NOLAN, Albert. Jesus
antes do cristianismo. 9º
Impressão. São
Paulo: Paulus, 2014.
Esse é o livro mais conhecido do Albert Nolan, um respeitado
Teólogo católico sul-africano, que escreveu essa obra na década de 1970, num
contexto extremamente sombrio em termos políticos, sociais e econômicos, não
apenas na África do Sul, mas em todo planeta, de acordo com o autor.
“[...] Hoje nos encontramos frente a novas ameaças que, dizem,
nos destruirão de modo muito mais garantido e inevitável do que uma guerra
nuclear: a explosão populacional, a diminuição dos recursos naturais e dos
suprimentos de alimentação, a poluição do meio ambiente e a escalada de
violência. Qualquer um desses problemas seria por si só ameaça suficiente a
nosso futuro. Tomados em conjunto significam catástrofe.” P. 18.
Ele escreveu isso há quase 40 anos. Ainda estamos aqui.
Mesmo que seja difícil, espero que tenhamos muitos e muitos anos pela frente.
Nada de catástrofe.
“[...] Jesus de Nazaré enfrentou basicamente o mesmo problema
– ainda que tenha sido em escala muito menor. Ele viveu em época que parecia
que o mundo estava prestes a chegar ao fim.” P. 22.
Dentro desse contexto, o que o homem da poeirenta e pobre
Israel do século I, tem a nos dizer? O Jesus
antes do cristianismo (antes
das formulações teológicas) pode nos dá algum direcionamento? Assim como
podemos estar à beira da catástrofe, Jesus também esteve.
Na introdução nos é dito:
“A fé em Jesus não é nosso ponto de partida, mas será, espero,
nossa conclusão.” P.
11.
Não obstante, Nolan não cumpre o que diz. Sua análise em
todos os capítulos está recheada de fé.
“Sua única motivação para curar as pessoas era a compaixão.” P. 59.
“O gesto de amizade de Jesus tornava bastante evidente...” P. 64.
“Não pode haver dúvida de que Jesus era pessoa notavelmente
alegre e que sua alegria, assim como sua fé e esperança, era contagiante. [...]
Jesus não só os curava e perdoava, como também lhes dissipava os temores e
aliviava as preocupações. Sua simples presença os libertara.” P. 67.
E também de análises teológicas fincadas em estudos
acadêmicos.
“É, portanto, bem provável que as histórias de milagres que
chegaram até nós através dos evangelhos tenham recebido ENFEITES e EXAGEROS – e
que, também, incluam relatos de acontecimentos que não eram originalmente nem
milagres, nem maravilhas extraordinárias (por ex., a caminhada sobre as águas,
a multiplicação dos pães, a maldição da figueira e a transformação da água em
vinho). O estudo crítico dos textos tende a confirmar isso.” (Ênfase acrescentada) P. 58.
“A mesma ideia é apresentada para os leitores do evangelho na
história do paralítico (Mc 2, 1-12 par). Se um homem pode se levantar e andar,
então isso mostra que os seus pecados devem ter sido perdoados. Ele
provavelmente sofria de complexo de culpa, que provocou paralisia
psicossomática. Assim que Jesus lhe garantiu que seus pecados estavam
perdoados, que não estava em dívida com Deus, seu sentimento fatalista de culpa
foi removido e ele pôde andar de novo.” P. 65
“[...] Mesmo que Jesus não tenha realmente lido e comentado
esse texto na sinagoga [Lucas: 4. 16-30], a avaliação de Lucas sobre a
importância dessas passagens para a compreensão da práxis de Jesus é certamente
correta.” P.
71.
Abrindo um parêntese: como claramente se vê, Nolan questiona
a veracidade das próprias fontes primárias sobre a vida de Jesus. É um homem de
fé, mas que não se incomoda em dizer abertamente que os evangelhos contêm
inconsistências históricas. E ainda reinterpreta algumas curas ou milagres
registrados nos evangelhos. Ele faz isso durante todo o livro.
Os evangélicos conservadores, que acreditam na inerrância das escrituras (a Bíblia não possui
erros de espécie alguma), acham que proceder assim é incorrer numa incoerência
sem tamanho. Como podemos acreditar nos evangelhos como a palavra de Deus, se
ele possui inconsistências de qualquer ordem (moral, histórica, geográfica,
etc.)?
