domingo, 8 de abril de 2018

A Conquista do Brasil 1500-1600



GUARACY, Thales. A Conquista do Brasil 1500-1600. 1. ed. - São Paulo: Planeta, 2015. (PDF).

Um livro que se propõe a contar os primeiros 100 anos de nossa história, mas que só vai até os anos da década de 1570. Guaracy investe muitas páginas nas batalhas travadas pela Baía da Guanabara, no Rio de Janeiro, onde houveram massacres sangrentos pela posse da terra. A partir da conquista definitiva, o Brasil passa a ser o foco principal de Portugal em suas investidas comerciais e econômicas, esquecendo-se das Índias e da África, que já não estavam sendo muito lucrativas.

Quanto aos jesuítas, não foram santos. Manoel da Nóbrega e José de Anchieta, por diversas vezes foram cruéis e impiedosos, diante da frustração de não conseguirem convencer os silvícolas a se converterem a sua fé e a cederem aos caprichos dos portugueses. Os jesuítas foram de importância máxima na alienação de indígenas e nas posses das terras brasileiras por Portugal.

Guaracy também gasta muito tempo, trazendo detalhes da antropofagia indígena, que aterrorizava (e não sem razão) os colonizadores, que nunca tinham presenciado até então, pessoas comendo pessoas.

Um ponto importante de sua obra é a figura de João ramalho, um português degredado, que passou a viver como uma espécie de cacique indígena, super bem adaptado ao modo de vida nativo. Ele e seus filhos mestiços deram muitas dores de cabeça aos jesuítas, soldados e aos governadores-gerais, mas também foi uma pessoa relevante na negociação entre os portugueses e indígenas. Eu desconhecia esse personagem tão marcante na história das primeiras décadas de nosso país.

Livro bom.

Os portugueses chegaram e arrasaram as tribos aqui existentes. E não adianta querermos amenizar esse genocídio, dizendo que os índios se matavam entre si, em suas guerras tribais. Genocídios não podem ser justificados por outros genocídios.

“Nessa época [1500], de acordo com os números mais aceitos por historiadores e antropólogos, estima-se que havia no território correspondente ao Brasil atual cerca de 3 milhões de índios, população duas vezes maior que a de Portugal, então com 1,5 milhão de habitantes. Ao longo da costa, estima-se que havia 1 milhão de tupis. O que a história registra a partir daí é apenas a versão do colonizador sobre a terra ‘descoberta’. Mesmo assim, os documentos oficiais de autoridades administrativas, cartas dos jesuítas e registros de viajantes envernizados de civilização europeia revelam sem culpas, como um direito quase natural, a violência bárbara da ocupação portuguesa, marcada pela escravização e, depois, pelo extermínio da civilização nativa, além do confronto mortal com outros europeus que ousaram disputar a riqueza brasileira.” P. 11-12.

Os indígenas eram na visão dos portugueses e dos jesuítas, pessoas inferiores, mesmo que fossem passíveis da “salvação” católica.

“O termo ‘índio’ não aparece entre os primeiros cronistas. Nas cartas dos jesuítas, viajantes e governantes portugueses do século XVI, eles se referem aos nativos brasileiros como ‘gentios’, os pagãos, em contraposição aos cristãos, ou mesmo ‘negros’, como os chama o padre Manoel da Nóbrega – termo que na época não designa necessariamente a cor, mas a gente da terra, com certa conotação de inferioridade, que o jesuíta empregava também para os mouros”. P. 12.

Engraçado que um perpetrador de assassinatos, em 2014, foi consagrado santo católico. É a igreja do Vaticano com as suas incoerências. Falo de José de Anchieta, que não foi nenhum santo, mas um agente de destruição de índios, juntamente com Manoel da Nóbrega.

“Santificados como missionários [os jesuítas Manoel da Nóbrega e José de Anchieta] que arriscavam a vida para converter índios ‘selvagens’ ao catolicismo, na realidade eram homens devotados à Inquisição portuguesa, com vocação política e moral por vezes duvidosa, se considerada pelos critérios do mundo contemporâneo. Também por vezes cruéis e impiedosos, não destoavam muito dos comerciantes ávidos e aventureiros com quem eventualmente precisavam se associar para implantar seu projeto de dominação religiosa e política no Brasil”. P. 14.

Os homens indígenas para cortejar o sexo oposto é que se enfeitavam:

"Ao contrário da sociedade europeia, onde tradicionalmente cabia à mulher enfeitar-se para atrair o homem, os índios eram como os pavões, nos quais somente o macho possui a cauda vistosa, para impressionar as fêmeas e assustar o inimigo". P. 23-24.

