Há uns 12 anos, numa madrugada sem sono, liguei a TV e
estava passando este filme no SBT. Logo me chamou a atenção, devido ao tema
abordado em sua trama. O racismo e o Movimento pelos Direitos Civis, na década
de 1960, em todo o território norte-americano, principalmente nos estados
sulistas, onde a discriminação e perseguição aos negros eram e ainda é mais
intensa que nos estados do norte.
Sempre garimpando na internet filmes sobre o racismo,
demorei anos a fio para encontrar este. Finalmente consegui baixá-lo e colocá-lo
disponível no Youtube. Infelizmente, não está em sua melhor qualidade visual,
mas dá para apreciá-lo numa boa, e ver o quanto o nefasto racismo que gerou uma
cruel segregação é uma ferida aberta na história do país da “liberdade”.
Canção da Liberdade conta em seu elenco com o renomado ator
negro, Danny Glover, que faz o papel de pai de Owen, um adolescente indignado
com o racismo e preconceito vigentes na cidade em que vive.
A história se passa na fictícia cidade de Quinlan, no Mississipi, uma cidadezinha tranquila e pacata, mas que guarda em suas entranhas um ódio visceral dos negros que ali habitam. A segregação é total. Negros não podem entrar em lanchonetes, não podem frequentar a biblioteca, a justiça eleitoral coloca várias dificuldades para o direito de voto dos negros, mesmo que a constituição do país lhes “garanta” essa prerrogativa.
A história se passa na fictícia cidade de Quinlan, no Mississipi, uma cidadezinha tranquila e pacata, mas que guarda em suas entranhas um ódio visceral dos negros que ali habitam. A segregação é total. Negros não podem entrar em lanchonetes, não podem frequentar a biblioteca, a justiça eleitoral coloca várias dificuldades para o direito de voto dos negros, mesmo que a constituição do país lhes “garanta” essa prerrogativa.
Não conformados com a situação de humilhação porque passam,
os negros de Quinlan começam a se organizar para reverter o quadro degradante
em que a segregação os colocam. Imbuídos da ideia de não-violência, resistirão
as investidas dos brancos racistas sem apelarem para o revide físico, suportando
as pancadas, chutes e murros, numa tentativa de pouco a pouco ir minando a
segregação.
Em muitos lugares da nação, o Movimento Pelos Direitos Civis está
progredindo e fazendo as estruturas segregacionistas verem os primeiros tijolos
de seus muros ruírem. Em Quinlam, seus moradores negros nutrem essa esperança,
não sem discordarem e discutirem calorosamente sobre as estratégias que devem
tomar. No final das contas, a não-violência é o caminho que resolvem adotar.
Encarceramentos, surras e humilhações, que já eram esperados
não demoram a acontecer. Quando Owen e Archie Mullen, outro ativista negro
estão saindo da prisão, uma corja de moradores brancos tentam linchá-los, e um homem empunhando
uma Bíblia, provavelmente o pastor da cidade, interpela Owen:
“Não acredita em jesus, acredita?”
Ao que Archie Mullen responde:
“Acredita que Jesus Cristo é amor?”
O “cristão” retruca:
“Não estou falando com você. Você vai pro inferno, negro! E
vai logo!”
Numa outra ocasião do filme, uma “mulher de Deus” tem uma “inteligente”
e “divina inspiração” ao dizer:
“Deus nos fez separados. Deve ter uma razão. Enfim,
percebi... Ele quer que cada um saiba o seu lugar e fique nele! De outro modo,
haveria desordem. E Deus não quer desordem!”
Nunca é demais lembrar que o estado do Mississipi tinha e
tem uma concentração massiva de evangélicos conservadores, aqueles que se dizem
a luz do mundo, e veem a si mesmos como os iluminados de Deus.
O racismo dos evangélicos ainda é tão acentuado que o protestante Ronald Syder, Ph.D em História na Universidade de Yale, traz em seu livro (O Escândalo do Comportamento Evangélico. Viçosa, MG: Ultimato, 2006), os
seguintes números:
“Em 1989 George Gallup Jr. e James Castelli publicaram os
resultados de uma pesquisa para determinar quais grupos nos Estados Unidos eram
mais propensos a rejeitar vizinhos negros – um bom indicador de racismo.
Católicos e cristãos não evangélicos foram classificados entre os menos
propensos; 11% fizeram objeção ao contato entre negros e brancos. Os
protestantes históricos chegaram próximo dos 16%. Com 17% batistas e
evangélicos ficaram entre aqueles mais propensos a repudiar a possibilidade de
ter vizinhos negros, e 20% dos batistas do sul rejeitaram a ideia de ter
vizinhos negros.” P. 25.
Ele escreve mais:
“Durante o movimento de direitos civis, quando os
protestantes históricos e os judeus se uniram aos afro-americanos em sua luta
histórica por liberdade e igualdade, líderes evangélicos foram quase totalmente
omissos. Alguns se opuseram ao movimento; outros não se pronunciaram. Quando
Frank Gaebelein, então co-editor de Christianity Today, não apenas cobriu a
marcha de Martin Luther King sobre Selma, como também endossou o movimento e a
ele se juntou, experimentou oposição e hostilidade da parte de outros líderes
evangélicos.” P. 25.
E conclui com uma pergunta desconcertante:
“[...] como é possível que os evangélicos sejam as pessoas
mais racistas e preconceituosas de nossa sociedade?” P. 47.
Voltando ao filme, com muitos sofrimentos e dores, os
pretinhos de Quinlan conseguem a liberdade de não serem mais segregacionados. Entretanto,
para quem conhece um pouco da história dos negros, isso não seria o final de
práticas racistas nos EUA.
Mais um filme espetacular!