sexta-feira, 16 de abril de 2021

Terra Plana, Galileu na Prisão e Outros Mitos Sobre Ciência e Religião


NUMBERS, Ronald L. (Org). Terra Plana, Galileu na Prisão e Outros Mitos Sobre Ciência e Religião. 1ª Ed. - Rio de Janeiro: Thomas Nelson, 2020. (PDF).

Um assunto que sempre chama a atenção das pessoas é a relação, ou conflito entre a religião e a ciência. Em muitas conversas sobre, podem sair faíscas, brigas, desentendimentos e chateações, quando os interlocutores defendem pontos de vista antagônicos. Essa discussão e diálogo vem de longa data. Somos apenas mais uma geração discutindo e lendo sobre essa temática que causa paixões.

Temos em português mais uma obra lançada, buscando lançar nova luz nesse suposto conflito entre a razão cientifica e o sentimento religioso. Este livro traz 25 capítulos que elucidam muitos dos mitos que se alastraram por aí, que colocaram essas duas crianças travessas sempre em pé de guerra.

A distribuição de cientistas e historiadores é bem eclética, comportando teístas cristãos, agnósticos e ateus, todos juntos em uníssona voz, para refutar as lendas que ainda estão na boca do povo e na boca de muitos de seus pares acadêmicos.

A leitura de cada capítulo é bem agradável e fácil de ler. A participação de cada autor é curta, mostrando objetivamente o resultado de suas pesquisas, que deixará muitos inimigos da religião descontentes. Mas deixará também aqueles crentes criacionistas, desanimados com alguns capítulos, visto que a obra não é a favor do criacionismo e nem do seu irmão mais novo, o Design Inteligente.

O primeiro capítulo trata do mito de que “a ascensão do cristianismo foi responsável pelo fim da ciência antiga”. O autor do texto, David C. Lindberger, Ph.D em História e Filosofia da Ciência na Universidade de Indiana, EUA, discorda totalmente. Usando muitas citações de teólogos cristãos dos primeiros séculos, os acusadores querem montar um argumento de que esses cristãos eram completamente avessos ao estudo da filosofia clássica e da filosofia natural. Lindberger mostra o devido contexto de muitas dessas citações. Uma de suas conclusões é esta:

“Nenhuma instituição ou força cultural do período patrístico ofereceu mais encorajamento para a investigação da natureza que a igreja cristã. A cultura contemporânea pagã não era mais favorável à especulação desinteressada do cosmos que a cultura cristã. Vale dizer que a presença da igreja cristã aprimorou, ao invés de prejudicar, o desenvolvimento das ciências naturais.” P. 28.

No capítulo dois, o mito em questão é: Que a Igreja Cristã Medieval Impediu o Avanço da Ciência. Michael H. Shank, Ph.D em História da Ciência em Harvard, tem isto a nos dizer:

“O imaturo conceito da Idade Média como um milênio de estagnação trazida pelo cristianismo praticamente desapareceu entre estudiosos familiarizados com o período, mas se mantém vigoroso entre popularizadores de história da ciência, talvez porque, ao invés de consultar estudiosos sobre o assunto, os mais recentes popularizadores se baseiam acriticamente em seus antecessores.” P. 31.

A Terra era plana para os cristãos medievais? A igreja ensinou isto? A reposta dada no terceiro capítulo, por Lesley B. Cormack, Ph.D em História e Filosofia da Ciência na Universidade de Toronto, Canadá, é negativa.

“Poucas pessoas ao longo da Idade Média acreditavam que a Terra era plana. [...] Colombo não poderia ter provado que a Terra era redonda, pois já o sabia.” P. 40.

