LUNA, Francisco Vidal; KLEIN, Herbert S. Escravismo no Brasil. São Paulo: Edusp, 2011.
Francisco Vidal Luna (Bacharel e Ph.D em Economia na USP e Professor da mesma) e Herbert S. Klein (Bacharel, Mestre e Ph.D em História na Universidade de Chicago, EUA) pesquisaram por mais de trinta anos os arquivos referentes ao sistema escravista no Brasil, e esse livro é o resultado parcial de seus exaustivos estudos. Aliando os pressupostos teóricos da Economia e da História, apresentam uma cuidadosa análise dos africanos escravizados no Brasil Colônia e Brasil Império. Tanto pesquisas em fontes primárias, como em trabalhos acadêmicos publicados, foram meticulosamente feitas, trazendo uma riqueza de dados inestimáveis, para quem se interessa pela dinâmica da vida social, econômica e social do Brasil em seus quatro primeiros séculos. Muitos gráficos, tabelas, números e notas de rodapé estão espalhados ao longo das quase 400 páginas; chega a ser chato e cansativo olhar um por um, porém, muitas obras acadêmicas são assim mesmo, quer os seus leitores gostem ou não.
Francisco Vidal Luna (Bacharel e Ph.D em Economia na USP e Professor da mesma) e Herbert S. Klein (Bacharel, Mestre e Ph.D em História na Universidade de Chicago, EUA) pesquisaram por mais de trinta anos os arquivos referentes ao sistema escravista no Brasil, e esse livro é o resultado parcial de seus exaustivos estudos. Aliando os pressupostos teóricos da Economia e da História, apresentam uma cuidadosa análise dos africanos escravizados no Brasil Colônia e Brasil Império. Tanto pesquisas em fontes primárias, como em trabalhos acadêmicos publicados, foram meticulosamente feitas, trazendo uma riqueza de dados inestimáveis, para quem se interessa pela dinâmica da vida social, econômica e social do Brasil em seus quatro primeiros séculos. Muitos gráficos, tabelas, números e notas de rodapé estão espalhados ao longo das quase 400 páginas; chega a ser chato e cansativo olhar um por um, porém, muitas obras acadêmicas são assim mesmo, quer os seus leitores gostem ou não.
Vamos ver apenas algumas informações que
Luna e Klein nos trazem:
No senso comum, quando falamos em
escravidão dos africanos, logo pensamos que a escravização só foi perpetrada
pelos europeus. Mas a realidade foi um pouco mais complexa e triste do que
essa. Africanos também escravizavam africanos. Fato que ainda poucos conhecem, excetuando-se a comunidade de Historiadores e curiosos. A
África se compunha de vários povos, tribos, línguas, dialetos, costumes, que
distinguiam as suas populações, como normalmente acontece em qualquer lugar.
Naturalmente surgiam conflitos que acabavam em guerras tribais, aonde os
vencidos podiam ser escravizados. Essa escravização era numa escala
infinitamente menor que a escravidão feita pelos europeus na Idade Moderna. Mas
que ela existia entre os africanos, existia. O livro em foco não menciona
a média de pessoas que eram levadas cativas depois de uma guerra, mas outros
Historiadores mencionam que o número de escravos não passavam de dez.
“Também no continente africano a escravidão existiu desde os
registros históricos mais antigos, mas foi uma instituição relativamente sem
importância antes de iniciar-se o tráfico atlântico de escravos.” P.
15.
Durante a escravidão nas Américas
(portuguesa, espanhola e inglesa), mais africanos foram trazidos para esse lado
do atlântico do que europeus. Os traficantes de escravos eram muito habilidosos
e eficientes em caçar africanos, tornando menos custoso para os colonizadores
os trazerem para cá. Com a ressalva de que na América espanhola, os escravos
ficaram relegados mais aos serviços domésticos e a servidão urbana, como
acontecia na Europa.
“[...] a América tornou-se o grande mercado para 10,5 milhões
de cativos que se estima terem ali desembarcado no decorrer dos cinco séculos
seguintes, e foi no Novo Mundo que a escravidão africana mais se expandiu sob o
domínio europeu. Até a década de 1830, mais africanos do que europeus haviam
atravessado o Atlântico, e estima-se que em 1750 mais de três quartos dos que
emigraram para a América eram escravos africanos.” P. 25.
O modelo português de plantation (grande lavoura) serviu de exemplo e fora copiado pelas
outras colônias nas Américas. O açúcar antilhano desenvolveu-se e até
ultrapassou o mercado luso-brasileiro, graças à tecnologia e modo de trabalho
escravo africano aprendido na colônia portuguesa. A escravização indígena e o
trabalho assalariado de pessoas vindo da Europa não vingaram no Caribe.
“A experiência do desenvolvimento colonial na América
portuguesa tornou-se o modelo para todas essas colônias posteriores, havendo
inclusive uma transferência direta, para as Antilhas, de cativos brasileiros e
da tecnologia brasileira no fabrico do açúcar em meados do século XVII.”
