quinta-feira, 4 de outubro de 2018

Apologia de Sócrates



PLATÃO. Apologia de Sócrates. São Paulo: Saraiva, 2013. (PDF).

“[...] não acredito saber aquilo que não sei.” P. 10. – Sócrates.

Sócrates (469-399 a.c.) é um dos principais Filósofos gregos que nos vem à mente quando pensamos nos grandes pensadores da Grécia antiga. Ele influenciou outros pensadores, como Platão e Aristóteles, Filósofos que têm suas ideias discutidas e rediscutidas por vários estudiosos ainda hoje. O modo filosófico de Sócrates distinguia-se bruscamente dos Filósofos anteriores que buscavam na natureza a explicação do Ser. Enquanto que para ele, a Filosofia estava concentrada no homem. Uma de suas frases mais conhecidas é: “Conhece-te a ti mesmo.” Sua Filosofia também era distinta dos seus contemporâneos sofistas, um pessoal que não estava preocupado em formar pessoas em busca da verdade, mas em ensiná-las a serem eloquentes, formando as elites, para exercerem a política. A verdade pouco importava para os sofistas. Nada diferente daqueles que atuam na vida política brasileira.

Em tempos de relativismo defendido principalmente por aqueles que deveriam veementemente rejeitá-lo (os Professores universitários), o método socrático, fazendo o interlocutor refletir sobre suas afirmações e ideias, é a melhor maneira de destruir as ideias pós-modernas tão presentes nas várias instâncias do saber. Percebemos que aqueles hoje em dia, que tratam a verdade como meros jogos de poder, são os sofistas modernos. A verdade não depende do “lugar de fala”, termo tão em moda. Sócrates dizia:

“[...] essa, de fato, é a virtude do juiz, do orador - dizer a verdade.” P. 05.

Sócrates andava pelas ruas de Atenas, conversando com velhos, jovens, e quem quer que fosse, persuadindo-os a fazerem uma profunda reflexão sobre aquilo que afirmavam e acreditavam – uma espécie de iluminação interior, baseada em raciocínio lógico, obviamente. Para ele, na confluência de ideias, o conhecimento humano aumenta, fornecendo os meios para a prática da virtude. Com o tempo, o seu modelo filosófico foi incomodando certas pessoas poderosas, que o colocaram no limbo da sociedade grega, acusando-o de negar os deuses gregos, culminando em seu julgamento e morte por envenenamento. Este livro, escrito pelo seu principal discípulo, Platão, trata de sua defesa perante as calúnias que o colocaram na mira da justiça ateniense, quando tinha mais de setenta anos.

Um tal de Anito e Licon, juntos com outros diziam “dizendo-vos que há um tal Sócrates, homem douto, especulador das cosias celestes e investigador das subterrâneas e que torna mais forte a razão mais fraca.” P. 06.

Mas o grande acusador de Sócrates foi Meleto.

Em sua defesa, Sócrates apelava para as palavras do Oráculo de Delfos, templo religioso da época, que previa o futuro, aconselhava e orientava quem o procurava. Segundo o Oráculo Sócrates era o homem mais sábio da Grécia. Uma das acusações contra ele, era de negar os deuses, mas como o principal centro religioso da Grécia poderia afirmar que ele era o homem mais sábio, se o mesmo rejeitava os deuses da cidade? Portanto, eram falsas as acusações que estavam sendo usadas contra o velho homem. Xenofonte, um de seus seguidores, era uma testemunha a seu favor quanto a isso.

“Conheceis bem Xenofonte. Era meu amigo desde jovem, também amigo do vosso partido democrático, e participou de vosso exílio e convosco repatriou-se. E sabeis também como era Xenofonte, veemente em tudo aquilo que empreendesse. Uma vez, de fato, indo a Delfos, ousou interrogar o oráculo a respeito disso e - não façais rumor, por isso que digo - perguntou-lhe, pois, se havia alguém mais sábio que eu. Ora, a pitonisa respondeu que não havia ninguém mais sábio. E a testemunha disso é seu irmão, que aqui está.” P. 09.