A antropofagia indígena era algo de embrulhar o estômago de qualquer europeu:

“[O prisioneiro de guerra] acabava sempre executado com um golpe na base da cabeça que lhe espatifava o crânio. De acordo com Staden [mercenário alemão do século XVI], em seguida à execução os índios esfolavam o corpo e tapavam o ânus do cadáver com um pedaço de madeira para não perder as vísceras. O corpo era esquartejado e assado no moquém. As mulheres e crianças (os ‘curumins’) ficavam com as vísceras, a língua e os miolos, recolhidos do chão em uma cabaça por uma das mulheres. Desses miúdos se fazia uma pasta rala chamada ‘mingau’, nome até hoje utilizado no Brasil para a papa das crianças. O sangue da vítima era recolhido pelos índios para banhar seus filhos homens, de modo a torná-los mais corajosos.

Os índios aguardavam que a carne esfriasse para comê-la, acompanhada de goles de cauim e baforadas de tabaco. As sobras eram assadas novamente e esfriadas quando quisessem consumi-las outra vez. Staden viu a carne de um português que conhecia, chamado Jerônimo, ficar pendurada três semanas na maloca onde dormia, sobre um fumeiro, ‘até que ficou seca como um pau’.” P. 25-26.

Comendo o prisioneiro de guerra, pensava-se que as suas virtudes eram ingeridas:

“Devorando o inimigo valoroso, os tupinambás acreditavam que se alimentavam também da sua bravura. Pela mesma razão, não comiam a carne daqueles que consideravam covardes, assim como de bichos de que não gostavam, como a preguiça, por acreditarem que ficariam mais lentos em combate. Desdenhavam dos portugueses por sua covardia. Na aldeia de Ubatuba, quando procurava salvar-se, dizendo que não era português, Hans Staden ouviu de seus algozes, conforme conta: ‘É um português legítimo, agora grita, apavora-se diante da morte’.” P. 27.

Os portugueses não eram altruístas e não estavam ali para ter piedade das comunidades nativas, no entanto, apesar de toda uma lógica interna dentro da visão indígena, para que crianças nascidas com deformidades sejam enterradas vivas, não podemos deixar de ver tal prática como um aspecto maléfico dessa visão. Algumas tribos ainda praticam hoje, o enterro de bebês vivos. Guaracy relata um caso presenciado pelo José de Anchieta:

“Num ambiente onde o indivíduo precisava sobreviver, e não podia se tornar um fardo para a coletividade, as crianças [indígenas] nascidas com deformidades, ou consideradas incapazes, eram eliminadas em seu nascimento, como acontece com os animais que matam as próprias crias que não se sustentarão sozinhas e, dessa forma, se tornarão um problema para o bando. Na carta ao padre-geral de São Vicente, em 31 de maio de 1560, José de Anchieta narra ter presenciado a execução de uma criança que nascera com um nariz que descia até o queixo, como uma tromba, e tinha a boca abaixo dele. Como se fazia nesses casos, o bebê foi enterrado vivo.” P. 28.

No contato com os europeus, muitas tribos foram dizimadas por doenças, as quais não tinham defesa natural.

“Livrar um índio de alguma doença era um bom começo para a catequese, melhor que o antigo discurso jesuíta, que ameaçava as tribos com desgraças e o fogo do inferno. Mesmo assim, Anchieta registra muitas mortes por doença, em função do próprio contato com o branco, causa que ele escamoteava para não perder também os acólitos que lhe sobravam vivos. Segundo ele, os carijós foram uma das tribos dizimadas por doenças originárias do convívio com os portugueses: ‘acometeu-os uma enfermidade repentina e morreram quase todos’.

Os jesuítas procuravam mudar os costumes indígenas, mas durante bastante tempo tiveram de tolerar os rituais que consideravam mais bárbaros. Em sua carta, Anchieta conta como, depois de uma luta contra os tupiniquins, dois guerreiros guaianazes mortos em batalha foram enterrados conforme o costume cristão. Os inimigos, porém, encontraram as covas, desenterraram os corpos e levaram os cadáveres para comê-los.” P. 60.

A igreja não via nenhum erro moral na escravização dos negros:

“Os jesuítas não se opunham à importação de escravos negros africanos, como acontecia nas posses portuguesas da Madeira e dos Açores e em Pernambuco e na Bahia. Não lhes interessava, ao final, se havia ou não escravidão, desde que todos estivessem ao alcance da influência catequética”. P. 101.

Ah, o amor cristão...