GONZÁLEZ,
Justo. Ensaios Sobre a História da Igreja. São Paulo: Hagnos, 2010.
Quarto livro
do Justo González (Ph.D e Mestre em Teologia Histórica na Universidade de Yale,
EUA) postado por aqui. Mais uma obra dando uma verdadeira aula de como se deve
estudar a história do cristianismo. González foge do modo usual de se olhar o
passado da igreja cristã. Para começo de conversa, ele é um Historiador
protestante com tendências bem ecumênicas. O seu olhar para o catolicismo
romano, para exemplificar, é bem mais conciliatório e positivo do que da
maioria das igrejas evangélicas na América Latina, que demonizam a igreja romana.
“[...] um dos males que o
cristianismo evangélico latino-americano sofre é o da proliferação de facções e
seitas, cada uma com a própria verdade, cada uma acusando a outra de não ser
verdadeiramente cristã, e todas acusando o catolicismo romano de não ser
cristão, ou até de ser o anticristo. As igrejas que têm um pouco mais de
abertura para outras igrejas (ou – Deus não o permita! – para o catolicismo
romano) são acusadas de serem ‘ecumênicas’, e, portanto, de não serem verdadeiramente
‘cristãs’, ou pelo menos de não serem ‘evangélicas’.” P. 25.
Eu não vejo
com bons olhos, nem o catolicismo e nem esse montante de seitas e facções
evangélicas lixo. São tudo farinha do mesmo saco.
Deixando os
mais fanáticos seguidores de Calvino bufando de raiva, González revela a contingência das
formulações calvinistas, que nunca foram e nunca serão sinônimo da ortodoxia que
todos os cristãos devem adotar.
“[...] quando começo a entender que
as posições desenvolvidas, por exemplo, pelo calvinismo ortodoxo, que
desembocaram no Sínodo de Dort, não expressavam apenas considerações bíblicas
ou doutrinais, mas também conflitos econômicos e sociais na Holanda do século
17, fica muito difícil tomar tais posições como medida final de ortodoxia nas
circunstâncias muito diferentes do século 21.” P. 27
Sabiamente
ele coloca um freio de que também, não se deve aceitar qualquer merda que se
fale por aí, propagadas pelas inúmeras seitas protestantes, que Deus sabe lá de
que esgoto saíram.
“Entretanto, os estudos históricos
também nos ajudam a julgar com mais cuidado essa profusão de doutrinas
exóticas, de exoterismos gnósticos, de espiritualismos hedonistas que se
multiplicam hoje em dia, e que claramente ficam de fora do âmbito tradicional
da fé cristã. Desse modo, tais estudos nos auxiliam não apenas a tomar cuidado
com o sectarismo injustificável, mas também a perceber os erros inaceitáveis de
muitas das novas seitas que nós vemos surgir a nossa volta”. P. 27.
Os
determinantes históricos, por mais que os mais empedernidos insistam, moldam a hermenêutica
da Bíblia, nessa linha de pensamento, González expõe:
“Se a história da igreja é a
história da interpretação bíblica, o próprio estudo mostrará para o estudante o
caráter polissêmico do texto bíblico, interpretado em diferentes circunstâncias
por pessoas com experiências e preocupações, determina ainda significados
diferentes. O que, por sua vez, o forçará a enfrentar semelhantes questões como
a tensão entre a tal polissemia, por um lado, e a autoridade e a alteridade dos
textos, por outro.” P. 28.
Em certos
seminários, os alunos saem piores do que quando chegaram, pensando seriamente
que somente a confessionalidade daquela instituição consegue abarcar
corretamente o significado das escrituras. São centros de estudos mais preocupados
em alienar seus discentes, do que em formar pensadores críticos.
Sobre como
se deve estudar a história da igreja, González sabiamente escreve:
“A história já não pode ser
lecionada como se seu tema fosse o passado. A história de se apresentar como o
passado lido a partir do presente e em direção ao futuro. Tai idéia, que teria
sido considerada como heresia por alguns de meus mestres de história, é
lugar-comum nestes dias em que nos damos conta de que as supostas objetividades
da modernidade não eram tão objetivas quanto pensávamos”. P. 28-29.
[...]
“Não basta, por exemplo, debater a
simonia do século 15: é necessário também abordar como as circunstâncias
econômicas presentes corrompem ou ameaçam corromper a vida eclesiástica de
hoje. Não basta discutir como a igreja enfrentou as tendências gnósticas que a
ameaçavam nos primeiros séculos: é necessário também discutir de onde e por que
aparecem atualmente semelhantes tendências e como devemos reagir a elas.” P. 29.
