quarta-feira, 14 de junho de 2017

Bem Vindo a Marly-Gomont


“Só a educação importa, especialmente quando se é negro.” – Seyolo Zantoko.

Racismo e discriminação em relação aos negros é algo disseminado por quase todo o planeta. Na França dos anos 1970, não foi diferente. Um Médico africano, nascido no Zaire, por nome Seyolo Zantoko, formado em Medicina na França, depois de rejeitar por honestidade e consciência limpa, a função de ser Médico do Presidente corrupto de seu país, resolve exercer seus conhecimentos medicinais, na pequena e pacata cidade rural francesa de Marly-Gomont.

Detalhe: nunca nenhum negro tinha pisado nessa cidade. Um lugar provinciano e com moradores cheios de preconceitos.

Doutor Zantoko chega a cidade cheio de vontade de trabalhar e ajudar na saúde de seus habitantes. A cidade estava sem Médico, sendo a clínica mais próxima a 15 quilômetros de distância com o Doutor Vinquier. De cara os moradores não acreditam que quatro negros (Zantoko, sua mulher, uma menina e um menino) estão pondo os pés em sua cidade, e pior: irão morar nela.

Não demora muito para que as crianças sejam alvo de piadas racistas e humilhantes na escola. Zantoko não consegue um paciente sequer para atender. Eles preferem ir na cidade mais próxima, a serem atendidos por um Médico negro africano. Até numa epidemia de gripe na cidade, ninguém foi ao seu consultório. Não acreditam que ele possa exercer a Medicina com competência e seriedade. Negros não estão aptos para um trabalho tão nobre e difícil, pensam eles.  

As contas vão chegando, o dinheiro vai escasseando, e Zantoko não tem ainda nenhum paciente. Quando consegue dois pacientes, estes não lhe pagam, pois dizem que ele não é Médico de verdade, se comparado com o Médico da cidade vizinha.

Ele precisa trabalhar, ganhar dinheiro para sustentar sua família. Sem opções, ele vai trabalhar como agricultor, escondido de sua mulher, que está bastante chateada em ir morar num lugar que não os aceita, visto que também, ela jurava que iria morar em Paris.

Um dos moradores e futuro candidato a prefeito diz a Zantoko:

“Não me entenda mal, mas essa é a França provinciana. As pessoas estão acostumadas com o que elas conhecem.”

Elas não conheciam uma pessoa de “cor”. Não estavam prontas para serem examinadas por uma pessoa vinda da África.

O Médico africano tem a chance de mostrar seu valor quando é chamado às pressas, depois da missa de Natal, a casa de uma mulher que estava no trabalho de parto. Quando ela o vê, se nega, mesmo morrendo de dores, a fazer o parto com ele, xingando-o, com todos os nomes que possamos imaginar. Mas não tinha jeito – ou ela teria o seu bebê pelas mãos dele, ou morreria ali mesmo. O parto acontece, e ela e seu marido ficam muito gratos por ele ter lhes ajudado.

A partir daí sua carreira como Médico da cidade começa a deslanchar. Os moradores guardam seus preconceitos bobos e vão se consultar com ele. Apesar de tudo está finalmente indo bem, Lavigne, candidato a prefeito arma uma cilada contra ele, impedindo Zantoko de trabalhar até que sua situação fosse devidamente averiguada pelo governo francês. Nas eleições o atual prefeito se reelege e Zantoko volta a trabalhar tranquilamente em seu consultório, com a aprovação de toda a pequena cidade de Marly-Gomont.

É uma linda história real. Apesar de abordar o tema espinhoso do racismo, é uma história leve e muito gostosa de se ver. Mais um filme aprovado.  

Cores do paraíso


Regime do Apartheid na África do Sul. Ano 1976! Estudantes se organizam para fazer um grande protesto contra a segregação que sofrem há décadas das autoridades brancas. Muntu Ndebele vive um pouco melhor que seus irmãos negros, pois possui carro, uma futura bolsa de estudos para entrar na Universidade e trabalha como ator de filmes. Mesmo com o seu modesto prestígio, ele ainda vive em sua comunidade e estuda num colégio humilde, destinado a negros. Inconformados com o racismo e discriminação, os estudantes protestam em Soweto e são recebidos com balas pelo exército sul africano. Esse grande marco contra o preconceito ficou conhecido como o Levante de Soweto, ocorrido em 16 de junho de 1976.

Muntu e sua paquera, Sabela, estavam participando do protesto, quando Sabela é atingida por uma bala. A partir daí, tudo começa a desandar, visto que Muntu agride um chefe da polícia, tendo que fugir, e sendo cooptado para o exército da guerrilha do CNA, partido fundado por Nelson Mandela, para extirpar por meio da violência as autoridades opressoras do povo negro sul africano. Ele consegue fugir do acampamento, volta para Soweto em busca de sua amada, mas ela já está casada a contragosto com um chefe tribal, que pagou uma ótima bolada para o pai de Sabela.

Muntu numa reviravolta em sua vida, se envolve no crime, com muitos roubos e associações com a gangue de Bomba, um bandido que também quer derrubar o sistema do Apartheid. Ele luta para conseguir a sua adorável Sabela, sem sucesso. Muntu se envolve com a namorada de Bomba, engravidando-a. A feiticeira que dá conselhos espirituais ao criminoso Bomba, revela que o filho não é dele, e que essa criança precisa ser sacrificada para que ele tenha muito sucesso em seus negócios. A criança não é morta, mas Busy, sua mãe é queimada por traição e delação, na frente de Muntu, que tenta impedir.

Muntu sem rumo na vida, cai no universo das drogas, quando finalmente é visitado por um grande amigo branco da infância, que tenta-o tirar do buraco de onde se encontra. Ele se nega a sair, mas no final do filme, numa cronologia de cerca de trinta anos após o massacre dos estudantes em 1976, em uma homenagem aos estudantes mortos, Muntu já está em fase de recuperação e depois de três décadas consegue ficar junto com o amor de sua vida, Sabela.

A princípio pensei que Cores do Paraíso fosse apenas uma ficção contada dentro contexto cruel e devastador do regime racista na África do Sul. Entretanto é uma história real, que nos passa o quanto o apartheid desestruturou aquele país. Mesmo com Mandela solto e eleito Presidente em 1994, a coisa ainda estava feia por lá. Com grupos rebeldes que não o aceitavam no poder, por ele ter desistido de algumas de suas convicções.

Cores do Paraíso nos ambienta nesse clima de tensão e de ideias opostas entre os vários negros oprimidos pelo governo. Havia vilões e bandidos negros querendo se aproveitar da situação desesperadora em que se encontrava o país naquele momento. Havia pessoas honestas e íntegras, mas que por vários motivos e contingências do destino entraram por um caminho equivocado, como foi o caso de Muntu.

Filme muito bom. Filme realista.