quinta-feira, 4 de maio de 2017

Ciência Proibida


NOGUEIRA, Salvador. Ciência Proibida. São Paulo: Abril, 2015.

Livro fantástico e ao mesmo tempo assustador.

Numa viagem pelo nosso passado científico, essa obra nos traz vários exemplos de experiências que passaram dos limites da ética e da empatia. A Ciência foi e é feita por homens e mulheres que estão sujeitos a todas as paixões, que o resto da humanidade está. Egoísmo, politicagem, ganância, busca por sucesso e dinheiro... Tudo isso, infelizmente, guia muitos acadêmicos e produtores de tecnologias. Começando por Ptolomeu, passando por Colombo, até os dias atuais, muitas foram às fraudes cometidas em nome do conhecimento.

Mas Salvador Nogueira (assessor da Sociedade Brasileira de Física e colunista da Scientific American Brasil) é um apaixonado e entusiasmado divulgador da Ciência, e tem esperanças de que evoluímos em nossas percepções éticas, apesar de tantos erros e crimes cometidos em nome do progresso científico e tecnológico. Há esperanças de que nossos empreendimentos presentes e futuros sejam pautados e escrutinados por uma ética mais rígida que nas décadas pregressas.

"[...] os cientistas, como todos os seres humanos, rotineiramente cometem erros – e que esses erros podem ser cometidos de muitos modos, com ou sem intenção, e podem ter diversas raízes. Há quem minta por prestígio, há fraudes por poder, há a busca por dinheiro e há, pura e simplesmente, a vontade de acreditar. Isso não deve, contudo, fazer você perder a fé na ciência, nem nos cientistas. O fato de que conhecemos todos esses casos de fraude e engano significa que o método científico e o funcionamento básico da dinâmica de pesquisa parecem compor um sistema que, cedo ou tarde, acaba eliminando ideias incorretas. Essa é a boa notícia que não pode ser desprezada. A ciência já traz embutido um mecanismo de correção de erros. Na prática, é um bom motivo para você confiar nos alicerces, mas desconfiar sempre do último tijolo colocado no edifício da ciência. A humanização dos cientistas e a compreensão de que eles erram não diminui o sucesso da ciência". P. 37.

Sem dúvidas a bomba atômica, lançada contra as cidades japonesas, é um dos inventos mais assustadores postos em prática pela humanidade. Felizmente, Hitler, não teve o devido interesse nela. Falando sobre isso, Nogueira revela:

"Por que Hitler (ainda bem) nunca teve sua bomba atômica? Em essência, o consenso entre os historiadores que se debruçaram com mais afinco sobre essa questão é o de que ele só não a teve porque não quis. Como a impressão inicial da guerra era a de que ela terminaria rapidamente, e com vitória alemã, os nazistas decidiram que não valeria a pena priorizar financeiramente o programa nuclear, uma vez que não haveria tempo para ele ser decisivo para o próprio esforço de guerra. Em vez disso, o Reich decidiu investir num outro programa tecnológico bélico – os foguetes V-2 criados por Wernher Von Braun, que depois da guerra se tornaria o arquiteto do programa espacial civil americano. Após avaliar os dois esforços, os nazistas chegaram à conclusão de que os foguetes poderiam ser importantes ainda durante a guerra, e as armas nucleares, não." P. 55.

Lamentavelmente o pesadelo da bomba atômica é um fato que incomoda:

"Até hoje há discussões acaloradas entre historiadores sobre se as bombas atômicas foram necessárias para a rendição e poucos disputam o fato de que, fosse qual fosse o desfecho, foi uma das ações militares mais desumanas já perpetradas pela humanidade, numa guerra que já havia sido a mais sangrenta de toda a história registrada. Mas não há dúvida de que a invenção da bomba atômica mudou o mundo para sempre. E seguirá nos acompanhando como um fantasma por toda a eternidade – ou até nossa autodestruição". P. 61-62.

