreveu também a Crítica da Razão Prática, onde procurou as bases metafísicas da moralidade. A lei fundamental na qual todos nós devemos guiar nossas ações. Kant não estava preocupado com o conteúdo das ações morais, mas com o seu fundamento. O resultado de sua Filosofia Moral é o Imperativo Categórico que diz: “Aja somente de acordo com um princípio que desejaria que fosse ao mesmo tempo uma lei universal.” O sistema moral de Kant, pelo que pude perceber noutro lugar, é muito bem construído, entretanto, quando Kant o aplica no dia a dia, suas conseqüências são nefastas (e Kant não vê isso como um problema). Talvez o caso mais emblemático seja a mentira. Para o Filósofo não devemos mentir em hipótese nenhuma. Mentiu, mesmo que seja para salvar uma mãe, amigo, etc., está sob o peso do erro moral.

“O sistema ético de Kant também levou-o a acreditar que não deveríamos jamais mentir, apesar das consequências que pudessem advir desse fato. Estava bastante consciente das implicações desse ponto de vista, mas, apesar disso, manteve-o. ‘Dizer uma mentira a um assassino à procura de um amigo seu, refugiado na sua casa, seria um crime.’ Devemos acreditar que Kant teria sido capaz de entregar um amigo judeu aos nazistas? Não: tudo que sabemos a seu respeito me deixa convencido de que ele teria seguido nessas circunstâncias os preceitos do dever. Sua mente tão vivaz descobriria rapidamente alguma norma que o proibisse de entregar o amigo. No entanto, essa questão de nunca mentir expõe uma falha evidente no sistema de Kant. A fim de não cometer nenhum erro, ele considerou o tema com excessiva seriedade. Chegou a gastar tempo se torturando sobre a licitude de se concluir uma carta com a saudação costumeira da época ‘Seu humilde servo’. Seria mentira? Kant insistiu que não era escravo de ninguém e que não tinha qualquer intenção de prestar obediência a seus correspondentes, mas finalmente parece ter cedido em relação a esse ponto.” P. 13-14.

Muitas coisas curiosas sobre a vida de Kant são reveladas por Strathern. Há um posfácio que analisa novamente a metafísica kantiana, com as suas categorias a priori e seu Imperativo Categórico. No final do livro, ele ainda traz algumas citações compreensíveis da Crítica da Razão Pura.