domingo, 16 de julho de 2017

Faça a Coisa Certa



Fazia uns anos que queria ver o tão afamado Faça a Coisa Certa. Considerado um clássico do cinema que trabalha a problemática do racismo na América do Norte. Pois bem, o filme é ambientado na cidade de Nova Iorque, no bairro negro do Brooklin, no final dos anos 1980. Além da maioria negra, existem asiáticos, latinos e outras minorias étnicas, habitando o bairro. Tipicamente um bairro pobre, com pessoas humildes, cheias de problemas estruturais decorrentes da situação financeira precária em que vivem.

O objetivo de Spike Lee, roteirista, diretor e protagonista do filme, é descortinar uma realidade mais complexa e difícil que a polarização entre brancos e negros, tendo os primeiros como algozes e os últimos sempre como vítimas indefesas. 

Em Faça a Coisa Certa, os pretos são os vilões, os preconceituosos, os intolerantes idiotas. E olha que o Spike Lee é negro. É exatamente por isso, que o teor da obra ganha um tom especial. Muitos (MUITOS) negros que sofrem por serem quem são, pelo olhar discriminatório da sociedade branca, são os mesmos que devolvem o racismo contra outras minorias. 

Negros odiando latinos, estes detestando asiáticos, os últimos execrando italianos, e por aí vai. A trama nos mostra um bairro polarizado, cada grupo étnico vendo o outro como inimigo a ser rejeitado, ostracizado, banido para a puta que pariu. 

Praticamente toda a história se passa numa rua, onde em sua esquina tem uma pizzaria italiana, que tem naturalmente quase todos os seus clientes negros, os próprios residentes do bairro. O dono do estabelecimento não demonstra nenhuma visão negativa pelos negros, está há décadas vendendo suas pizzas no bairro e não pretende sair dele nunca. Um de seus filhos (pino), odeia os negros e se possível não voltaria a pisar no bairro. O entregador (Mookie) é um negro (Spike Lee), que mantém uma relação tensa com o patrão (Sal) e com seu filho racista, mantendo uma certa amizade com o outro filho do patrão (Vito). 

O bicho pega quando Sal é confrontado por um cliente que exige que ele coloque no hall da fama de sua pizzaria, negros famosos como Malcolm X, Nelson Mandela, Michael Jordan..., pois só há ítalos-americanos nos quadros da pizzaria. O negro confuseiro faz o maior auê mandando que seus irmãos de cor sejam colocados na parede do lugar, e acaba sendo expulso. Com muito ódio, ele tenta organizar um boicote a pizzaria, conclamando a todos do bairro a não comprar mais lá. Consegue apenas uma alma, um maluco, conhecido por Rádio Raheem, que fica pra cima e pra baixo com seu aparelho de som, ouvindo sempre a mesma fita cassete. 

Para encurtar a história, ambos vão a pizzaria no final do expediente, exigir mais uma vez que eles coloquem na parede quadros com os seus ídolos negros, pedido negado mais uma vez. O som de Rádio Raheem está ligado nas alturas e Sal quebra-o com um taco, ocasionando um quebra-quebra generalizado, tendo a polícia que intervir e matando sem intenção por enforcamento Rádio Raheen. A população preta do lado de fora, coloca a culpa nos italianos pela morte do irmão de cor, e destroem completamente a pizzaria, quebrando tudo pondo fogo nela. 

Pronto, o filme é basicamente isso. Além de mostrar um dia típico de um bairro negro, com todas as tensões envolvidas nas relações entre os seus residentes.

A película é clara: os pretos são os intolerantes idiotas da história. Spike Lee não roteirizou isso à toa. Apesar da opressão sofrida há séculos, seja com a escravidão, seja com o racismo institucionalizado e o racismo depois da conquista pelos direitos civis, a realidade é que, muitíssimos negros, por mágoa, ressentimento, raiva, ou até má índole mesmo, têm lançado olhares de ódio contra outros grupos minoritários, como é o caso do presente filme. É uma complexa realidade que depois de Faça a Coisa Certa, foi magistralmente trabalhada por outras obras cinematográficas, como por exemplo Os Donos da Rua, lançado dois anos depois, que retrata gangues de negros matando negros, nos guetos de Los Angeles. Crash, no Limite, de 2004, que de maneira brilhante e assustadora, vira nossa cabeça ao avesso, desvelando as tensões raciais na sociedade estadunidense. 

E se olharmos para o nosso próprio quintal, com certos movimentos negros se vitimizando ao grau extremo e dando aulas de intolerância e ódio? 

Achei algumas cenas meio bobinhas e exageradas, mas certos trejeitos bizarros da trama, não foram colocados à revelia de algum propósito, eu é que deixei escapar a finalidade deles.

Resumindo: nem sempre os negros são os coitadinhos inocentes, oprimidos. De vítimas acabam tornando-se vilões e opressores, sob a desculpa de que são discriminados. Na medida em que são execrados, execram os outros.