GUARACY, Thales. A Conquista do Brasil 1500-1600. 1. ed. - São Paulo:
Planeta, 2015. (PDF).
Um livro que se propõe a contar os primeiros 100 anos de nossa
história, mas que só vai até os anos da década de 1570. Guaracy investe muitas
páginas nas batalhas travadas pela Baía da Guanabara, no Rio de Janeiro, onde
houveram massacres sangrentos pela posse da terra. A partir da conquista
definitiva, o Brasil passa a ser o foco principal de Portugal em suas
investidas comerciais e econômicas, esquecendo-se das Índias e da África, que
já não estavam sendo muito lucrativas.
Quanto aos jesuítas, não foram santos. Manoel da Nóbrega e José de
Anchieta, por diversas vezes foram cruéis e impiedosos, diante da frustração de
não conseguirem convencer os silvícolas a se converterem a sua fé e a cederem
aos caprichos dos portugueses. Os jesuítas foram de importância máxima na
alienação de indígenas e nas posses das terras brasileiras por Portugal.
Guaracy também gasta muito tempo, trazendo detalhes da antropofagia
indígena, que aterrorizava (e não sem razão) os colonizadores, que nunca tinham
presenciado até então, pessoas comendo pessoas.
Um ponto importante de sua obra é a figura de João ramalho, um
português degredado, que passou a viver como uma espécie de cacique indígena,
super bem adaptado ao modo de vida nativo. Ele e seus filhos mestiços deram
muitas dores de cabeça aos jesuítas, soldados e aos governadores-gerais, mas
também foi uma pessoa relevante na negociação entre os portugueses e indígenas.
Eu desconhecia esse personagem tão marcante na história das primeiras décadas
de nosso país.
Livro bom.
Os portugueses chegaram e arrasaram as tribos aqui existentes. E não
adianta querermos amenizar esse genocídio, dizendo que os índios se matavam
entre si, em suas guerras tribais. Genocídios não podem ser justificados por
outros genocídios.
“Nessa
época [1500], de acordo com os números mais aceitos por historiadores e
antropólogos, estima-se que havia no território correspondente ao Brasil atual
cerca de 3 milhões de índios, população duas vezes maior que a de Portugal,
então com 1,5 milhão de habitantes. Ao longo da costa, estima-se que havia 1
milhão de tupis. O que a história registra a partir daí é apenas a versão do
colonizador sobre a terra ‘descoberta’. Mesmo assim, os documentos oficiais de
autoridades administrativas, cartas dos jesuítas e registros de viajantes
envernizados de civilização europeia revelam sem culpas, como um direito quase
natural, a violência bárbara da ocupação portuguesa, marcada pela escravização
e, depois, pelo extermínio da civilização nativa, além do confronto mortal com outros
europeus que ousaram disputar a riqueza brasileira.” P. 11-12.
Os indígenas eram na visão dos portugueses e dos jesuítas, pessoas
inferiores, mesmo que fossem passíveis da “salvação” católica.
“O termo
‘índio’ não aparece entre os primeiros cronistas. Nas cartas dos jesuítas,
viajantes e governantes portugueses do século XVI, eles se referem aos nativos
brasileiros como ‘gentios’, os pagãos, em contraposição aos cristãos, ou mesmo
‘negros’, como os chama o padre Manoel da Nóbrega – termo que na época não
designa necessariamente a cor, mas a gente da terra, com certa conotação de
inferioridade, que o jesuíta empregava também para os mouros”. P.
12.
Engraçado que um perpetrador de assassinatos, em 2014, foi consagrado
santo católico. É a igreja do Vaticano com as suas incoerências. Falo de José
de Anchieta, que não foi nenhum santo, mas um agente de destruição de índios,
juntamente com Manoel da Nóbrega.
“Santificados
como missionários [os jesuítas Manoel da Nóbrega e José de Anchieta] que
arriscavam a vida para converter índios ‘selvagens’ ao catolicismo, na
realidade eram homens devotados à Inquisição portuguesa, com vocação política e
moral por vezes duvidosa, se considerada pelos critérios do mundo
contemporâneo. Também por vezes cruéis e impiedosos, não destoavam muito dos
comerciantes ávidos e aventureiros com quem eventualmente precisavam se
associar para implantar seu projeto de dominação religiosa e política no
Brasil”. P. 14.
Os homens indígenas para cortejar o sexo oposto é que se enfeitavam:
"Ao
contrário da sociedade europeia, onde tradicionalmente cabia à mulher
enfeitar-se para atrair o homem, os índios eram como os pavões, nos quais
somente o macho possui a cauda vistosa, para impressionar as fêmeas e assustar
o inimigo". P. 23-24.
