SIDER, Ronald J. O Escândalo do Comportamento Evangélico. Viçosa, MG: Ultimato, 2006.
Os evangélicos
são conhecidos em apontar o “erro” da sociedade que não se identifica com os
padrões de comportamento ensinado por eles. Sempre com o dedo em riste condenam
o quanto a população precisa de Deus, alias, do seu deus. As pessoas estão em
pecado, em rebeldia, em desobediência, em rebelião contra a divindade – e caso
não venham o mais rápido para suas igrejas e comecem a comungar de seus
valores, irão sofrer a ira divina. Colocam-se como os guardiões da Moralidade e
da Ética. São os exemplos dos bons costumes e de como a sociedade deve se
comportar. Mas a realidade é ironicamente bem diferente.
Não
precisaríamos nem de um livro, nem de pesquisas ou artigos acadêmicos, para
constatar algo tão abertamente patente aos nossos olhos. Não obstante, felizmente, muitos
olhares de dentro do mundo protestante têm denunciado a hipocrisia reinante
nesse ambiente. Ronald J. Sider (Ph.D em História na Universidade de Yale), que já lecionou nas
Universidades de Yale, Harvard, Princeton e Oxford, traz nesse livro dados
assustadores e realistas sobre a situação daqueles que se dizem “nascidos de
novo”. É tão crítico o estado dos evangélicos, que George Barna (Sociólogo e Pesquisador
evangélico) admite:
“O cristianismo norte-americano fracassou grandemente desde
meados do século 20.” P. 15.
Apenas digo
que o Barna ameniza a questão. O cristianismo nos EUA sempre fracassou, visto
que nos séculos anteriores, a escravidão fez parte da dinâmica social e
econômica desse país. Como um povo que diz seguir a lei do amor ao próximo,
como ensinou Jesus, poderia aprovar um sistema tão desumano quanto este? E pior: quando a escravidão acabou, o racismo apenas aumentou. E com a
diferença grotesca de que a discriminação foi e ainda é maior nos estados com a
maior concentração de “nascidos de novo”.
Os evangélicos
são conhecidos por terem um discurso de valorização do casamento, rejeitando,
portanto, o divórcio. Mas inúmeras pesquisas mostram que na prática o discurso
não passa meramente de um palavreado vazio.
“Em agosto de 2001, uma nova pesquisa demonstrou que a taxa
de divórcio era a mesma para os cristãos nascidos de novo e a população em
geral.” P. 18.
Brad Wilcox
(Ph.D em Sociologia na Universidade de Princeton), estudioso de temas ligados a
família diz:
“Comparados ao resto da população, os protestantes conservadores
têm mais propensão a se divorciar.” P. 19.
Com relação às
contribuições na área social, Sider destaca que os cristãos protestantes têm contribuído
muito pouco para erradicação da miséria.
“Observemos a agenda pública de movimentos políticos e
coalizões evangélicas de destaque. Quase nunca a justiça em favor do pobre
aparece como uma área de preocupação ou esforço significativo.”
P. 21.
“Como evangélicos afirmamos ter a Bíblia como nossa
autoridade final. Um dos temas mais recorrentes nas Escrituras é que Deus e seu
povo têm uma preocupação especial para com o pobre. Então por que essa
contradição gritante entre crença e prática?” P. 22.
Voltando a
questão familiar, outro ponto muito enfatizado e “valorizado” pelos
protestantes, é o casamento ser oficial; no papel; reconhecido no mínimo pelo
Estado. Se não casou na igreja, que pelo menos só passe a viver como um casal
depois de terem oficializado a união perante as autoridades competentes. Pois
bem, nessa altura, já não sendo mais novidade, a realidade é bem outra.
“Uma reportagem no The New York Times relatou que, de acordo
com dados do censo, em 1990 o número de casais não casados vivendo juntos
aumentou muito mais no Cinturão da Bíblia (onde grande parte da população é
evangélica) que nos Estados Unidos como um todo. No país o aumento foi de 72%.
Mas em Oklahoma, ele foi de 97%; no Arkansas, de 125%; e no Tennesse, de 123%.”
