STRATHERN,
Paul. Kant em 90 Minutos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,
2003. (Versão em PDF).
Immanuel Kant é de
longe um dos Filósofos mais debatidos e aclamados da história. Ele fez história
na Filosofia. Construiu um alicerce filosófico que impressiona qualquer mente
inquiridora, que venha a investigar as suas densas obras. Todos são unânimes em
dizer que sua obra magna Critica da Razão Pura são para poucos
cérebros se debruçarem. Número reduzido de graduados em Filosofia têm condições
de lê-la e entendê-la. Filósofos com mentes sofisticadas vêm se debruçando
sobre o seu pensamento, que possui várias implicações epistemológicas que
subvertem a nossa visão de mundo, seja na religião, Ciência e afins. Eu que
passo muitíssimo longe de ser até mesmo um estudioso da Filosofia, arrisco-me
apenas a ler, pequenas e introdutórias obras sobre ela. Por isso, aqui vai mais
uma postagem da 90 Minutos, série de pequenos livros.
Paul Strathern
(Professor de Filosofia e Matemática na Universidade de Kingston, Londres) não
esconde o fascínio que nutre pelo castelo filosófico construído pelo seu
biografado. Sem deixar de tecer críticas (e com razão) ao imperativo categórico
do Filósofo, relativo ao que Kant pensava acerca da mentira ser sempre um erro
moral.
Segundo o autor, Kant
não foi ateu. Conservou durante toda a sua vida, uma moral, que muito deve a
sua educação pietista protestante. Kant nunca foi à igreja quando adulto.
Parece que sempre foi celibatário, reprimindo seus desejos sexuais, que alguns
Psicólogos acreditam que a morte de sua mãe ainda em sua juventude possam ter
desencadeado sentimentos de aversão ao sexo. Era anti-social, não querendo nem
ter contato com as suas irmãs, mas nunca deixando de ajudá-las financeiramente.
O Filósofo era baixinho, cerca de 1 metro e meio, e tinha um cabeção, que
destoava de seu franzino corpo.
A originalidade
filosófica de Kant veio bem tarde em sua jornada acadêmica, somente por volta
dos 51 anos de idade. Ensinou os mais variados assuntos, como Astronomia, em
que dizia que os planetas seriam um dia habitados, e que nos planetas mais
distantes do sol, estariam as vidas mais evoluídas intelectualmente.
As conclusões
empiristas do Filósofo David Hume o deixou assustado. Aquela historinha do
empirismo de que TODO o nosso conhecimento e percepções vem SOMENTE pela
experiência. Lei da Causalidade? Hume diz que não podemos prová-la. O máximo
que podemos dizer é que um evento sucede o outro, sem, contudo, provar que um é
o efeito acontecimento que o precedeu. A nossa percepção é só
percepção mesmo, nunca experimentamos a causalidade, se é que ela existe. A
causalidade é apenas um exemplo, dentre vários outros que não podemos vivenciar
diretamente.
“O empirismo de Hume
parecia incontestável, e de forma relutante ele chegou a se deixar convencer
pelo seu ceticismo. Objetos, causa e efeito, continuidade, até mesmo o eu,
todas essas noções pareciam falaciosas, permanecendo além do campo da nossa
experiência, única fonte segura do nosso conhecimento. Kant aceitava isso
porque lhe parecia intelectualmente irrefutável, mas não estava satisfeito com
a esterilidade dessa situação. Parecia não haver mais espaço para o
prosseguimento da filosofia. Seria de fato o fim?” P. 10.
Por volta dos seus 57 anos, Kant lança
sua obra prima, Crítica da Razão Pura, uma síntese de racionalismo
e empirismo, numa tentativa de superar o empirismo rígido e desconcertante de
Hume, que o havia acordado de seu “sono dogmático”. São mais de 800
páginas, numa linguagem rebuscada e prolixa. Para um amigo de Kant, lê-la
era “cortejar a insanidade”. De acordo com Kant, a experiência deve
corresponder ao conhecimento, ao contrário do que dizia Hume e os empiristas.