P. 35.
Quando os portugueses resolveram de fato
colonizar o Brasil, na década de 1530, os engenhos de açúcar precisavam de mão
de obra para funcionar a todo vapor, inicialmente os senhores buscaram os
indígenas para trabalharem cativos no plantio da cana, mas sabemos que a
escravização dos moradores da terra, não durou por muito tempo nos engenhos do
nordeste. A pressão dos jesuítas, por exemplo, é um dos fatores que ajudam a
explicar isso. O Estado português pressionado pela igreja, depois de um tempo
proibiu a escravização dos silvícolas, embora em algumas regiões, durante
séculos os nativos tenham sido escravizados. De qualquer forma, o trabalho nas
grandes lavouras, foi efetivado pelos africanos. O livro nos ajudar a entender
o porquê dos índios terem sido descartados no empreendimento de plantation português, além da pressão
religiosa católica:
“Como muitos nativos da África ocidental provinham de
culturas com técnicas avançadas de agricultura e metalurgia do ferro, eram
muito mais qualificados para tais atividades do que os índios. Além disso, no
que respeitava às doenças, eles provinham do mesmo meio que os europeus, e a
maioria das moléstias que eram epidêmicas para os índios eram endêmicas para os
africanos. Portanto, nos quesitos de qualificação, saúde experiência em
trabalho agrícola mais rotinizado, os africanos eram considerados muitos
superiores aos cativos indígenas.” P. 39.
Mesmo com a ascensão da cafeicultura, no
Vale do Paraíba e na província de São Paulo, ultrapassando em produção e
exportação o plantio da cana de açúcar no nordeste, ela não foi o setor que
concentrou o maior número de escravos. As análises apontam que a escravaria no
Brasil estava mais diluída do que se pensava antes. Nem no açúcar e no café
estava o maior contingente de negros.
“Apesar da crescente concentração da escravaria da
cafeicultura, a maioria dos cativos do Brasil não trabalhava em fazendas de
açúcar ou café mesmo no Centro-Sul. Mesmo com sua posição dominante no valor
total das exportações, o café absorvia apenas uma pequena fração dos escravos
rurais da região.” P. 113.
“Pelo menos de 1700 em diante, em nenhum momento da história
da escravidão brasileira os cativos dos engenhos, minas e cafezais compuseram a
maioria dos escravos residentes no Brasil.” P. 130-131.
Nas áreas da pecuária, algodão, produção de
grãos e raízes para alimentação, trabalhos especializados, semiespecializados,
artesanato, mineração, criação de gado, vendas de vários produtos e frutas
(escravos de ganho), e serviços domésticos entre outras atividades,
concentravam mais escravos que o açúcar e o café. Eram poucas as pessoas que
tinham um alto número de escravos, a maioria dos que possuíam cativos, tinham
uma média de sete escravos.
Infelizmente no sistema escravagista,
muitos dos que antes tinham sofrido as agruras, humilhações e torturas da
servidão forçada, quando conseguiram a sua alforria, fizeram o mesmo que os
brancos racistas: escravizaram também. Bastou conseguir a liberdade, para ter
os seus próprios escravos, para lhes gerar riquezas. O livro não nos diz, se o
tratamento dos negros proprietários eram mais humano e mais leve para os seus
cativos “irmãos”, pelo evidente fato deles terem sido também escravos um dia.
“Em 1738, por exemplo, na lista de proprietários de escravos
da localidade do Serro Frio, em Minas Gerais, 225 eram ex-escravos e
controlavam 10% dos cativos. Ademais, entre esses forros proprietários, dois
terços eram mulheres. Isso representa um aspecto importante da escravidão no Brasil:
em situações muito particulares, como na mineração, ex-escravos atingiam a
condição de proprietários de escravos.”
P. 355.
“O fato de que algumas pessoas de cor foram bem-sucedidas na
economia de mercado pode ser visto em seu papel como proprietários de escravos.
Em números estudos conclui-se de que tais pessoas possuíram escravos.”
P. 306.
Muitos alforriados tornaram-se especialistas em caçar os negros que fugiam das fazendas. Cerca de 15% dos capitães-do-mato eram negros. Quanto mais foragidos eles capturavam, maior o seu pagamento.
Muitos alforriados tornaram-se especialistas em caçar os negros que fugiam das fazendas. Cerca de 15% dos capitães-do-mato eram negros. Quanto mais foragidos eles capturavam, maior o seu pagamento.
Em termos oficiais a Igreja Católica,
apesar de não fazer esforço algum para acabar com a escravidão africana,
afirmava que os negros possuíam alma. Mas geralmente ouvimos dizer o contrário.
De qualquer forma, Bulas Papais legitimavam sem cerimônia a escravização dos
habitantes da África. Talvez, uma das mais conhecidas tenha sido a Bula Romanous Pontifex, que não é mencionada no livro.
“A Igreja Católica, embora fosse uma ativa proprietária de
escravos, aceitava que os africanos possuíam uma alma imortal e lhes concediam
todos os direitos aos sacramentos.” P. 206.