A antropofagia indígena era algo de embrulhar o estômago de qualquer
europeu:
“[O
prisioneiro de guerra] acabava sempre executado com um golpe na base da cabeça
que lhe espatifava o crânio. De acordo com Staden [mercenário alemão do século
XVI], em seguida à execução os índios esfolavam o corpo e tapavam o ânus do
cadáver com um pedaço de madeira para não perder as vísceras. O corpo era
esquartejado e assado no moquém. As mulheres e crianças (os ‘curumins’) ficavam
com as vísceras, a língua e os miolos, recolhidos do chão em uma cabaça por uma
das mulheres. Desses miúdos se fazia uma pasta rala chamada ‘mingau’, nome até
hoje utilizado no Brasil para a papa das crianças. O sangue da vítima era
recolhido pelos índios para banhar seus filhos homens, de modo a torná-los mais
corajosos.
Os índios
aguardavam que a carne esfriasse para comê-la, acompanhada de goles de cauim e
baforadas de tabaco. As sobras eram assadas novamente e esfriadas quando
quisessem consumi-las outra vez. Staden viu a carne de um português que
conhecia, chamado Jerônimo, ficar pendurada três semanas na maloca onde dormia,
sobre um fumeiro, ‘até que ficou seca como um pau’.” P. 25-26.
Comendo o prisioneiro de guerra, pensava-se que as suas virtudes eram
ingeridas:
“Devorando
o inimigo valoroso, os tupinambás acreditavam que se alimentavam também da sua
bravura. Pela mesma razão, não comiam a carne daqueles que consideravam
covardes, assim como de bichos de que não gostavam, como a preguiça, por
acreditarem que ficariam mais lentos em combate. Desdenhavam dos portugueses
por sua covardia. Na aldeia de Ubatuba, quando procurava salvar-se, dizendo que
não era português, Hans Staden ouviu de seus algozes, conforme conta: ‘É um
português legítimo, agora grita, apavora-se diante da morte’.” P. 27.
Os portugueses não eram altruístas e não estavam ali para ter piedade
das comunidades nativas, no entanto, apesar de toda uma lógica interna dentro
da visão indígena, para que crianças nascidas com deformidades sejam enterradas
vivas, não podemos deixar de ver tal prática como um aspecto maléfico dessa
visão. Algumas tribos ainda praticam hoje, o enterro de bebês vivos. Guaracy
relata um caso presenciado pelo José de Anchieta:
“Num
ambiente onde o indivíduo precisava sobreviver, e não podia se tornar um fardo
para a coletividade, as crianças [indígenas] nascidas com deformidades, ou
consideradas incapazes, eram eliminadas em seu nascimento, como acontece com os
animais que matam as próprias crias que não se sustentarão sozinhas e, dessa
forma, se tornarão um problema para o bando. Na carta ao padre-geral de São
Vicente, em 31 de maio de 1560, José de Anchieta narra ter presenciado a
execução de uma criança que nascera com um nariz que descia até o queixo, como
uma tromba, e tinha a boca abaixo dele. Como se fazia nesses casos, o bebê foi
enterrado vivo.” P. 28.
No contato com os europeus, muitas tribos foram dizimadas por doenças,
as quais não tinham defesa natural.
“Livrar
um índio de alguma doença era um bom começo para a catequese, melhor que o
antigo discurso jesuíta, que ameaçava as tribos com desgraças e o fogo do
inferno. Mesmo assim, Anchieta registra muitas mortes por doença, em função do
próprio contato com o branco, causa que ele escamoteava para não perder também
os acólitos que lhe sobravam vivos. Segundo ele, os carijós foram uma das
tribos dizimadas por doenças originárias do convívio com os portugueses:
‘acometeu-os uma enfermidade repentina e morreram quase todos’.
Os
jesuítas procuravam mudar os costumes indígenas, mas durante bastante tempo
tiveram de tolerar os rituais que consideravam mais bárbaros. Em sua carta,
Anchieta conta como, depois de uma luta contra os tupiniquins, dois guerreiros
guaianazes mortos em batalha foram enterrados conforme o costume cristão. Os
inimigos, porém, encontraram as covas, desenterraram os corpos e levaram os
cadáveres para comê-los.” P. 60.
A igreja não via nenhum erro moral na escravização dos negros:
“Os
jesuítas não se opunham à importação de escravos negros africanos, como
acontecia nas posses portuguesas da Madeira e dos Açores e em Pernambuco e na
Bahia. Não lhes interessava, ao final, se havia ou não escravidão, desde que
todos estivessem ao alcance da influência catequética”. P. 101.
Ah, o amor cristão...