O grande Filósofo em sua peregrinação em diálogo com os "detentores" do saber - políticos, poetas, adivinhos, "vates", e finalmente, os artífices, chega à seguinte conclusão:

“Por fim, também fui aos artífices, porque estava persuadido de que por assim dizer nada sabiam, e, ao contrário, tenho que dizer que os achei instruídos em muitas e belas coisas. Em verdade, nisso me enganei: eles, de fato, sabiam aquilo que eu não sabia e eram muito mais sábios do que eu. Mas, cidadãos atenienses, parece-me que também os artífices tinham o mesmo defeito dos poetas: pelo fato de exercitar bem a própria arte, cada um pretendia ser sapientíssimo também nas outras coisas de maior importância, e esse erro obscurecia o seu saber.” P. 12.

Isso é tão verdade ainda hoje. Por sabermos muito em uma determinada área (ou pensarmos que sabemos), achamos que podemos ser os experts em outras, e acabamos falando coisas fora da realidade, que quando melhor avaliadas, não passam de embustes alimentados por ideologias ou pressuposições erradas.

Eis a acusação:

“Sócrates - diz a acusação - comete crime corrompendo os jovens e não considerando como deuses os deuses que a cidade considera, porém outras divindades novas.” P. 14.

Meleto o acusava de ateísmo. Sócrates pergunta a ele:

“Mas, por Zeus, assim te parece, que eu creio que não exista nenhum deus?” P. 18.

Dirigindo-se aos cidadãos de Atenas, Sócrates lamenta:

“Aquilo, pois, que eu dizia no princípio, que há muito ódio contra mim, e muito acumulado, bem sabeis que é verdade.” P. 20.

Para o idoso, devemos fazer a coisa certa, independente dela acarretar resultados desagradáveis que irão nos prejudicar, inclusive a morte.

“[...] quando fizer o que quer que seja, deve considerar se faz coisa justa ou injusta, se está agindo como homem virtuoso ou desonesto.” P. 20.

Aparentemente, Sócrates não temia a morte:

“Ninguém sabe, na verdade, se por acaso a morte não é o maior de todos os bens para o homem, e entretanto todos a temem, como se soubessem, com certeza, que é o maior dos males.” P. 21.

“Porque morrer é uma ou outra destas duas coisas: ou o morto não tem absolutamente nenhuma existência, nenhuma consciência do que quer que seja, ou, como se diz, a morte é precisamente uma mudança de existência e, para a alma, uma migração deste lugar para um outro. Se, de fato, não há sensação alguma, mas é como um sono, a morte seria um maravilhoso presente. Creio que, se alguém escolhesse a noite na qual tivesse dormido sem ter nenhum sonho, e comparasse essa noite às outras noites e dias de sua vida e tivesse de dizer quantos dias e noites na sua vida havia vivido melhor, e mais docemente do que naquela noite, creio que não somente qualquer indivíduo, mas até um grande rei acharia fácil escolher a esse respeito, lamentando todos os outros dias e noites. Assim, se a morte é isso, eu por mim a considero um presente, porquanto, desse modo, todo o tempo se resume a uma única noite.” P. 38.

Se o deixassem livre, ele não pararia de exortar os habitantes de Atenas a virtude a e verdade.

“Cidadãos atenienses, eu vos respeito e vos amo, mas obedecerei aos deuses em vez de obedecer a vós, e enquanto eu respirar e estiver na posse de minhas faculdades, não deixarei de filosofar e de vos exortar ou de instruir cada um, quem quer que seja que vier à minha presença.” P. 21.

“Por toda parte eu vou persuadindo a todos, jovens e velhos, a não se preocuparem exclusivamente, e nem tão ardentemente, com o corpo e com as riquezas, como devem preocupar-se com a alma, para que ela seja quanto possível melhor, e vou dizendo que a virtude não nasce da riqueza, mas da virtude vem, aos homens, as riquezas e todos os outros bens, tanto públicos como privados.” P. 22.

“[...] digo que o maior bem para um homem é justamente este, falar todos os dias sobre a virtude [...] examinando a mim mesmo e aos outros, e, que uma vida sem esse exame não é digna de ser vivida”. P. 34.