E por incrível que pareça os escravos tinham alguns direitos garantidos pelo Estado, com o intuito de “proteger” as
suas vidas. Eles não podiam ser mortos arbitrariamente pelos seus donos. Uma
lei do século XVI (Ordenações Manuelinas) e os códigos imperiais do XIX
declaravam que o assassinato de um escravo era passível de pena de morte. Mas não nos enganemos, a documentação existente parece nos indicar apenas dois donos de
escravos que foram mortos, por assassinar arbitrariamente seus escravos. Esses “direitos
de proteção” ao cativo não tornou a escravidão mais palatável; mais mansa; ou
mais humana para o cativo.
“Embora pouquíssimos senhores tenham sido executados por tal
crime no Brasil, houve alguns casos de proprietários de escravos que foram
punidos com exílio ou vultosa multa, e quase todas as mortes não naturais de
cativos, inclusive suicídios, acarretando investigações judiciais formais.
[...] mas era consenso que açoitar, marcar a ferro e cometer outras violências
físicas constituíam tratamento aceitável para cativos” P. 205.
Como diz a conhecida frase de que
“violência gera violência”, os escravos em muitas ocasiões, se vingavam de seus
proprietários e capatazes, matando-os:
“Em Campinas, província de São Paulo, no período 1831-1887,
houve 79 assassinatos de senhores por escravos.” P. 216.
“São muitos os casos de escravos que justificam ter matado
feitores ou senhores porque estes os espancavam constantemente e reduziam ao
extremo seus direitos básicos à alimentação e ao descanso.” P. 219.
Para aqueles que conseguiam sua tão sonhada
liberdade e pessoas livres de cor, a vida não seria fácil, apesar de termos
mencionando que alguns forros possuíam escravos, isso não quer dizer que até
mesmo esses seriam bem aceitos na sociedade branca racista. O negro continuava
a ser de uma classe humana inferior e, sendo assim, careceria dos mesmos
direitos que o cidadão branco.
“Desde o princípio, leis locais e metropolitanas investiram
contra os direitos das pessoas livres de cor [...] Era-lhes negado o direito de
exercer cargos públicos até mesmo na administração municipal [...] Leis
suntuárias proibiam às mulheres de cor usar roupas e joias como as ostentadas
pelas mulheres brancas. Por muitos anos, a punição a criminosos diferiu para os
brancos e forros.” P. 272-273.
“Uma vez alforriados, os ex-escravos ingressavam no mais
baixo estrato da sociedade.” P. 289.
Nas décadas finais do sistema escravista,
houve uma grande queda no número de escravos. Cada vez mais aumentava às
alforrias, as fugas, a pressão dos clubes abolicionistas, da sociedade e de
outros países, principalmente a Inglaterra, para que o Brasil o extinguisse. Todas
as regiões ou províncias, de acordo com a documentação existente, apresentam a
diminuição de cativos. Eis alguns números de uma tabela na página 320:
PROVÍNCIA
|
1872
|
1887
|
% DE
DECLÍNIO
|
PARÁ
|
27.458
|
10.535
|
-62%
|
R. G. DO
NORTE
|
13.020
|
3.167
|
-72%
|
PERNAMBUCO
|
89.028
|
41.122
|
-54%
|
BAHIA
|
167.824
|
76.838
|
-54%
|
R. DE
JANEIRO
|
292.637
|
162.421
|
-44%
|
SÃO PAULO
|
156.612
|
107.085
|
-32%
|
A distribuição de escravos por região estava
da seguinte forma em 1872:
Centro oeste – 1%
Sul – 6%
Norte – 7%
Nordeste – 27%
Sudeste – 59%
A distribuição da população cativa por
região em 1887:
Centro oeste – 1%
Sul – 2%
Norte – 6%
Nordeste – 24%
Sudeste – 67%
Com a abolição em 1888, a entrada de
imigrantes europeus cresceu vertiginosamente.
“Na década após a abolição, chegaram da Europa cerca de 1,3
milhão de imigrantes, dos quais 60% eram italianos.” P. 337.
Como já foi dito, a vida dos alforriados no
período em que a escravidão vigorava, não era nada fácil. E com o fim dela, a
vida dos escravos foi marcada pela discriminação, preconceito e racismo. Os brancos
não aceitavam que os ex-escravos tivessem os mesmos direitos. A segregação
imperava, mesmo que na teoria eles tivessem seus direitos assegurados.
“A cor negra vista como uma identidade negativa e o ‘embraquecimento’
considerado Pré-requisito para a mobilidade bem-sucedida foram parte da visão
cognitiva de todas as sociedades americanas até boa parte do século XX.” P.
339.
Os negros, compondo as pessoas que já eram
livres antes da abolição, ex-escravos, seus descendentes e os mulatos adentram
o século XX, sob a pecha da rejeição e abandono por parte da sociedade e do
Estado. No entanto, não era pra menos, não é porque eles agora não estavam
debaixo do chicote dos feitores, exército, polícia, guarda nacional, capitães-do-mato,
capatazes e senhores de engenho, que agora seriam visto como plenos cidadãos
que podiam gozar de todos os privilégios que a constituição garantia aos
brancos. Se muitos destes eram deixados a revelia pelo governo, imagine os
pretinhos.