segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Por que confiar na Bíblia?


ORR-EWING, Amy. Por que confiar na Bíblia? Viçosa, MG: Ultimato, 2008.

Há mais ou menos 15 anos, começou a proliferar no mercado protestante editorial brasileiro, uma enxurrada de obras apologéticas; livros que têm por objetivo mostrar as razões científicas, teológicas, históricas, filosóficas (lógica e ética) e antropológicas, que corroboram/autenticam/ provam/evidenciam/consubstanciam a fé cristã alicerçada na Bíblia. 

Nas principais editoras (Vida, Vida Nova, CPAD, Cultura Cristã, Hagnos, Ultimato, etc.), muitos desses livros são bem vendidos e aceitos pelo público consumidor, ávidos em mostrar para os descrentes, que a Bíblia é verdadeira naquilo que ensina, prega e ordena. Uma parte considerável de seus escritores são pessoas com Doutorados nas áreas de Ciências, Filosofia e outras áreas afins. São autores que conhecem bem, o que os céticos, ateus e antirreligiosos andam dizendo acerca do Cristianismo, e, assim, tentam neutralizar os ataques desferidos por eles, com uma variedade enorme de argumentos. Apesar de muitas vezes serem apologias repetitivas e meras cópias umas das outras (igual a essa postagem). Se bem que os ataques a fé, também geralmente são os mesmos.

O livro em foco, escrito por Amy Orr-Ewing, que não é nenhuma Ph.D,  repete muitos dos velhos argumentos apologéticos. Mas traz um bom resumo do que seria uma defesa aparentemente razoável do Cristianismo (mesmo que não traga o famoso argumento cosmológico em suas páginas). Ele não figura entre os livros mais comentados, requisitados e aplaudidos entre o povo evangélico, no entanto, é o que temos por aqui. Espero em não muito tempo, resumir/resenhar outros livros do mesmo teor.

Por Que Confiar na Bíblia? começa a sua defesa, destacando a incoerência dos pós-modernos que gritam aos quatro cantos, que não podemos saber o verdadeiro significado de um texto. Sendo a Bíblia um texto, aliás, vários textos, e ainda por cima escrita por várias pessoas, durante vários séculos, é impossível sabermos o que as suas palavras realmente significam. Filósofos como Wittegenstein, Lyotard, Foulcalt e Derrida, estão na linha de frente nessa guerra contra o verdadeiro significado de qualquer texto. Sendo o primeiro, de longe o mais sofisticado. Em resumo, jogos de linguagem, jogos de poder e metanarrativas, são artifícios que criam uma ilusão de que a verdade pode ser encontrada em qualquer instância, inclusive na hermenêutica de um texto. As palavras, frases e livros, não possuem significado inerente, mas o sentido que atribuímos a eles. Nós fabricamos e inventamos a verdade, e ponto final.

Em resposta, Orr-Ewing fornece uma ótima objeção a esse modo contra-intuitivo de ver as coisas:

“Se as palavras não possuem significado próprio, então aqueles que concordam com este argumento deveriam ficar calados. Como poderíamos expressar uma ideia em palavras e ao mesmo tempo negar a essas mesmas palavras a possibilidade de significado?” P. 24.

A balela fajuta desses Filósofos vai bueiro abaixo, com essa simples objeção.

Agora, isso não quer dizer que seja fácil sabermos o significado que os autores de dois milênios quiseram passar. A Bíblia é um livro extremamente difícil de interpretar. Umas das maiores provas empíricas disso são as várias igrejas, religiões e Teólogos que desde o início do Cristianismo dizem saber o que o texto diz ou ensina. Pode até haver uma certa concordância em muitos pontos. Mas não é suficiente. Os estudiosos, principalmente os fundamentalistas religiosos, só faltam se matar, para provar que a sua interpretação é a correta.

Outro ponto que ela aborda, é semelhante ao primeiro. Podemos ter acesso confiável ao passado? Alguns retardados mentais, contaminados pelas ideias lamacentas do relativismo pós-moderno, dizem-nos que é impossível determinar o que aconteceu tanto num passado remoto, como no passado recente. É a era da incerteza! Ironicamente esses intelectuais dizem não poderem descobrir o que aconteceu na história, mas “brilhantemente”, com um cinismo nojento, descobriram que tudo não passa de invenção. Como ficaram sabendo que as coisas são assim?