“Muitos autores populares de vernáculo na Idade Média também apoiavam a ideia de uma Terra redonda. O livro de Jean de Mandeville, Viagens à terra prometida e ao paraíso terreno além, escrito em cerca de 1370, foi um dos livros mais lidos na Europa dos séculos 14 a 16. Mandeville foi explícito ao declarar que a Terra era redonda e navegável. [...]Com exceção de Lactâncio e Cosme, todos os grandes estudiosos e muitos autores de vernáculo interessados pelo formato físico da Terra, desde a queda de Roma até o tempo de Colombo, articularam a teoria de que a Terra era redonda. [...] Porém, com exceção de Cosme, nenhum escritor medieval negou que a Terra era esférica, e a Igreja Católica nunca se posicionou a respeito.” P. 41-42.           

A igreja medieval proibia dissecação de corpos? Não, essa é a resposta de Katkarine Park, Ph.D em História da Ciência na Universidade de Harvard, capítulo cinco.

“A maioria das autoridades na igreja medieval não somente toleravam, mas encorajavam a abertura e desmembramento de corpos humanos para fins religiosos: o embalsamento de corpos santos por evisceração; sua divisão para render relíquias corporais; a inspeção dos órgãos internos de homens e mulheres santos buscando sinais de santidade; e a operação que mais tarde veio a ser chamada cesariana, cujo objetivo era batizar fetos extraídos dos corpos de mulheres que morreram no parto. Todas estas práticas apontam para a falsidade da alegação de que a igreja como instituição estava comprometida com a integridade do corpo humano após a morte, assim como a prática comum de dividir os corpos de príncipes e nobres antes do enterro. Ao mesmo tempo, a cultura medieval colocava limites distintos na aceitação do tratamento de cadáveres humanos, o que dramaticamente restringia o número de cadáveres disponíveis para dissecação. Porém, estes limites refletiam valores seculares de honra pessoal e familiar, e decoro ritual, e foram aplicados por governos locais, não por autoridades religiosas.” P. 55.

Somente o cristianismo foi o responsável pelo surgimento da ciência moderna? Negativo. Quem trabalha essa questão no capítulo nove, é Noah J. Efron, Ph.D em História e Filosofia da Ciência na Universidade de Tel Aviv, Israel. Depois de enumerar os vários elementos que tornam o cristianismo um dos grandes responsáveis pelo concebimento da ciência na modernidade, ele faz essa ressalva:

“Por todos estes motivos, não se pode recontar a história da ciência moderna sem reconhecer a importância crucial do cristianismo. Mas isto não significa que o cristianismo e apenas o cristianismo produziu a ciência moderna, assim como a observação de que a arte moderna não pode ser recontada sem reconhecer Picasso não significa que Picasso criou a arte moderna. A história é simplesmente mais que isso.” P. 90.

Os católicos não contribuíram para a revolução da ciência? No capitulo 11, Lawrence Principe, Ph.D em História da Ciência na Universidade John Hopkins, afirma que eles contribuíram e muito.

“A Igreja Católica talvez seja a maior e mais longa patrocinadora da ciência na história, que muitos dos que contribuíram para a Revolução Científica eram católicos, e que diversas instituições e perspectivas católicas foram influências-chave na ascensão da ciência moderna.” P. 108.

No mito 21, Matthew Stanley, Professor de História da Ciência na Universidade de Nova York, desmente o popular boato de que Albert Eisntein acreditava em um deus pessoal.  

"Em quase todos os casos o termo Deus parece ter funcionado para Einstein como um tipo de marcador linguístico, fornecendo uma forma evocativa e memorável de se referir à ordem e compreensibilidade do universo." P. 195. 

"Além de negar um Deus pessoal, ele rejeitou os fundamentos do teísmo ocidental como vida após a morte e livre-arbítrio humano." P. 197. 

Darwin Sem Frescuras

 


LOPES, Reinaldo José; PIRULA. Darwin Sem Frescura: Como a Ciência Evolutiva Ajuda a Explicar Algumas Polêmicas da Atualidade. Rio de Janeiro: HarperCollins, 2019. (PDF).

Uma decepção!

