NUMBERS, Ronald L. (Org). Terra Plana, Galileu na Prisão e Outros Mitos Sobre Ciência e Religião. 1ª Ed. - Rio de Janeiro: Thomas Nelson, 2020. (PDF).
Um assunto que sempre chama a
atenção das pessoas é a relação, ou conflito entre a religião e a ciência. Em
muitas conversas sobre, podem sair faíscas, brigas, desentendimentos e chateações, quando os interlocutores defendem pontos de vista antagônicos. Essa
discussão e diálogo vem de longa data. Somos apenas mais uma geração discutindo
e lendo sobre essa temática que causa paixões.
Temos em português mais uma obra lançada,
buscando lançar nova luz nesse suposto conflito entre a razão cientifica e o
sentimento religioso. Este livro traz 25 capítulos que elucidam muitos dos mitos
que se alastraram por aí, que colocaram essas duas crianças travessas sempre em
pé de guerra.
A distribuição de cientistas e
historiadores é bem eclética, comportando teístas cristãos, agnósticos e ateus,
todos juntos em uníssona voz, para refutar as lendas que ainda estão na boca do
povo e na boca de muitos de seus pares acadêmicos.
A leitura de cada capítulo é bem agradável
e fácil de ler. A participação de cada autor é curta, mostrando objetivamente o
resultado de suas pesquisas, que deixará muitos inimigos da religião
descontentes. Mas deixará também aqueles crentes criacionistas, desanimados com
alguns capítulos, visto que a obra não é a favor do criacionismo e nem do seu
irmão mais novo, o Design Inteligente.
O primeiro capítulo trata do mito
de que “a ascensão do cristianismo foi responsável pelo fim da ciência antiga”.
O autor do texto, David C. Lindberger, Ph.D em História e Filosofia da Ciência
na Universidade de Indiana, EUA, discorda totalmente. Usando muitas citações de
teólogos cristãos dos primeiros séculos, os acusadores querem montar um
argumento de que esses cristãos eram completamente avessos ao estudo da
filosofia clássica e da filosofia natural. Lindberger mostra o devido contexto
de muitas dessas citações. Uma de suas conclusões é esta:
“Nenhuma
instituição ou força cultural do período patrístico ofereceu mais encorajamento
para a investigação da natureza que a igreja cristã. A cultura contemporânea
pagã não era mais favorável à especulação desinteressada do cosmos que a
cultura cristã. Vale dizer que a presença da igreja cristã aprimorou, ao invés
de prejudicar, o desenvolvimento das ciências naturais.” P. 28.
No capítulo dois, o mito em questão
é: Que a Igreja Cristã Medieval Impediu o Avanço da Ciência. Michael H. Shank,
Ph.D em História da Ciência em Harvard, tem isto a nos dizer:
“O imaturo
conceito da Idade Média como um milênio de estagnação trazida pelo cristianismo
praticamente desapareceu entre estudiosos familiarizados com o período, mas se mantém
vigoroso entre popularizadores de história da ciência, talvez porque, ao invés
de consultar estudiosos sobre o assunto, os mais recentes popularizadores se
baseiam acriticamente em seus antecessores.” P. 31.
A Terra era plana para os cristãos
medievais? A igreja ensinou isto? A reposta dada no terceiro capítulo, por
Lesley B. Cormack, Ph.D em História e Filosofia da Ciência na Universidade de
Toronto, Canadá, é negativa.
“Poucas
pessoas ao longo da Idade Média acreditavam que a Terra era plana. [...] Colombo
não poderia ter provado que a Terra era redonda, pois já o sabia.” P.
40.
“Muitos
autores populares de vernáculo na Idade Média também apoiavam a ideia de uma
Terra redonda. O livro de Jean de Mandeville, Viagens à terra prometida e ao
paraíso terreno além, escrito em cerca de 1370, foi um dos livros mais lidos na
Europa dos séculos 14 a 16. Mandeville foi explícito ao declarar que a Terra
era redonda e navegável. [...]Com exceção de Lactâncio e Cosme, todos os
grandes estudiosos e muitos autores de vernáculo interessados pelo formato
físico da Terra, desde a queda de Roma até o tempo de Colombo, articularam a
teoria de que a Terra era redonda. [...] Porém, com exceção de Cosme, nenhum
escritor medieval negou que a Terra era esférica, e a Igreja Católica nunca se
posicionou a respeito.” P. 41-42.
A igreja medieval proibia
dissecação de corpos? Não, essa é a resposta de Katkarine Park, Ph.D em
História da Ciência na Universidade de Harvard, capítulo cinco.
“A maioria
das autoridades na igreja medieval não somente toleravam, mas encorajavam a abertura
e desmembramento de corpos humanos para fins religiosos: o embalsamento de
corpos santos por evisceração; sua divisão para render relíquias corporais; a
inspeção dos órgãos internos de homens e mulheres santos buscando sinais de
santidade; e a operação que mais tarde veio a ser chamada cesariana, cujo
objetivo era batizar fetos extraídos dos corpos de mulheres que morreram no
parto. Todas estas práticas apontam para a falsidade da alegação de que a
igreja como instituição estava comprometida com a integridade do corpo humano
após a morte, assim como a prática comum de dividir os corpos de príncipes e
nobres antes do enterro. Ao mesmo tempo, a cultura medieval colocava limites
distintos na aceitação do tratamento de cadáveres humanos, o que dramaticamente
restringia o número de cadáveres disponíveis para dissecação. Porém, estes
limites refletiam valores seculares de honra pessoal e familiar, e decoro
ritual, e foram aplicados por governos locais, não por autoridades religiosas.”
P. 55.
Somente o cristianismo foi o responsável
pelo surgimento da ciência moderna? Negativo. Quem trabalha essa questão no capítulo
nove, é Noah J. Efron, Ph.D em História e Filosofia da Ciência na Universidade
de Tel Aviv, Israel. Depois de enumerar os vários elementos que tornam o
cristianismo um dos grandes responsáveis pelo concebimento da ciência na
modernidade, ele faz essa ressalva:
“Por todos estes motivos, não se pode recontar
a história da ciência moderna sem reconhecer a importância crucial do
cristianismo. Mas isto não significa que o cristianismo e apenas o cristianismo
produziu a ciência moderna, assim como a observação de que a arte moderna não
pode ser recontada sem reconhecer Picasso não significa que Picasso criou a
arte moderna. A história é simplesmente mais que isso.” P. 90.
Os católicos não contribuíram para
a revolução da ciência? No capitulo 11, Lawrence Principe, Ph.D em História da
Ciência na Universidade John Hopkins, afirma que eles contribuíram e muito.
“A Igreja
Católica talvez seja a maior e mais longa patrocinadora da ciência na história,
que muitos dos que contribuíram para a Revolução Científica eram católicos, e
que diversas instituições e perspectivas católicas foram influências-chave na
ascensão da ciência moderna.” P. 108.
No mito 21, Matthew Stanley, Professor de História da Ciência na Universidade de Nova York, desmente o popular boato de que Albert Eisntein acreditava em um deus pessoal.
"Em quase todos os casos o termo Deus parece ter funcionado para Einstein como um tipo de marcador linguístico, fornecendo uma forma evocativa e memorável de se referir à ordem e compreensibilidade do universo." P. 195.
"Além de negar um Deus pessoal, ele rejeitou os fundamentos do teísmo ocidental como vida após a morte e livre-arbítrio humano." P. 197.