sábado, 14 de janeiro de 2017

Ensaios Sobre a História da Igreja


GONZÁLEZ, Justo. Ensaios Sobre a História da Igreja. São Paulo: Hagnos, 2010.

Quarto livro do Justo González (Ph.D e Mestre em Teologia Histórica na Universidade de Yale, EUA) postado por aqui. Mais uma obra dando uma verdadeira aula de como se deve estudar a história do cristianismo. González foge do modo usual de se olhar o passado da igreja cristã. Para começo de conversa, ele é um Historiador protestante com tendências bem ecumênicas. O seu olhar para o catolicismo romano, para exemplificar, é bem mais conciliatório e positivo do que da maioria das igrejas evangélicas na América Latina, que demonizam a igreja romana.

“[...] um dos males que o cristianismo evangélico latino-americano sofre é o da proliferação de facções e seitas, cada uma com a própria verdade, cada uma acusando a outra de não ser verdadeiramente cristã, e todas acusando o catolicismo romano de não ser cristão, ou até de ser o anticristo. As igrejas que têm um pouco mais de abertura para outras igrejas (ou – Deus não o permita! – para o catolicismo romano) são acusadas de serem ‘ecumênicas’, e, portanto, de não serem verdadeiramente ‘cristãs’, ou pelo menos de não serem ‘evangélicas’.” P. 25.

Eu não vejo com bons olhos, nem o catolicismo e nem esse montante de seitas e facções evangélicas lixo. São tudo farinha do mesmo saco.

Deixando os mais fanáticos seguidores de Calvino bufando de raiva, González revela a contingência das formulações calvinistas, que nunca foram e nunca serão sinônimo da ortodoxia que todos os cristãos devem adotar.

“[...] quando começo a entender que as posições desenvolvidas, por exemplo, pelo calvinismo ortodoxo, que desembocaram no Sínodo de Dort, não expressavam apenas considerações bíblicas ou doutrinais, mas também conflitos econômicos e sociais na Holanda do século 17, fica muito difícil tomar tais posições como medida final de ortodoxia nas circunstâncias muito diferentes do século 21.” P. 27 

Sabiamente ele coloca um freio de que também, não se deve aceitar qualquer merda que se fale por aí, propagadas pelas inúmeras seitas protestantes, que Deus sabe lá de que esgoto saíram.

“Entretanto, os estudos históricos também nos ajudam a julgar com mais cuidado essa profusão de doutrinas exóticas, de exoterismos gnósticos, de espiritualismos hedonistas que se multiplicam hoje em dia, e que claramente ficam de fora do âmbito tradicional da fé cristã. Desse modo, tais estudos nos auxiliam não apenas a tomar cuidado com o sectarismo injustificável, mas também a perceber os erros inaceitáveis de muitas das novas seitas que nós vemos surgir a nossa volta”. P. 27.

Os determinantes históricos, por mais que os mais empedernidos insistam, moldam a hermenêutica da Bíblia, nessa linha de pensamento, González expõe:

“Se a história da igreja é a história da interpretação bíblica, o próprio estudo mostrará para o estudante o caráter polissêmico do texto bíblico, interpretado em diferentes circunstâncias por pessoas com experiências e preocupações, determina ainda significados diferentes. O que, por sua vez, o forçará a enfrentar semelhantes questões como a tensão entre a tal polissemia, por um lado, e a autoridade e a alteridade dos textos, por outro.” P. 28.  

Em certos seminários, os alunos saem piores do que quando chegaram, pensando seriamente que somente a confessionalidade daquela instituição consegue abarcar corretamente o significado das escrituras. São centros de estudos mais preocupados em alienar seus discentes, do que em formar pensadores críticos.

Sobre como se deve estudar a história da igreja, González sabiamente escreve:

“A história já não pode ser lecionada como se seu tema fosse o passado. A história de se apresentar como o passado lido a partir do presente e em direção ao futuro. Tai idéia, que teria sido considerada como heresia por alguns de meus mestres de história, é lugar-comum nestes dias em que nos damos conta de que as supostas objetividades da modernidade não eram tão objetivas quanto pensávamos”. P. 28-29.

[...]