Esse é um tipo de preocupação exclusivo dos arraiais
evangélicos norte-americanos, e consequentemente, aqui do Brasil, com as
igrejas que “compram” a teologia daqueles. A igreja católica há muito tempo não
tem problema em aceitar a inspiração do texto, mesmo que este contenha alguns
errinhos aqui e ali.
Tema difícil, confesso. Mas me ponho ao lado daqueles que
não veem o texto como algo perfeito e sem contradição e equívocos.
Voltando ao livro, Nolan contextualiza a sua análise sobre a
vida e obra de Jesus, trazendo informações sobre os vários grupos judaicos da
época, que seriam basicamente estes:
ZELOTES – “[...] um homem chamado Judas, o Galileu, que fundou um
movimento de inspiração religiosa, de pessoas que lutavam pela liberdade
[contra o império romano]. [...] Os judeus os chamavam de zelotas; os romanos
de bandidos.” P.
26.
FARISEUS – “Seu nome significa ‘os separados’, isto é, os santos, a
verdadeira comunidade de Israel. Sua moral era legalista e burguesa, uma
questão de recompensa e castigo. [...] acreditavam [...] em [um] futuro Messias
que Deus ia mandar para libertá-los dos romanos.” P. 28.
ESSÊNIOS – “Os essênios foram muito mais longe do que os fariseus em sua
busca de perfeição. [...] rejeitavam todas as pessoas que não pertenciam à sua
‘seita’. [...] Estavam se preparando para a vinda do Messias [...] como filhos
da luz, iriam destruir os filhos da trevas [os primeiros seriam os romanos].” P. 28.
SADUCEUS – “[...] eram os mais conservadores. Eles se agarravam às
antigas tradições hebraicas e rejeitavam todas as novidades, tanto na crença
como no ritual. [...] eles colaboravam com os romanos e faziam o possível para
manter o status quo.” P. 29.
Em contrapartida Jesus dirigiu a sua atenção,
prioritariamente para os pobres
e oprimidos. Enquanto as
lideranças judaicas desprezavam e rejeitavam esse enorme contingente de
pessoas, Jesus os abraçou e lhes propôs uma mudança de mentalidade, que seria a
única esperança para que Israel não fosse destruída pelos romanos, segundo nos
explica Nolan.
Durante todo o seu livro, Nolan trabalha os vários momentos
narrados pelos quatro evangelhos e tentar entender o que Jesus de fato queria
para o povo de Israel. Valendo-se de seus conhecimentos teológicos e das
recentes pesquisas acadêmicas sobre Jesus, ele interpreta os vários conteúdos
referentes ao seu ministério. Uma cuidadosa abordagem é feita para não conduzir
a pesquisa vinculada a crença dos evangelistas de que Jesus era o Messias.
Claro que esse tipo de leitura está fadada a todo tipo de
crítica e questionamentos justificados. Mas por ora, não tenho paciência e
muito menos capacidade para me ater a essa discursão.
Numa contextualização sociocultural da Israel do século I,
temas como o Reino de Deus, o Reino e o dinheiro, política e religião, o
incidente do templo, etc, vão sendo estudados e escrutinados.
Os comentários do Nolan fogem do usual; daquilo que estamos
acostumados a ouvir sobre Jesus e sua vida. Para ele, Jesus esperava que o
Reino de Deus fosse se concretizar em toda sua plenitude ainda naqueles anos.
“[...] Jesus, como uma espécie de profeta-mártir, esperava
ressuscitar no último dia, e que o último dia viria logo.”. P. 169.
Como sabemos isso não aconteceu. Caso ele tenha mesmo crido
que a consumação de todas as coisas (fim do mundo; estabelecimento do Reino)
aconteceria em seus dias, podemos dizer sem rodeios que Jesus se
equivocou/enganou.
Será que esse suposto equívoco, o descredencia como o
Salvador do mundo? Para o Nolan, não. No último capítulo, ele fala da fé em
Jesus, de uma maneira pulsante e muito viva, conclamando a todos a viver no seu
dia a dia os valores do Deus
encarnado. Para o autor,
Jesus é a única esperança para um mundo tão caótico como o nosso.