terça-feira, 3 de julho de 2018

Por que fazemos o que fazemos?



CORTELLA, Mario Sérgio. Por que fazemos o que fazemos? 1. ed. - São Paulo: Planeta, 2016. (PDF).

“Se você não acredita que educação é um bom investimento, tente investir em ignorância”. P. 70.

Desses intelectuais públicos, o que menos me empolga é o Sérgio Mário Cortella (Ph.D em Educação na PUC), a despeito disso, este é o terceiro livro dele que leio (imagine se ele me empolgasse). Os dois primeiros livros até que gostei. Na verdade, eram livros em forma de diálogos entre Cortella e Clóvis de Barros de Filho (Ph.D em Comunicação Social na USP), na obra Ética e Vergonha na Cara, e uma boa conversa com Janine Ribeiro (Ph.D em Filosofia na USP), em Política Para Não Ser Idiota. Ambas as obras tive o maior prazer em ler do que está que venho a comentar agora, por julgar muitas das “dicas” e insights dadas pelo Cortella, bastante triviais.

Por Que Fazemos o Que Fazemos é um livro sobre motivação no ambiente de trabalho, visto que muitas vezes nossos afazeres rotineiros nos cansam, nos desmotivam, nos desanimam, nos fazem pensar e repensar, se fazemos o que fazemos por mera obrigação, necessidades... Seja o nosso emprego bem remunerado ou não, é constante os pensamentos que nos vêm e nos fazem questionar se estamos sendo nós mesmos quando fazemos o que fazemos em nossos labores trabalhistas. Não é coisa rara o desânimo nos acometer, mesmo ganhando um bom salário. O dia a dia, a rotina, o sentimento de que estamos vendendo um produto ou serviço “inútil” parecem minar a nossa felicidade e empolgação.

Reconhecendo esses problemas de falta de sentido, Cortella lança uma luz em meio ao desânimo no ambiente de trabalho.

Vamos ao livro.

Umas das utopias do Marx, que infelizmente não se realizou:
           
"Em uma de suas obras, Marx sonhou que chegaríamos a uma tecnologia tal que o homem dividiria o dia de modo que fosse possível trabalhar apenas quatro horas. E as outras vinte seriam dedicadas ao lazer, à convivência com os filhos. Ele dizia, inclusive, que iríamos pescar. Esse sonho de Marx é, em grande medida, resultado da crença na racionalidade tecnológica, a partir da qual teríamos a possibilidade de partilhar as tarefas, o que economizaria tempo coletivo." P. 12.

No Brasil, o trabalhador tem direito a trinta dias de férias remuneradas. Mas noutros países a coisa é diferente:

"As culturas agrícolas tradicionais, em sociedades mais simples, não têm a parada no fim de semana. [...] Nem todos os países têm trinta dias de férias. Há nações, como os Estados Unidos, em que as férias não são remuneradas. O empregado tem direito de tirar, mas não recebe. Há sociedades em que o período de férias é de cinquenta dias. Na sociedade japonesa, em que o trabalho intenso e contínuo é quase um dever moral, o funcionário não reclama, é resignado e a hierarquia é fechada." P. 16.

Cortella traz uma ótima reflexão sobre como devemos olhar o nosso trabalho, por mais que ele não seja aquilo que almejamos de fato. A experiência adquirida e o conhecimento aprendido, por si só, já valem, para que posteriormente sigamos adiante, e consigamos galgar novos espaços. Ele magistralmente escreve:

"Uma das áreas que mais têm dificuldade para estimular o funcionário é a de teleatendimento, call center. Por quê? Geralmente, trata-se de um jovem na faixa dos vinte anos de idade, no primeiro emprego, e que vai trabalhar ali por não ter experiência. Por conta dessa condição, ele receberá um treinamento para ser robótico. Logo, vai encarar aquilo como algo meramente transitório, enquanto ele não arruma um emprego melhor.