“Não basta, por exemplo, debater a simonia do século 15: é necessário também abordar como as circunstâncias econômicas presentes corrompem ou ameaçam corromper a vida eclesiástica de hoje. Não basta discutir como a igreja enfrentou as tendências gnósticas que a ameaçavam nos primeiros séculos: é necessário também discutir de onde e por que aparecem atualmente semelhantes tendências e como devemos reagir a elas.” P. 29.

A cada parágrafo mais lucidez é lançada, para um estudo histórico responsável:

“Mas o certo é que a nossa interpretação do passado reflete sempre nossa circunstância presente e, portanto, queiramos ou não, existe um ciclo presente/passado/presente semelhante ao ciclo ação/reflexão/ação e paralelo a ele. Se com honestidade fizermos ver a nossa estudantes que nossa leitura da história tem muito a ver com o nosso lugar social e com os nossos interesses, explícitos e implícitos; se, igualmente, lhe fizermos perceber que as histórias que outras pessoas escreveram antes também refletiram o presente desses historiadores, estaremos estimulando nossos alunos a refletir sobre o passado e a construído o passado a partir de sua prática e fé, e, da mesma forma, a construir sua prática de fé à luz de seus estudos históricos.” P. 29-30.

O estudo cuidadoso da geografia é bastante salutar aos estudantes de história. Segundo o autor, é escasso o conhecimento dos alunos sobre a geografia dos eventos estudados. O que gera uma deficiência cognitiva entre os lugares e seus personagens. A importância do estudo da Geografia é o primeiro requisito proposto para se estudar a história do cristianismo – González até trata mais especificamente desse tema em outro livro (Mapas Para Futura História da Igreja – Editora: CPAD).

“[...] muitos estudantes de história da igreja tentam aprender as controvérsias cristológicas, com seus conflitos entre as escolas alexandrina e antioquenha, sem ao menos se dar ao trabalho de olhar em um mapa onde ficam Alexandria e Antioquia. Ou estudam sobre os ‘Grandes Capadócios’ sem averiguar do que se trata a Capadócia, e muito menos como ela é. Ou aprendem de memória que Lutero nasceu em Efurt, que foi professor em Wittenberg, que esteve na Dieta de Worms, mas eles não fazem a menor ideia sobre a relação geográfica existente entre esses lugares.” P. 34.

Não me lembro de nenhum Professor meu, no curso de História, falar sobre a importância de se devotar tempo especial aos mapas, para conhecer a relação existente entre os países, cidades, locais, e seus protagonistas. Certamente, essa deficiência não é exclusiva nos alunos de cursos teológicos. 

Nenhum Historiador é especialista em todos os eventos da história

“Certamente, até os mais destacados e famosos historiadores da igreja, aqueles que realizam as investigações históricas mais profundas e originais, são apenas especialistas em alguns pontos ou tópicos; nos demais, eles não passam de ‘generalistas’, e seus conhecimentos são limitados ao que leram nos trabalhos de outros historiadores. Aquele historiador a quem admiramos pelos estudos de Basílio de Cesareia possivelmente derive seu conhecimento acerca de Lutero do que leu nos escritos de outros historiadores. E é bem possível que não conheça mais sobre a missão dos jesuítas na China além daquilo que aprendeu no curso introdutório de história da igreja.” P. 40.

Para se escrever algo novo, precisa-se conhecer o velho

“Com muita frequência encontro pessoas que, sem conhecer o velho, querem fazer algo novo. Um estudante me diz que quer escrever uma nova interpretação de Lutero. Quando lhe pergunto pelas interpretações existentes, ele admite que não as conhece. Como então saberá que o novo é de fato novo?” P. 42.

O bispado feminino já existia nos primeiros séculos da igreja

“Um sínodo reunido em Laodiceia, no ano 352, proibiu que as mulheres servissem como sacerdotes ou dirigissem igrejas, em outras palavras, que se tornassem bispos. O próprio fato de um sínodo ter promulgado semelhante legislação indica que, pelos menos, até aquela data, havia sim mulheres ocupando tais funções.” P. 67-68.

Celibato

“A primeira legislação oficial em prol do celibato eclesiástico se deu em um concílio reunido em Elvira, Espanha, no ano 305, cujo cânon número 33 diz:

‘Decidimos proibir totalmente aos bispos, presbíteros e diáconos e a todos os clérigos que exerçam o ministério sagrado, o uso do matrimônio com suas esposas e a procriação de filhos. Quem o fizer, será excluído da honra do clericato’.” P. 81.