P. 23.
Entre os
jovens a taxa de sexo antes do casamento é bem alta. Não existe diferença
significativa entre a juventude evangélica e a mundana. Meninos e meninas da
igreja estão fazendo muito sexo.
“A juventude evangélica tem uma probabilidade apenas de 10%
menor de fazer sexo antes do casamento que os não-evangélicos.”
P. 23.
No tocante ao
racismo, para os que pensam que a comunidade dos “seguidores” de Jesus não
despreza as pessoas pretinhas, estão bem enganados. O racismo entranhado nos
Estados Unidos não faz distinção entre os que estão na igreja protestante e os
que não a frequentam. O crime da discriminação pela simples quantidade de
melanina persiste com muita intensidade, com o agravante, de que os evangélicos
são os mais racistas!
“Em 1989 George Gallup Jr. e James Castelli publicaram os
resultados de uma pesquisa para determinar quais grupos nos Estados Unidos eram
mais propensos a rejeitar vizinhos negros – um bom indicador de racismo. Católicos
e cristãos não evangélicos foram classificados entre os menos propensos; 11%
fizeram objeção ao contato entre negros e brancos. Os protestantes históricos
chegaram próximo dos 16%. Com 17% batistas e evangélicos ficaram entre aqueles
mais propensos a repudiar a possibilidade de ter vizinhos negros, e 20% dos
batistas do sul rejeitaram a ideia de ter vizinhos negros.” P.
25.
E não para por
aí, há algumas décadas, até os líderes da igreja...
“Durante o movimento de direitos civis, quando os protestantes
históricos e os judeus se uniram aos afro-americanos em sua luta histórica por
liberdade e igualdade, líderes evangélicos foram quase totalmente omissos.
Alguns se opuseram ao movimento; outros não se pronunciaram. Quando Frank
Gaebelein, então co-editor de Christianity Today, não apenas cobriu a marcha de
Martin Luther King sobre Selma, como também endossou o movimento e a ele se
juntou, experimentou oposição e hostilidade da parte de outros líderes
evangélicos.” P. 25.
Sider mesmo
sendo um evangélico não se esquiva da hipocrisia que reina absoluta no seio da
igreja protestante. E ainda sobre o racismo, ele continua:
“Michael O. Emerson e Christian Smith escreveram um livro
crucial [...] explorando as atitudes racistas presentes no mundo evangélico. Concluíram
que ‘o evangelicalismo branco provavelmente faz mais para perpetuar a sociedade racista do
que para reduzi-lá’. Os protestantes conservadores brancos têm mais que o dobro
de propensão que os outros brancos de apontar falta de motivação entre os
negros (e não a discriminação) como fator responsável pela desigualdade entre
brancos e negros. Os protestantes conservadores são seis vezes mais propensos a
citar a falta de motivação que o acesso desigual à educação.” P. 27.
Diante dessa trágica e demoníaca realidade,
Sider tristemente pergunta:
“[...] como é possível que os evangélicos sejam as pessoas
mais racistas e preconceituosas de nossa sociedade?” P. 47.
Eu também pergunto como é possível, que o
povo que se julga o mais santo da face da terra, pode ter uma práxis tão
destoante daquilo que diz seguir. Os evangélicos que são conhecidos em criticar
os católicos são mais racistas que estes! Como conciliar a discrepância
gritante em afirmar possuir ter o Espírito do Criador, com suas ações e práticas tão vergonhosas? O que fica claro é à distância quilométrica entre
o que dizem e o que fazem de fato. Lógico que não são todos, e o Sider sabe
muito bem disso. Mas os números são altos demais; é uma porcentagem elevada
demais, o que descaracteriza o universo evangélico como o “sal da terra e luz
do mundo”, como eles gostam de se ver.
Apesar de nos apresentar esses dados que diminuem
drasticamente à credibilidade do universo evangélico, Sider não está totalmente
desesperado, ele crê que existe esperança para a comunidade evangélica. Eu não
tenho.
O Escândalo do Comportamento Evangélico é
muito mais do que foi resumido aqui. Mas por ora, basta.
Livro recomendado.
Livro recomendado.