sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

O que é Etnocentrismo


ROCHA, Everaldo P. Guimarães. O que é Etnocentrismo. 5ª edição.São Paulo: Brasiliense, 1994. 

Link do livro:


Etnocentrismo!

Alunos dos cursos de História, Sociologia, Antropologia e demais áreas das Ciências Humanas, com certeza já se depararam com esse termo. Ele é sempre mencionado como algo ruim, tirânico, ditatorial, desaconselhável, inapropriado e, que, portanto, deve ser evitado pelos discentes, em suas práticas e análises acadêmicas e, até mesmo em suas vidas. Ser etnocêntrico, dirão os Professores, não é legal. É mostrar-se incompreensivo; é mostrar-se imaturo; é mostrar-se preconceituoso; é mostrar-se opressor; é mostrar-se infantil; é mostrar-se prepotente; é mostrar-se autoritário; é mostrar-se dono da razão; é não olhar o “outro” em seus próprios termos.

Mas que ideia/imagem/noção/abstração/entendimento/conceito essa palavra carrega para ser tão rechaçada nos departamentos de humanas? Para responder o que é Etnocentrismo, Everardo P. Guimarães Rocha (Ph.D e Mestre em Antropologia Social do Museu Nacional da UFRJ, e Professor do Departamento de Comunicação Social da PUC/RJ) escreveu esse pequeno livro para a famosa e consagrada série Coleção Primeiros Passos, da editora Brasiliense.

O Etnocentrismo carrega em seu seio, o ponto de vista de que o grupo do “eu” tem valores culturais, sociais, espirituais, religiosos e políticos, melhores que o “outro” grupo. O “outro” é visto com desconfiança; o “outro” é inferior; o “outro” precisa civilizar-se. O “nós” alcançou um status moral elevado e, assim, tem o direito e dever de moralizar o “eles”.  O “outro” precisa aprender com o “nosso” grupo, civilização, povo... Eles carecem de bons modos, de educação.

“No mais das vezes, o etnocentrismo implica uma apreensão do ‘outro’ que se reveste de uma forma bastante violenta. Como já vimos, pode colocá-lo como ‘primitivo’, como ‘algo a ser destruído’, como ‘atraso ao desenvolvimento’, (fórmula, aliás, muito comum e de uso geral no etnocídio, na matança dos índios).” P. 7.

Exemplos clássicos do que seria Etnocentrismo, nos são explicados pelos Antropólogos, que vão viver em lugares remotos, entre povos que possuem uma visão de mundo bastante distinta da nossa. Como eles passam a viver no universo dessas culturas, acabam tendo um olhar mais compreensivo e sem os preconceitos costumeiros, que geralmente nós manifestamos, quando ficamos diante de um costume, hábito ou práxis, que não nos agrada, por não termos aprendido em nossa sociedade e cultura, a agir da maneira que um determinado povo, age, vê o mundo, a vida, deus ou deuses, e as relações interpessoais.

“Ao ‘outro’ negamos aquele mínimo de autonomia necessária para falar de si mesmo.” P. 7.

Acabamos sendo injustos ao analisar uma cultura, segundo nossos padrões de certo e errado. Como a moralidade é relativa, volúvel e arbitrária, não há razão, para nos colocarmos como os donos da verdade absoluta sobre o que um povo, com um legado histórico-social diferente, deve ou não fazer. Eles têm a sua própria moralidade, lógica e racionalidade interna. Não precisam que nós lhes ensinemos como proceder, diante dessa ou daquela situação.

Nesse caso, diante das centenas de estudos etnográficos, históricos e sociológicos, podemos e devemos superar o Etnocentrismo.

“Entender alguns movimentos deste jogo é acompanhar a superação do etnocentrismo na arena do intelecto e da razão e na arena da emoção e do sentimento.” P. 10.

“[...] conhecer a diferença, não como ameaça a ser destruída, mas como alternativa a ser preservada, seria uma grande contribuição ao patrimônio de esperanças da humanidade.” P. 30.

Relativizando o que o autor diz

Numa leitura rápida, apressada e sem análise crítica, a defesa que o Rocha faz da relativização como meio de não julgarmos o “outro” e abandonarmos o Etnocentrismo, é muito bonita e coerente, e parece dignificar o ser humano e as diversas culturas e povos. Mas o tiro pode sair pela culatra.

Concordo com autor que devemos dar voz ao “diferente”. É uma virtude tentarmos entender e compreender, e não julgarmos de forma negativa uma cultura, pelo singelo fato dela parecer  estranha aos nossos olhos. Devemos relativizar muitas de nossas práticas, tomando consciência de que elas são apenas o resultado de várias contingências históricas e sociais que foram se sobrepondo ao longo dos anos e séculos. Aquilo que nós pensamos ser algo inscrito na natureza, nada mais é que o fruto de decisões subjetivas, que atenderam a necessidades locais.

Mas o meu problema com o Rocha, é que ele parece defender a ideia pós-moderna de um relativismo cultural exagerado. O que é facilmente desmascarado como autocontraditório. Ele aceita que relativizemos o que ele diz sobre isso? Ele não estaria sendo Etnocêntrico ao rechaçar o pensamento das pessoas que julgam negativamente a cultura e sociedade de um determinado país, por não estarem em harmonia com os seus valores? Por que a ideia de não julgar nada e nem ninguém deve ter precedência sobre a visão de que se deve julgar os “outros” de acordo com o padrão de certo e errado do “eu” ou dos “nossos”? Certamente a ideia de relativismo cultural, tão aclamada por ele, é contingente e condicionada também! Ou ela estaria inscrita na natureza?

Rocha teria coragem de abrir a boca e dizer que os que discordam dele, estão errados?  E por que estariam? Segundo as premissas adotadas por ele, como sair desse labirinto? Labirinto construído por ele mesmo, e que agora ele não sabe o caminho de volta. 

Chega a ser tão incoerente o que ele fala nesse livro em sua maior parte, que fico abismado, pensando em como ele não percebe as contradições inerentes ao seu sistema de pensamento. Num determinado trecho ele diz:

“Nas relações internacionais, interétnicas, nos costumes políticos, na indústria cultural, sua exploração econômica e até mesmo na observação do comportamento do nosso vizinho ou em vários outros espaços de pensamento e de ação social, muito pouco se relativiza.” P. 37.

Segundo os pressupostos aderidos/professados por ele em todo livro, fica a impressão de que nenhum aspecto de um dado povoado ou tribo deve ser julgado como errado, mas apenas “diferente”. Devemos relativizar sempre. Nessa citação acima, ele vai além, devemos relativizar até mesmo, hábitos e práticas de nossos vizinhos. Se for assim, por que ele vê como algo errado, aqueles que julgam uma cultura como inferior? Ele está disposto a relativizar a sua observação do comportamento do seu vizinho, que afirma com veemência, que a Índia, por exemplo, é um país atrasado espiritualmente? De acordo com os critérios que ele adota, ele deve responder afirmativamente, para manter um mínimo de “coerência” com o que prega e acredita. Entretanto, de qualquer forma, se o fizer, o seu discurso acabará se esvaindo.  

Em complemento, basta dá uma olhada em minha postagem sobre o livro O Básico da Filosofia, neste link: