domingo, 18 de junho de 2017

Inferno Santo


Todo grupo religioso que arroga para si exclusividade exagerada é preciso ter muito cuidado com ele. Reunião de várias pessoas em torno de um guru que diz ser portador de uma mensagem especial, que irá transformar a vida de seus ouvintes, caso eles obedeçam as suas diretrizes, pode ter certeza, que tal “mestre” se trata de um manipulador psicopata. É o tipo de “mestre” espiritual que não aceita ser questionado, pois tem a iluminação única e exclusiva do Deus, do Universo, da Natureza, dos Deuses. O mundo está num atoleiro de erros, mas ele tem a solução para encontrarmos o nosso Eu interior, a verdadeira identidade espiritual. Isso também vale para grupos e ideologias políticas.

Nesse sentido, quase todas as igrejas têm um pouco de sectarismo. Elas sempre estão a manipular a mente de seus seguidores, com discursos do tipo: faça isso; não haja assim; não questione o homem de Deus; não questione a Bíblia; não pense, apenas aceite a verdade; se você sair da igreja, sua vida será um inferno... Assembleia de Deus, Adventista de Sétimo Dia, Igreja Mórmon, Congregação Cristã no Brasil, Igreja Católica, e os exemplos podem ser multiplicar. Todas essas mencionadas tem o seu quinhão sectário e perigoso. Cada uma acusa a outra de suas aberrações teológicas e vacilos históricos, mas dificilmente veem os seus erros como pecados vergonhosos. Sempre o quintal do outro está perdidamente sujo; no próprio quintal, uma leve varrida resolve o problema.

Vendo Holly Hell (Santo Inferno), não parei de pensar em como certas pessoas (inclusive eu) podem ser suscetíveis a ideias absurdas propagadas por algum manipulador astuto.

Michel Rostand enganou, manipulou e abusou de dezenas de pessoas, durante 22 anos, sem que ninguém o questionasse de dentro da seita. De 1985 a 2007, ele fez de fantoches vários homens e mulheres, que estavam totalmente submissos aos seus caprichos. O que começou com algumas palestras bobas de autoajuda nos rios, mansões, lagos, lagoas e florestas da Califórnia, se tornou numa verdadeira seita doentia.

Para não ser desmascarado, Michel Rostand vai para Austin, no Texas, e nesta cidade, agora com o nome mudado para Andreas, recomeça a sua saga enganadora, fazendo com que os seus seguidores de Los Angeles, o acompanhasse, deixando empregos, famílias e negócios para trás. Os anos foram se passando, e o narcisismo de Andreas aumentavam cada vez mais. As pessoas que o seguiam, estavam que nem patinhos obedientes, totalmente sem reação ao que lhes era mandado.

Andreas tinha demonstrado em suas palestras espirituais, um grande horror ao sexo, dizendo que este atrasava a evolução espiritual, mas por trás dos panos comia os homens de sua seita. Posteriormente foi descoberto que ele tinha sido um ator pornô de filmes gays. O infeliz até fez uma irrisória participação no clássico O Bebê de Rosemary.

Para encurtar a história, em 2007 ele foi desmascarado, e depois de 22 anos, seus fantoches viram a verdade de que ele era um aproveitador, que escravizou as suas mentes. Andreas foi para o Havaí, onde até hoje (inacreditável isso), conseguiu angariar novos otários para lhes servir. Muitos dos antigos fieis da seita continuaram com ele, mesmo sabendo de todas safadezas que ele fez. Com certeza o ajudaram a recrutar novas ovelhinhas para o seu pasto. Vai entender o ser humano, né? 

Um Estado de Liberdade


"Você pode ser dono de um cavalo, de uma mula, ou vaca ou boi, mas você não pode possuir um filho de Deus." - Newton Knight. 

Em 1776 na Guerra da Independência, os Estados Unidos consegue se libertar do jugo da Inglaterra. A partir daí, a ex-colônia inglesa deslanchar como potência no cenário global, aumentando sua economia e população. O norte se industrializa; o sul continua rural. Há um impasse entre norte e sul: ambos têm interesses distintos e antagônicos em como conduzir sua política, sociedade e economia. O norte pressiona o sul a acabar com a escravidão. O sul, baseado exclusivamente na monocultura do algodão, com grandes senhores latifundiários, não aceita em hipótese alguma que sua mão de obra gratuita e forçada, seja liberta. O norte almeja mais mercado consumidor, mas os negros sendo escravos, nada consomem, precisam ser “livres” para terem algum poder de compra. Esse é mais ou menos o contexto em que se desenrola a história real desse filme. Existiram outros fatores que levaram a Guerra de Secessão (1861-1865), mas o sistema escravagista é o que interessa a Um Estado de Liberdade.

Newton Knight, personagem protagonista, faz parte do exército dos confederados – os estados do sul, que não compactuavam com o fim da escravidão. Depois que seu sobrinho morre por levar um tiro numa trincheira, ele deserta e vai para casa levando o seu parente morto para a sua mãe. Os desertores eram severamente punidos. Os homens chamados para guerra tinham que permanecer nela até segunda ordem. Entretanto, para Newton, não havia motivos para ele lutar.

Ele acaba se metendo em mais confusões quando impede que soldados do governo arranquem os poucos recursos que os moradores têm, como milho, comida, tecidos, algodão, dinheiro... Estava estipulado pelo governo que 10% dos recursos dos sulistas podiam ser pegos pelos soldados, para ajudar na guerra. Porém, eles não pegavam apenas o dízimo da produção dos camponeses. Na verdade, era o contrário, eles só deixavam 10% dos recursos, as vezes nem isso.

Apontando as armas para esses furtadores do Estado, Newton arranja mais problemas, tendo que fugir para o pântano e se juntar a negros fugidos, que lá já estavam escondidos. Com a ajuda de outros negros e de uma comerciante da cidade mais próxima, eles formam um pequeno exército, que obtém êxito em desarticular os sulistas escravagistas. Um considerável pedaço do Mississipi e outras regiões são tomados por esse regimento de desertores negros e brancos. Newton mostra-se um intrépido defensor da liberdade.

Chega o ano de 1865, mês de abril, e a guerra chega ao seu fim, com os estados da União – que lutavam para que a escravidão terminasse - sendo os ganhadores desse episódio sangrento. A escravidão já não existia mais. Agora os negros são livres como os brancos, pelo menos em teoria. Um Estado de Liberdade nos conta uma realidade bem diferente. Os negros sulistas continuam trabalhando nas plantações de algodão, num regime de semiescravidão. Quase nada mudou.  A Klu Klux Klan é formada, assassinando vários negros. As dificuldades para os afrodescendentes eram gigantes.

Nas eleições que se aproximam, negros agora podem votar, mas quando o resultado das urnas saem, vê-se que seus votos não foram computados. Um caminho longo e difícil seria traçado, para quem sabe então, terem os seus direitos realmente respeitados.

Intercalando entre o século XIX e século XX, o filme se lança décadas a frente num tribunal onde o descendente de Newton e Rachel (uma escrava), fenotipicamente branco, mas com uma conjuntura genotípica mista, é julgado por ter violado as leis do Mississipi, ao se casar com uma branca. Ele mesmo sendo branco na aparência é considerado negro pelo Estado, por ser filho de uma mulher de “cor”. Ele é considerado culpado.  

Vemos que o caminho do racismo foi e ainda é, uma batalha muito além da Guerra da Secessão.