Sobre a máfia da indústria farmacêutica, Nogueira tem muito a nos falar:

"A farmacêutica Pfizer estava desenvolvendo um novo antibiótico, chamado Trovan (trovafloxacin), que já havia se mostrado promissor contra uma gama ampla de infecções e que podia ser ministrado por via oral, em vez de injeção. Quando uma epidemia de meningite apareceu na Nigéria, uma equipe da companhia viu a oportunidade ideal para a realização de um teste de campo. Duzentas crianças doentes foram recrutadas, e metade recebeu Trovan, enquanto a outra metade recebeu Ceftriaxone, uma droga já estabelecida no tratamento de meningite. Ao final do teste, muitas crianças ficaram com sequelas deixadas pela doença, e 11 delas morreram – cinco que haviam tomado Trovan e seis que tomaram Ceftriaxone. Ponto para o novo medicamento, certo? Não exatamente. 

Primeiro que houve uma violação ética – nem os pais, nem as crianças foram informadas de que um experimento estava em andamento.Todos imaginavam que se tratasse apenas de ajuda humanitária. Segundo que, em nome do estudo, crianças cuja saúde estava se deteriorando a olhos vistos não tiveram a medicação trocada. E o pior: as crianças do grupo controle, que receberam Ceftriaxone, tomaram a droga em doses menores do que as adequadas – presumivelmente para garantir o melhor resultado do Trovan.

O caso terminou na Justiça e, num acordo para encerrar o processo, a Pfizer pagou US$ 75 milhões. Mas que ciência é essa? Trata-se de um caso claro de fraude (além de desumanidade), em que o experimento é manipulado para produzir o resultado desejado – e vidas são perdidas por isso. Mas, ainda que não fosse, ele teria grande chance de produzir resultados não confiáveis. E esse é outro grande segredo da indústria farmacêutica – ela explora o fato de que testes clínicos podem essencialmente provar qualquer coisa que se queira." P. 102-103.

Muitas pesquisas divulgadas, na verdade, são tendenciosas e muito fora do padrão de qualidade exigidos. Porém, os pesquisadores, em não raras ocasiões são comprados e, assim, empreendem estudos e resultados previamente estabelecidos para confirmar o que eles quiserem.

"[...] os cientistas são humanos e precisam fazer descobertas significativas para manter o financiamento às suas linhas de pesquisa. Aí começa a surgir um viés. O pesquisador, ainda que se esforce para eliminar qualquer postura tendenciosa e produzir resultados de qualidade, acaba sutilmente desenvolvendo o experimento de forma a confirmar sua tese. Isso quando não redige seus resultados da forma mais espalhafatosa possível, a fim de produzir mais impacto.” P. 105.

Sobre a máfia das pesquisas biomédicas. Estas são as piores. Gasta-se muita grana nelas, para resultados pouco promissores.

“Eis que a ciência não é aquele joguinho da verdade que todos gostaríamos que fosse. É apenas uma forma humana de produção de conhecimento, com seu próprio conjunto de regras e, com elas, suas próprias mazelas. É fato que, no fim das contas, a verdade acaba prevalecendo, e os avanços passam a ser inegáveis. Atualmente, sabemos mais sobre tudo do que sabíamos alguns anos, para não dizer décadas e séculos, atrás. Mas, quando os cientistas estão apenas no meio do caminho para confirmar ou refutar uma hipótese, o processo é muito mais tortuoso e perigoso do que eles mesmos gostariam de admitir.

[...]

Um levantamento publicado na PLoS Biology em junho de 2015 e liderado por Leonard P. Freedman, do Instituto Global de Padrões Biológicos, em Washington, indica o possível tamanho do problema para pesquisas biomédicas: aproximadamente 50% dos resultados pré-clínicos (ou seja, feitos somente em laboratório e com animais) obtidos nos Estados Unidos não conseguem ser reproduzidos por outros pesquisadores, o que equivale a um investimento anual de US$ 28 bilhões em pesquisas que provavelmente geraram conclusões falsas. É um caminhão de dinheiro.” P. 106.