Qual a principal dificuldade da empresa com esse grupo? Alta rotatividade. O turnover às vezes chega a 70%, justamente porque as pessoas estão ali de passagem. O propósito delas é ir embora. Vão ficando enquanto for preciso. Na hora em que não precisarem mais, pegarão o boné. Como consultor, frequentei algumas empresas de telemarketing. Minha recomendação a elas foi para que mostrassem ao jovem que ele, de fato, estava ali de passagem, mas que não deveria perder a profundidade da experiência vivenciada.

Embora esteja ali transitoriamente, não adianta a empresa dizer para ele 'você está num ótimo lugar', 'vai crescer na empresa', 'podemos oferecer cargos e salários', porque ele sabe que não é verdade. O que deve ser colocado é: 'Nós sabemos que você está aqui por um período, você quer pagar a sua faculdade, e quando puder vai para outra atividade na qual tenha mais interesse'.

Mas isso não impede que, 'enquanto você estiver aqui, de passagem, perceba quanto essa experiência pode contribuir profundamente para a sua formação. Você vai conviver com pessoas diferentes, vai enfrentar situações de conflito ao telefone, vai lidar com informações relevantes. Você vai sair daqui preparado para dar outros passos em sua carreira'.

Nas empresas em que essa lógica foi colocada, houve uma diminuição significativa da rotatividade. Afinal, seria possível dizer que, assim como tenho uma postura de pouco envolvimento porque estou de passagem pela empresa, também estou de passagem na vida. Eu estou tão de passagem quanto o meu primeiro emprego.

Mas não é porque estou de passagem por esta vida que vou deixar de vivenciar a experiência com maior densidade, enquanto aguardo uma coisa melhor, que pode ser o paraíso, a eternidade etc. Essa experiência que tenho aqui me faz, ela me forma e eu a faço. Eu dou sentido a ela." P. 34-35.

Não há como só fazermos coisas que nos agradem no emprego:

"A empresa é um lugar onde posso construir uma parcela daquilo que pode me proporcionar situações de felicidade. Mas quando alguém diz 'Ah, eu quero fazer só o que gosto na vida', lamento, isso é impossível. Tenho um vínculo fortíssimo com a minha atividade de docente. Mas não gosto de fazer uma parte das coisas que faço. E outra parte imensa eu gosto muito de fazer.

Gosto muito de dar aula, mas não aprecio corrigir provas. Quem gosta de ler cinquenta redações sobre o mesmo tema? Depois, mais cinquenta, mais cinquenta… Mas eu não posso não corrigir, porque, se deixar de fazer isso, não terei visão de como os alunos estão aprendendo e de como estou ensinando. Quando estou escrevendo um livro, não gosto de fazer a releitura do material, a revisão, a correção gramatical." P. 37.

E aqui vai aquele mote: sem esforço, sem ganho:

"É possível notar um comportamento marcado pelo hedonismo nas gerações mais jovens. Um posicionamento expresso pelo clássico 'eu quero fazer o que gosto. Evidente, eu também. Aliás, uma frase que falei numa entrevista repercutiu bastante: 'Só um imbecil gostaria de fazer o que não gosta'. [...] Mas é preciso ter consciência de que no desenrolar da vida profissional, para fazer o que se gosta, é necessário passar por etapas não necessariamente agradáveis no dia a dia. O caminho não é marcado apenas por coisas prazerosas. O problema é que grande parte da geração atual foi criada sem a ideia de transição entre o desejo e o fato, entre a vontade e o sucesso, o anseio e a satisfação. Existem jovens de vinte anos de idade que nunca se deram ao trabalho de arrumar a cama ou lavar a louça. A raiz está na formação dentro da família." P. 37-38.

Sem esforço, sem ganho [2]:

"É ótimo para um jornalista fazer uma matéria e vê-la publicada num jornal ou numa revista, mas o trabalho de apuração, acordar de madrugada, checar informações, receber vários nãos enquanto se procura fontes, tudo isso é desagradável. A agradabilidade tem um caminho anterior que não necessariamente é agradável. Talvez a frase mais clássica que traduza isso é a norte-americana 'no pain, no gain' (sem dor, sem ganho)." P. 40.