Um livro que tem por finalidade ser simples, direto, agradável, e apresentar o velho "Darwin sem frescuras", faz exatamente o contrário. Bote frescura nisso! Leitura chata, maçante e desempolgante.

Poucos capítulos escapam.

Pirula, Doutor em Zoologia na USP, que já acompanhei em diversos vídeos, sempre se pautou pela clareza na exposição de suas ideias. No entanto, na escrita deste livro, vi um Pirula totalmente oposto.

Reinaldo José Lopes, Doutor em Estudos Linguísticos e Literários em Inglês na USP, um autor que também se pauta pela clareza e leitura atraente, a qual já pude constatar em um de seus livros, também falha miseravelmente nas páginas desta obra.

O livro se propõe aos leigos, mas passa longe disso. Eles querem ser engraçados, mas suas piadinhas artificiais não colam em nenhum momento.

Uma pena! Ambos têm uma habilidade brilhante para comunicar suas ideias, no entanto, deixaram ela de lado neste livro.

Vamos recortar algumas coisinhas desta obra.

Os autores rechaçam a acusação costumeira dos criacionistas, de que a evolução é falsa por falta de fósseis transicionais.

“Fósseis de transição são as lacunas de evidências mais trombeteadas pelos criacionistas. Para eles, a ausência dos 'elos perdidos' tornaria a Evolução uma ideia totalmente falsa. Falsa, na verdade, é essa afirmação dos criacionistas, e é falsa de muitas maneiras — não só porque os fósseis de transição não são fundamentais para provar a veracidade da Evolução, mas também porque existem centenas desses fósseis. Explicando o primeiro erro da afirmação: a genética, a embriologia, a anatomia comparada, a dinâmica populacional e mesmo experimentos com bactérias já seriam suficientes para demonstrar a Evolução. Os fósseis constituiriam apenas um bônus nesse mar de evidências paralelas.” P. 50.

A explosão cambriana, tão propalada pelo criacionistas, não é tão “explosiva” assim, pois ela levou 40 milhões de anos, o que acaba solapando a rapidez com que os criacionistas acham que a vida ocorreu.

“E essa explosão está registrada num crescente de diversidade que vai de 540 milhões a 500 milhões de anos atrás. Ou seja, a tal explosão, que na visão dos criacionistas seria a ‘criação de vida do nada’, levou 40 milhões de anos para acontecer. Isso está mais para um bolo assando que para uma explosão.” P. 81.

Há um capítulo inteiro sobre a homossexualidade.

“A homossexualidade aparece em todas as culturas e sociedades humanas, presentes e pretéritas (até onde podemos averiguar), em uma curiosa proporção que sempre oscila entre 4% e 10% da população. Ou seja, há uma quantidade mais ou menos fixa de pessoas na humanidade que preferem se relacionar com outras do mesmo sexo.” P. 119.

Existem ainda muitos que acreditam que a homossexualidade é simplesmente uma escolha do individuo. No Brasil, o propagador mais conhecido, e, diga-se de passagem, o mais estúpido, é o Silas Malafaia. Eles usam também a homossexualidade como evidência de que a evolução não é verdadeira.

“Expliquemos o questionamento: o fato de alguns preferirem se relacionar com pessoas do mesmo sexo traz uma consequência óbvia, que é a menor probabilidade de deixar descendentes. Se você deixa menos descendentes, é esperado que sua linhagem genética desapareça com o tempo. Seguindo essa lógica, se houvesse algo genético que favorecesse a homossexualidade, esses genes já deveriam ter sido extintos da população há muito tempo por mera desvantagem evolutiva. E aí? Para resolver essa questão, só existem dois caminhos, correto? 1) A homossexualidade não é inata (e, portanto, seria uma ‘escolha’ dos indivíduos, não tendo nada de genético); 2) a Evolução não existe. ‘Peguei vocês, seus escritores evolucionistas marxistas seguidores da agenda gayzista do George Soros’, diria algum leitor mais raivoso e conspiracionista.” P. 119.

