Apocalypto, produzido entre 2006 e 2007, retrata um pouco da história dos
povos pré-colombianos aqui na América do Sul, mostrando como eles viviam,
caçavam e se relacionavam entre si. Mostra mais precisamente os povos que nos
são conhecidos como os maias. Um povo que dominou toda a região que hoje nós
conhecemos como a América Central e ainda uma pequena parte do país conhecido
atualmente por México.
O
filme começa mostrando um pouco de como era a vida de uma pequena e
inexpressiva tribo que ainda não tinha se submetido ao regime do grande império
maia. Essa tribo juntamente com outra é capturada traiçoeiramente pelos guerreiros
maias. E assim começa o sofrimento dos homens, mulheres e crianças que dela
faziam parte. O interessante é que os guerreiros maias não atacam as crianças;
elas são abandonadas e ficam para trás sem rumo a seguir, já que os seus pais
foram mortos ou capturados para serem levados ao império desses guerreiros.
O
filme é muito interessante e empolgante, pois, percebe-se pelas cenas que foi
muito bem feito e produzido. As cenas que compõem as lutas entre os guerreiros são
bem violentas e deixam o telespectador bem vidrado nele. É um filme histórico e
de ação ao mesmo tempo.
Quando
os sobreviventes masculinos dessas duas tribos chegam a capital do império maia,
servirão para “matar a sede dos deuses” em sacrifícios. Eles mesmos serão
sacrificados para que venha a prosperidade sobre o império. O filme mostra a
cidade opulenta dos maias. A imagem que ele traz dessa cidade é assustadora e macabra;
um inferno na terra. Mostra os sacerdotes sacrificando pessoas no alto das
pirâmides e a população lá embaixo vibrando por cada cabeça cortada que sai
rolando escadaria abaixo. São cenas chocantes, no entanto, retratam um pouco do
que eram os rituais religiosos dos povos maias.
Um
a um os guerreiros capturados vão sendo sacrificados. Mas chega uma hora em que
acontece um eclipse solar e os sacerdotes interpretam o fenômeno como uma
aprovação e saciedade dos deuses diante dos inúmeros sacrifícios que lhes foram
feitos. Alguns desses guerreiros não precisaram ser sacrificados, mas algumas
cenas depois são mortos. Porem, um dos guerreiros sobrevive e consegue fugir.
Os guerreiros maias vão atrás dele e assim o filme nos proporciona cenas de
tirar o fôlego nessa eletrizante perseguição. O guerreiro fujão consegue ser
bem-sucedido e reencontra a sua mulher e seus dois filhos. O filme acaba com os
espanhóis chegando à praia e o protagonista do filme com a sua família em busca
de um “novo começo”, que é o significado do nome “Apocalypto”.
No
entanto, apesar de ser um filme que vale a pena ser visto, pelas suas cenas de
ação e pelo enredo – a meu ver, tem uma pitada bem sutil de ideologia
eurocentrista. De maneira implícita, e poder-se dizer, até de uma maneira
subliminar, a película quer evidenciar a “incivilidade”, “crueldade” e “inferioridade”
da cultura desses povos perante a “civilidade” e “humanidade” dos europeus.
Infelizmente poucas pessoas que assistirem perceberá isso.
Fica
implícito com a chegada dos europeus na praia, que com a sua presença, a
“crueldade” desses povos chegará ao fim. Os cristãos, “servos do Deus
verdadeiro” irão “trazer a luz” a esses povos “imersos nas trevas”.
O
filme realmente é muito bom, mas peca na ideologia em que está comprometido.
Uma ideologia eurocentrista e etnocêntrica. Não é à toa, que o filme tem cenas
com muito sangue do começo ao fim, dando a entender que esses povos eram
bárbaros e precisavam ser “salvos” pelos europeus.
Relacionando
ele com o livro A América que os europeus encontraram, de Enrique Peregalli (Licenciado
em História pela USP e Mestre pela PUC-SP), este trabalha numa linha de
pensamento completamente contrária ao que o filme nos passa. Por exemplo, o
texto intitulado “O choque de duas civilizações”, ele nos diz que os espanhóis
estavam:
“Impacientes por se tornarem ricos, os marinheiros de Colombo não se
conformaram com os presentes em ouro e prata dados pelos pacíficos habitantes
dos trópicos e começaram a saquear as aldeias indígenas. O total desprezo pela
população local pode ser retratado nos divertimentos preferidos dos espanhóis:
o tiro ao alvo sobre seres vivos, o espetáculo de verem cães de guerra
esquartejarem camponeses, caçada humana, estupros...” P. 05.
Os
espanhóis não eram mais evoluídos, civilizados, humanos ou mais próximos de
deus que os povos que habitavam a América. Pois eles fizeram muitas atrocidades
em busca de riquezas.
“Os europeus
dizimaram os construtores de uma civilização que em muitos aspectos superava a
sua.” P. 06.
O
texto do Peregalli nos diz acertadamente que “existiam nessas terras brilhantes
civilizações, em muitos aspectos superiores à européia”. P.69. O Peregalli
nos revela os argumentos dos americanistas e eurocentristas em relação à
chegada dos europeus a este lado continente.
É
bem patente a visão americanista do Peregalli, visto que ele se posiciona
terminantemente contra a visão eurocentrista. Por exemplo, ele considera uma
falácia, na argumentação eurocentrista, a ideia de que a destruição dos
indígenas foi “involuntária”. Pois, ela foi orquestrada e sistematizada para
facilitar a extração de riquezas dessas terras. O que se nota, e o texto nos
informa muito bem sobre isso – é que a visão eurocentrista é completamente
falaciosa. Os europeus chegaram nessas terras, e destruíram sem dó e piedade os
povos que aqui já estavam estabelecidos há muito tempo. Eles não queriam
“civilizar” esses povos. Queriam apenas as riquezas e o trabalho que os
indígenas podiam proporcionar.
O
texto exibe uma pequena biografia de Colombo, Pizarro e Cortés – as três
figuras que foram bastante importantes para a colonização da América. Colombo
foi um pragmático em assuntos de navegação, religioso em sua interpretação do
mundo que acabava de conhecer e muito conivente com os abusos sexuais e
violência de seus homens para com os índios. Cortéz foi um intelectual e um
geopolítico. E finalmente, Pizarro, um analfabeto muito ambicioso e considerado
o mais sanguinário dos conquistadores espanhóis.
Em
minhas considerações, admito que o Peregalli não é conclusivo em seus
argumentos. A sua obra não encerra o debate nessa polêmica questão. Algumas de
suas argumentações para legitimar o pensamento americanista precisam ser
melhoradas. No entanto, entre escolher a visão eurocentrista implícita no filme
Apocalypto e a visão do Peregalli, com certeza fico com a segunda. Pois vejo
que a América Latina até os dias atuais sofre as consequências dos mandos e
desmandos que os europeus fizeram aqui.
REFERÊNCIAS
PEREGALLI,
Enrique. A América que os europeus encontraram. São Paulo: Atual, 1994.