A cada
parágrafo mais lucidez é lançada, para um estudo histórico responsável:
“Mas o certo é que a nossa
interpretação do passado reflete sempre nossa circunstância presente e,
portanto, queiramos ou não, existe um ciclo presente/passado/presente
semelhante ao ciclo ação/reflexão/ação e paralelo a ele. Se com honestidade
fizermos ver a nossa estudantes que nossa leitura da história tem muito a ver
com o nosso lugar social e com os nossos interesses, explícitos e implícitos;
se, igualmente, lhe fizermos perceber que as histórias que outras pessoas
escreveram antes também refletiram o presente desses historiadores, estaremos
estimulando nossos alunos a refletir sobre o passado e a construído o passado a
partir de sua prática e fé, e, da mesma forma, a construir sua prática de fé à
luz de seus estudos históricos.” P. 29-30.
O estudo
cuidadoso da geografia é bastante salutar aos estudantes de história. Segundo o
autor, é escasso o conhecimento dos alunos sobre a geografia dos eventos
estudados. O que gera uma deficiência cognitiva entre os lugares e seus
personagens. A importância do estudo da Geografia é o primeiro requisito
proposto para se estudar a história do cristianismo – González até trata mais especificamente
desse tema em outro livro (Mapas Para Futura História da Igreja – Editora: CPAD).
“[...] muitos estudantes de
história da igreja tentam aprender as controvérsias cristológicas, com seus
conflitos entre as escolas alexandrina e antioquenha, sem ao menos se dar ao
trabalho de olhar em um mapa onde ficam Alexandria e Antioquia. Ou estudam
sobre os ‘Grandes Capadócios’ sem averiguar do que se trata a Capadócia, e
muito menos como ela é. Ou aprendem de memória que Lutero nasceu em Efurt, que
foi professor em Wittenberg, que esteve na Dieta de Worms, mas eles não fazem a
menor ideia sobre a relação geográfica existente entre esses lugares.” P. 34.
Não me lembro
de nenhum Professor meu, no curso de História, falar sobre a importância de se
devotar tempo especial aos mapas, para conhecer a relação existente entre os
países, cidades, locais, e seus protagonistas. Certamente, essa deficiência não
é exclusiva nos alunos de cursos teológicos.
Nenhum
Historiador é especialista em todos os eventos da história
“Certamente, até os mais destacados
e famosos historiadores da igreja, aqueles que realizam as investigações
históricas mais profundas e originais, são apenas especialistas em alguns
pontos ou tópicos; nos demais, eles não passam de ‘generalistas’, e seus
conhecimentos são limitados ao que leram nos trabalhos de outros historiadores.
Aquele historiador a quem admiramos pelos estudos de Basílio de Cesareia
possivelmente derive seu conhecimento acerca de Lutero do que leu nos escritos
de outros historiadores. E é bem possível que não conheça mais sobre a missão
dos jesuítas na China além daquilo que aprendeu no curso introdutório de
história da igreja.” P. 40.
Para se
escrever algo novo, precisa-se conhecer o velho
“Com muita frequência encontro
pessoas que, sem conhecer o velho, querem fazer algo novo. Um estudante me diz
que quer escrever uma nova interpretação de Lutero. Quando lhe pergunto pelas
interpretações existentes, ele admite que não as conhece. Como então saberá que
o novo é de fato novo?” P. 42.
O bispado
feminino já existia nos primeiros séculos da igreja
“Um sínodo reunido em Laodiceia, no
ano 352, proibiu que as mulheres servissem como sacerdotes ou dirigissem igrejas,
em outras palavras, que se tornassem bispos. O próprio fato de um sínodo ter
promulgado semelhante legislação indica que, pelos menos, até aquela data,
havia sim mulheres ocupando tais funções.” P. 67-68.
Celibato
“A primeira legislação oficial em prol do
celibato eclesiástico se deu em um concílio reunido em Elvira, Espanha, no ano
305, cujo cânon número 33 diz:
‘Decidimos proibir totalmente aos
bispos, presbíteros e diáconos e a todos os clérigos que exerçam o ministério
sagrado, o uso do matrimônio com suas esposas e a procriação de filhos. Quem o
fizer, será excluído da honra do clericato’.” P. 81.