ROCHA, Everaldo P. Guimarães. O que é Etnocentrismo. 5ª edição.São Paulo: Brasiliense, 1994.
Link do livro:
Etnocentrismo!
Alunos dos
cursos de História, Sociologia, Antropologia e demais áreas das Ciências
Humanas, com certeza já se depararam com esse termo. Ele é sempre mencionado
como algo ruim, tirânico, ditatorial, desaconselhável, inapropriado e, que,
portanto, deve ser evitado pelos discentes, em suas práticas e análises acadêmicas
e, até mesmo em suas vidas. Ser etnocêntrico, dirão os Professores, não é
legal. É mostrar-se incompreensivo; é mostrar-se imaturo; é mostrar-se
preconceituoso; é mostrar-se opressor; é mostrar-se infantil; é mostrar-se prepotente; é mostrar-se autoritário; é mostrar-se dono da razão; é não olhar o
“outro” em seus próprios termos.
Mas que ideia/imagem/noção/abstração/entendimento/conceito
essa palavra carrega para ser tão rechaçada nos departamentos de humanas?
Para responder o que é Etnocentrismo, Everardo P. Guimarães Rocha (Ph.D e
Mestre em Antropologia Social do Museu Nacional da UFRJ, e Professor do
Departamento de Comunicação Social da PUC/RJ) escreveu esse pequeno livro para
a famosa e consagrada série Coleção Primeiros Passos, da editora Brasiliense.
O
Etnocentrismo carrega em seu seio, o ponto de vista de que o grupo do “eu” tem
valores culturais, sociais, espirituais, religiosos e políticos, melhores que o
“outro” grupo. O “outro” é visto com desconfiança; o “outro” é inferior; o
“outro” precisa civilizar-se. O “nós” alcançou um status moral elevado e,
assim, tem o direito e dever de moralizar o “eles”. O “outro” precisa aprender com o “nosso”
grupo, civilização, povo... Eles carecem de bons modos, de educação.
“No mais das vezes,
o etnocentrismo implica uma apreensão do ‘outro’ que se reveste de uma forma
bastante violenta. Como já vimos, pode colocá-lo como ‘primitivo’, como ‘algo a
ser destruído’, como ‘atraso ao desenvolvimento’, (fórmula, aliás, muito comum
e de uso geral no etnocídio, na matança dos índios).” P. 7.
Exemplos
clássicos do que seria Etnocentrismo, nos são explicados pelos Antropólogos,
que vão viver em lugares remotos, entre povos que possuem uma visão de mundo
bastante distinta da nossa. Como eles passam a viver no universo dessas
culturas, acabam tendo um olhar mais compreensivo e sem os preconceitos
costumeiros, que geralmente nós manifestamos, quando ficamos diante de um
costume, hábito ou práxis, que não nos agrada, por não termos aprendido em
nossa sociedade e cultura, a agir da maneira que um determinado povo, age, vê o
mundo, a vida, deus ou deuses, e as relações interpessoais.
“Ao ‘outro’ negamos
aquele mínimo de autonomia necessária para falar de si mesmo.” P. 7.
Acabamos sendo
injustos ao analisar uma cultura, segundo nossos padrões de certo e errado. Como
a moralidade é relativa, volúvel e arbitrária, não há razão, para nos
colocarmos como os donos da verdade absoluta sobre o que um povo, com um legado
histórico-social diferente, deve ou não fazer. Eles têm a sua própria moralidade,
lógica e racionalidade interna. Não precisam que nós lhes ensinemos como
proceder, diante dessa ou daquela situação.
Nesse caso,
diante das centenas de estudos etnográficos, históricos e sociológicos, podemos
e devemos superar o Etnocentrismo.
“Entender alguns
movimentos deste jogo é acompanhar a superação do etnocentrismo na arena do
intelecto e da razão e na arena da emoção e do sentimento.” P. 10.
“[...] conhecer a
diferença, não como ameaça a ser destruída, mas como alternativa a ser
preservada, seria uma grande contribuição ao patrimônio de esperanças da
humanidade.” P. 30.
Relativizando o que o autor diz
Numa leitura
rápida, apressada e sem análise crítica, a defesa que o Rocha faz da
relativização como meio de não julgarmos o “outro” e abandonarmos o Etnocentrismo,
é muito bonita e coerente, e parece dignificar o ser humano e as diversas culturas
e povos. Mas o tiro pode sair pela culatra.
Concordo com
autor que devemos dar voz ao “diferente”. É uma virtude tentarmos entender e
compreender, e não julgarmos de forma negativa uma cultura, pelo singelo fato
dela parecer estranha aos nossos olhos. Devemos
relativizar muitas de nossas práticas, tomando consciência de que elas são
apenas o resultado de várias contingências históricas e sociais que foram se
sobrepondo ao longo dos anos e séculos. Aquilo que nós pensamos ser algo inscrito
na natureza, nada mais é que o fruto de decisões subjetivas, que atenderam a
necessidades locais.
Mas o meu
problema com o Rocha, é que ele parece defender a ideia pós-moderna de um
relativismo cultural exagerado. O que é facilmente desmascarado como autocontraditório.
Ele aceita que relativizemos o que ele diz sobre isso? Ele não estaria sendo Etnocêntrico
ao rechaçar o pensamento das pessoas que julgam negativamente a cultura e
sociedade de um determinado país, por não estarem em harmonia com os seus
valores? Por que a ideia de não julgar nada e nem ninguém deve ter precedência sobre a visão de que se deve julgar os “outros” de acordo com o padrão de certo
e errado do “eu” ou dos “nossos”? Certamente
a ideia de relativismo cultural, tão aclamada por ele, é contingente e
condicionada também! Ou ela estaria inscrita na natureza?
Rocha teria
coragem de abrir a boca e dizer que os que discordam dele, estão errados? E por que estariam? Segundo as premissas
adotadas por ele, como sair desse labirinto? Labirinto construído por ele mesmo,
e que agora ele não sabe o caminho de volta.
Chega a ser
tão incoerente o que ele fala nesse livro em sua maior parte, que fico
abismado, pensando em como ele não percebe as contradições inerentes ao seu
sistema de pensamento. Num determinado trecho ele diz:
“Nas relações
internacionais, interétnicas, nos costumes políticos, na indústria cultural,
sua exploração econômica e até mesmo na observação do comportamento do nosso
vizinho ou em vários outros espaços de pensamento e de ação social, muito pouco
se relativiza.” P. 37.
Segundo os
pressupostos aderidos/professados por ele em todo livro, fica a impressão de que
nenhum aspecto de um dado povoado ou tribo deve ser julgado como errado, mas
apenas “diferente”. Devemos relativizar sempre. Nessa citação acima, ele vai
além, devemos relativizar até mesmo, hábitos e práticas de nossos vizinhos. Se
for assim, por que ele vê como algo errado, aqueles que julgam uma cultura como
inferior? Ele está disposto a relativizar a sua observação do comportamento do seu vizinho, que afirma com veemência, que a Índia,
por exemplo, é um país atrasado espiritualmente? De acordo com os critérios que ele adota, ele deve responder afirmativamente, para manter um mínimo de “coerência” com o que prega e acredita. Entretanto, de qualquer forma, se o fizer, o seu discurso acabará se esvaindo.
Em complemento, basta dá uma olhada em minha postagem sobre o livro O Básico da Filosofia, neste link:
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