Uma informação de grande importância que aparece no livro, em vista do atual contexto identitário e idiota que estamos vivendo, espalhado pelo movimento negro e pessoinhas da esquerda:

“Ao pessoal que condena o uso do termo mulato por considerá-lo pejorativo, há vários estudos defendendo a ideia de que ele não deriva da palavra ‘mula’, como se costuma pensar, mas do termo árabe muwallad — nascido —, que designava o mestiço de árabe com não árabe na Espanha muçulmana e na África.” P. 120.

Os homossexuais têm um jeito específicio de ser, têm traços identificáveis - aquilo que pejorativamente chamamos de boiolagem, viadagem, baitolagem?

“Mas, em linhas gerais, há uma curva gaussiana (aquelas curvas de gráfico em formato de sino, em que a parte mais alta indica a maioria) indicando que homossexuais apresentam, sim, trejeitos identificáveis na maioria dos casos. Isso poderia ser uma característica cultural? (Afinal, o meio gay acabaria por ‘contaminar’ as pessoas com estereótipos que elas incorporariam por identificação.) Até poderia, mas tudo indica que essa explicação não faz muito sentido. Isso porque foram realizados estudos internacionais aplicando os mesmos testes em várias culturas e continentes diferentes (Américas do Norte e do Sul, Oceania, Europa e Ásia) e os traços de feminilidade ou masculinidade que distinguem os homossexuais foram observados com mínimas diferenças em todos os países estudados. É claro que mais estudos precisam ser feitos para comparar os resultados com os de outras sociedades, mais fechadas e menos expostas à cultura de origem europeia.

[...]

Esses traços — tanto de voz quanto de expressão corporal — que podem ajudar a identificar uma boa porcentagem de homossexuais são observados também (prenda a respiração e tente ler o parágrafo até o final antes de fechar o livro e jogá-lo fora)… em crianças . Sim, sabemos que é quase impossível falar sobre sexualidade de crianças, porque, por definição, crianças não possuem nenhuma libido ou interesse sexual. Toda e qualquer tentativa de sexualização de crianças de que temos notícia gera traumas e comportamentos anômalos decorrentes desses traumas. Porém, mesmo antes de os hormônios responsáveis pela libido aflorarem, esses traços ‘acessórios’, por assim dizer, de orientação sexual podem ser detectados. Igualmente em uma porcentagem bem alta (88% em alguns estudos), esses traços acabam por corresponder às preferências sexuais que os indivíduos terão depois da puberdade (e bissexuais ficam em um meio-termo, metade correspondendo, metade não). Essas crianças são chamadas de pré-homossexuais (existe, portanto, o termo pré-heterossexual também) na literatura acadêmica, pois não é possível classificá-las até chegarem a uma fase adulta, mas é possível identificar esses traços que indicam uma probabilidade alta (que nunca é de 100%, vale sempre lembrar) de que serão homossexuais. Um fato interessante é que, em meninas, essa detecção é menos acurada do que em meninos, ou seja, um menor número de meninas com comportamento pré-homossexual vai efetivamente ser lésbica na vida adulta. Mas, mesmo assim, o percentual também é alto.

Em resumo, há características objetivas de voz e linguagem corporal que podem ser observadas na maioria dos homossexuais, homens ou mulheres, que se repetem em diferentes culturas e modelos de sociedade e que são detectáveis pela maioria das pessoas, sejam homossexuais ou não.” P. 126-127.

Eles fornecem muitas explicações científicas que formam uma base sólida da homossexualidade não como uma escolha livre e espontânea das pessoas, mas de determinantes biológicos. Isso tem feito os religiosos evangélicos ficarem numa bica de sinuca, pois sempre afirmaram que a homossexualidade é escolha pecaminosa dos indivíduos, dizendo que se eles quiserem, podem parar e passar a gostar sexualmente de pessoas do sexo oposto.