Em conversa com uma cliente, mulher de um cirurgião, ela garantiu que não mais existe a infame prática de Médicos receitarem certos remédios, de determinadas marcas, aos seu pacientes, para ganharem benesses das ditas empresas farmacêuticas. Resignação de minha parte. Não queria dizer que o marido dela é mais um Médico mentiroso. Mas essa prática mercenária ainda permanece entre aqueles que estão a nos "ajudar", quando estamos moribundos. Nogueira, que conhece muitíssimo bem o lado tenebroso da relação de muitos (a maioria?) Médicos com as grandes indústrias de remédios, escreve:

"É importante lembrar que os tentáculos econômicos da indústria farmacêutica hoje se encontram firmemente agarrados a boa parte da comunidade médica e científica. A indústria financia pesquisas, dá amostras grátis de medicamentos, oferece viagens, contrata palestras, paga cursos e trata muitos médicos como virtuais parceiros de negócios. E aceitar agrados da indústria é uma prática em geral disseminada entre os médicos, embora todos digam que isso jamais os influenciaria nas prescrições ou nos tratamentos”. P. 109.

Em confirmação, Adriane Fugh-Berman (Professora de Farmacologia e Fisiologia na Universidade de Georgetown), que não se vendeu a indústria farmacêutica, diz:

“Os médicos invejam os que são pagos pelas companhias farmacêuticas. A relação entre a medicina e a indústria farmacêutica é profunda, complexa e nada saudável. Elas deveriam ser cirurgicamente separadas com regulamentações. Empresas farmacêuticas não deveriam ter permissão para financiar publicações ou seguir com atividades de educação médica.” P. 111.

Mas tenhamos calma, vários benefícios vieram da indústria dos fármacos, apesar de seu lastro de calamidades.

“Na verdade, os casos de medicamentos que entram e saem do mercado deixando uma trilha de desgraças pelo caminho são recorrentes. A ciência é o nosso único caminho viável para navegar com alguma segurança nesse terreno escorregadio, e não vamos aqui fingir que, no geral, a indústria farmacêutica não trouxe incríveis benefícios à sociedade. Trouxe. Estamos melhor com ela do que sem ela. Vivemos mais e melhor que nossos ancestrais e, com certeza, isso tem a ver com melhorias proporcionadas pelo avanço do saber científico e das pesquisas farmacológicas. Isso, contudo, não pode – e não deve – se traduzir num cheque em branco para indústria dos medicamentos. Não se pode acreditar em tudo que tentam nos empurrar, sob a rubrica ‘estudos mostram que’.” P. 115-116.

Várias foram às experiências perpetradas com animais completamente desnecessárias. Atualmente a comunidade científica tem mais consciência de que seus experimentos devem visar o mínimo sofrimento possível a eles, mesmo que em muitos experimentos e pesquisas, isso seja praticamente impossível. Esquizofrenicamente Hitler não via com bons olhos que pesquisas médicas fossem feitas com animais, visto seriam cruéis.

"Acredite se quiser, mas o estado nazista foi um dos maiores defensores dos direitos dos animais. Em abril de 1933, Hitler anunciou: 'No novo Reich, não será mais permitida crueldade animal'. O governo chegou a banir completamente vivissecções, mas em seguida aliviou a lei, pois se cristalizou a noção de que pesquisas bélicas e de defesa poderiam ser atrasadas pela medida. Ainda assim, foram impostas regras estritas para minimizar dor e experimentos desnecessários. Poucos anos depois, esses mesmos caras estavam fazendo vivissecções em seres humanos –ou 'sub-humanos', como preferiam dizer. Apenas mais uma amostra da esquizofrenia coletiva selvagem e incompreensível que foi o nazismo." P. 122.

Livro espetacular.