Nossa subjetividade determina o espaço e o tempo. Percebemos apenas os
fenômenos do mundo, e não a realidade em si. Está apenas faculta o surgimento
dos fenômenos.
“[...] o argumento de
Kant de que não podemos jamais conhecer o mundo real tem peso considerável.
Todas as coisas que percebemos são apenas fenômenos. A coisa em si (o númeno)
que sustenta ou propicia o aparecimento desses fenômenos permanece para sempre
incognoscível. E não há razão por que ela deveria assemelhar-se de
qualquer maneira a nossas percepções. Os fenômenos são percebidos por meio
de nossas categorias, que não têm absolutamente nada a ver com a
coisa em si, que permanece além da qualidade, quantidade, relação e similares.” P. 12.
Strathern parece endossar o mundo dos
fenômenos de Kant (agnosticismo filosófico). Mas cabe aqui uma pergunta: A
conclusão de que não podemos conhecer o mundo real, ou pelo menos parte dele,
já não trás em si, um certo conhecimento (por mínimo que seja) desse mundo? Não
se pressupõe aí, um conhecimento sobre a realidade? Não estaria no pensamento
kantiano o germe do relativismo pós-moderno, apesar deste abominar as
dimensões apriorísticas do conhecimento, algo tão caro ao
pensamento de Kant? Espero não estar fazendo indagações bestas.
Kant escreveu também a Crítica
da Razão Prática, onde procurou as bases metafísicas da moralidade. A lei
fundamental na qual todos nós devemos guiar nossas ações. Kant não estava
preocupado com o conteúdo das ações morais, mas com o seu fundamento. O
resultado de sua Filosofia Moral é o Imperativo Categórico que diz: “Aja
somente de acordo com um princípio que desejaria que fosse ao mesmo tempo uma
lei universal.” O sistema moral de Kant, pelo que pude perceber noutro
lugar, é muito bem construído, entretanto, quando Kant o aplica no dia a dia,
suas conseqüências são nefastas (e Kant não vê isso como um problema). Talvez o
caso mais emblemático seja a mentira. Para o Filósofo não devemos mentir em
hipótese nenhuma. Mentiu, mesmo que seja para salvar uma mãe, amigo, etc., está
sob o peso do erro moral.
“O sistema ético de
Kant também levou-o a acreditar que não deveríamos jamais mentir, apesar das
consequências que pudessem advir desse fato. Estava bastante consciente das
implicações desse ponto de vista, mas, apesar disso, manteve-o. ‘Dizer uma
mentira a um assassino à procura de um amigo seu, refugiado na sua casa, seria
um crime.’ Devemos acreditar que Kant teria sido capaz de entregar um amigo
judeu aos nazistas? Não: tudo que sabemos a seu respeito me deixa convencido de
que ele teria seguido nessas circunstâncias os preceitos do dever. Sua mente
tão vivaz descobriria rapidamente alguma norma que o proibisse de entregar o
amigo. No entanto, essa questão de nunca mentir expõe uma falha evidente no
sistema de Kant. A fim de não cometer nenhum erro, ele considerou o tema com
excessiva seriedade. Chegou a gastar tempo se torturando sobre a licitude de se
concluir uma carta com a saudação costumeira da época ‘Seu humilde servo’.
Seria mentira? Kant insistiu que não era escravo de ninguém e que não tinha
qualquer intenção de prestar obediência a seus correspondentes, mas finalmente
parece ter cedido em relação a esse ponto.” P. 13-14.
Muitas coisas curiosas sobre a vida de
Kant são reveladas por Strathern. Há um posfácio que analisa novamente a
metafísica kantiana, com as suas categorias a priori e seu
Imperativo Categórico. No final do livro, ele ainda traz algumas citações
compreensíveis da Crítica da Razão Pura.