Basta lembrar que sobriamente a grande comunidade de Historiadores (ela não menciona isso) não abraçou essa ideia ridícula. Estão cônscios de que o positivismo do século XIX não é mais o caminho para o fazer historiográfico, mas nem por isso, acham que tudo que se escreve sobre o passado é mera ficção.

Dessa forma, podemos ter acesso histórico confiável (nem que seja dentro de certos limites) aos muitos acontecimentos mencionados nos textos bíblicos, através do que a Orr-Ewing chama de linhas convergentes de evidência. Principalmente ao evento ímpar, a vida de Jesus. Podemos ter conhecimento histórico sobre Cristo. 

Mesmo cientes de que podemos saber o que um escritor bíblico quis transmitir e ter acesso aos eventos históricos, é possível que os manuscritos existentes da Bíblia mereçam a nossa consideração? Seriam confiáveis? Foram preservados de tal forma, que podemos olhar para nossas Bíblias modernas e saber que o conteúdo que está ali é basicamente o mesmo que o de 2000 anos atrás?  

A resposta é positiva. Há um vasto número de manuscritos antigos autênticos que quando comparados, guardam em seus papiros e pergaminhos, a mesma mensagem. Claro que existem muitas variantes nas milhares de cópias disponíveis, contudo parecem não prejudicar a essência do que está ali escrito. Há uma convergência assustadora entre os diversos códices; há uma multiplicidade de cópias tanto do Antigo Testamento como no Novo Testamento que excedem em muito o número de manuscritos de outras obras antigas.

Um adendo: não posso deixar de mencionar que o Bart Ehrman é um destacado erudito que contesta toda essa empolgação em torno da confiabilidade dos manuscritos do Novo Testamento. Livros seus, costumam ser bem persuasivos em nos convencer do contrário. E para horror dos mais apegados a confiabilidade, ele não está só nessa. Outros especialistas juntam-se a ele, nessa questão.  Aqui se pode ver um debate do Ehrman sobre esse tema:


Uma coisa são os diversos manuscritos serem em essência iguais aos escritos originais, outra completamente diferente é se o conteúdo deles é verdadeiro! 

“A prova de que os manuscritos bíblicos são confiáveis não é garantia de que seu conteúdo também o seja. Embora os manuscritos sejam cópias antigas genuínas, sem possibilidade de fraude, isso não significa que o que está escrito ali não seja uma tentativa de fraude”. P. 55.

Orr-Ewing destaca alguns pontos que nos dão indícios de que os relatos bíblicos merecem confiança. Eis alguns exemplos:


- A maneira negativa com que os evangelhos descrevem os apóstolos;

- A coerências dos evangelhos diante dos evangelhos apócrifos;

 - Documentos extrabíblicos da época, que relatam eventos locais e acontecimentos presentes nas escrituras. Josejo, Tácito, Suetônio e Plínio.

Obviamente é questão de fé acreditar se as histórias presentes no Antigo e Novo testamento são fidedignas. Por mais que se apresentem argumentos razoáveis a favor da ressurreição, por exemplo, apenas a fé pode dá o derradeiro passo.

Nos capítulos seguintes ela responde as respectivas perguntas:

E quanto ao cânon?

E quanto aos outros livros sagrados?

Seria a Bíblia um livro sexista?

E quanto às guerras?

A opinião da Bíblia sobre sexo não estaria ultrapassada?

É possível conhecer a verdade?

Com relação sobre a Bíblia e a sexualidade, a autora irá abordar a proibição bíblica do sexo antes do casamento e a condenação da prática homossexual. Particularmente quando olho para os textos bíblicos, pelo menos no Antigo Testamento, não há uma exigência tão rígida em se guardar até o matrimônio, em relação ao sexo masculino. No Novo Testamento, em teoria há uma rigidez maior. Nota-se nos escritos de Paulo que a frouxidão presente no Antigo testamento deve cessar.

Quanto à homossexualidade, a Bíblia é inflexível. É pecado; é aberração; é contrária a natureza. Isso é extremamente ofensivo aos milhões de homossexuais hoje em dia. Mas é o que ela diz.

Naturalmente todos os pontos frisados em Por Que Confiar na Bíblia? podem ser questionados. Todos os temas tratados são analisados de uma maneira muito simples e sem profundidade, cabendo ao leitor procurar outras obras que trabalhem mais detalhadamente cada assunto abordado.