domingo, 15 de agosto de 2021

Em Nome de Alá

Aproveitando este triste dia para os afegãos, diante da queda da capital Cabul mais uma vez nas mãos do Talibã, recomendo este documentário feito pelo SBT, que foi produzido quando o Talibã tomou o Afeganistão pela primeira vez, em 1996. Marília Gabriela, seguindo o roteiro dado, já solta a pérola de que o Talibã tem “interpretações distorcidas do Alcorão”.

Roberto Cabrini é mandado para o inferno, entrando pelo Paquistão, indo no caminho contrário aos milhares de afegãos que estão fugindo do país, rumo a nação vizinha, que não é lá esse paraíso, mas como um afegão diz: “Qualquer coisa é melhor do que aqui”. 

“O ciclo da destruição é implacável nas cidades e vilas afegãs. As bombas acabam com o saneamento básico, que acelera a proliferação de doenças que leva a constantes epidemias que matam em massa.”

É país um entregue as moscas. Atrasado, arrasado e destruído; hospitais precários lotados, mortalidade infantil nas alturas. Um lugar que parou há quatrocentos anos no tempo, sem energia, água e alimentos; as pessoas vivendo numa mendicância e miserabilidade sem paralelo nas ruas. “Aqui a luta pela sobrevivência transforma humanos em animais.” 

Cabrini filma uma lojinha que vende não apenas armas, mas drogas abertamente. O Afeganistão era e ainda é o maior produtor de papoula, aquela plantinha marota para a produção de drogas. Os soldados da milícia não têm problemas em usá-las. 

Claro que a conta não fecha, se atentarmos apenas para os problemas internos dessa nação. Forças externas (URSS e EUA) têm parcela significativa de responsabilidade sobre a brutal situação desse país. Apesar da guerra ser uma constante em sua história, era mais tranquilo viver nele, antes da invasão da URSS. No entanto, o célebre historiador Bernard Lewis explica direitinho em seu livro “O que deu errado no Oriente Médio”, sobre o porquê dessa região (o Oriente) ser sempre instável e propensa ao caos.

Quando da invasão da URSS e intervenção do EUA para expulsá-la, nas décadas de 1970-80, surgiram inúmeros grupos e milícias rivais que não se entendiam em como proceder nos rumos do país. O Talibã sobressaiu-se, e começou a sua ascensão ao poder, destruindo seus opositores! Em contexto de guerra e sofrimento, é quase que matemático: o extremismo religioso surge de forma avassaladora, sobretudo, numa religião que cresceu por meio da espada. 

Cabrini diz que a comunidade muçulmana mundial rejeita os procedimentos do Talibã. Isso é verdade. Mas disso não se segue que tudo o que eles fizeram está em desarmonia com o islã. Se eles não seguem tudo e exageram aqui e ali em alguns ensinos alcorânicos e da sunnah, a comunidade muçulmana mundial, que os rejeita, também tem as suas negligências interpretativas. De todo modo, a aplicação da sharia é incompatível com os direitos humanos, não importando se ela é aplicada pelo talibã ou pela suposta liderança muçulmana moderada. Vide a situação das mulheres e minorias religiosas nos outros países muçulmanos. 

As mulheres, coitadas, são as que mais sofrem restrições atrozes, sendo proibidas de mostrarem os rostos, proibidas de estudar, trabalhar, apanhando nas ruas, apanhando dos maridos, e não tendo ninguém, nenhuma corte de apelação no país, que lhes faça justiça. Cabrini, um leigo em islã, diz o chavão de que no islã as mulheres e homens são iguais. 

Mesmo com algumas discordâncias, o SBT está de parabéns pela excelente reportagem. Bom, parabéns de verdade, está o Cabrini e seus colegas imediatos de trabalho, pela coragem de se embrenharem neste país mergulhado no inferno e fanatismo, para mostrar uma realidade brutal, cruel e demoníaca. O que eles fizeram não é pra qualquer um.