segunda-feira, 24 de junho de 2019

Deus



FILHO, Juvenal Savian. Deus. São Paulo: Globo, 2008.

O tema Deus sempre suscitou o interesse dos grandes Filósofos da antiguidade, idade média, idade moderna e idade contemporânea. “Quem é Deus?”, “Que é Deus?” e questionamentos e reflexões filosóficas similares nunca deixaram de estar na pauta da tradição dos grandes pensadores que já deram as caras por aqui. Ora, uns rejeitando a sua existência, outros admitindo-a, outros se abstendo de bater o martelo... Como reiteradas vezes o Filósofo Luiz Felipe Pondé (Professor da USP) pontuou, apesar de ser ateu, a ideia/conceito de Deus produzido no Ocidente é filosoficamente muito sofisticada. Como não ficar abismado com o argumento ontológico do Arcebispo Anselmo (1033-1109)? Podemos até não concordar, refutar, ou nem entender apropriadamente a sua linha de raciocínio, mas que é um pensamento engenhoso, ah, isso é.

Entre os Filósofos da Religião contemporâneos, quem ousar não reconhecer a engenhosidade dos escritos do Filósofo cristão Alvin Plantinga (Professor na Universidade de Notre Dame), que tem colocado boa parte da comunidade de acadêmicos para discutirem as suas concepções sobre Deus e sobre a crença cristã. Posso ainda citar outro Filósofo cristão, Richard Swiburne (Professor na Universidade de Oxford)que trilhando um caminho epistêmico distinto, e até antagônico ao de Plantinga, também deu grande impulso a Filosofia teísta nas últimas décadas. E para não ficar apenas entre Filósofos cristãos, fica aqui a lembrança do eminente Antony Flew (Professor da Universidade de Oxford), que ganhou grande notoriedade por seus escritos anti-teísticos por cerca de cinco décadas, criando novas formas de pensar a temática “Deus”, dando grande dor de cabeça aos pensadores cristãos.  

Chega de enrolação, vamos ao livro Deus, de Juvenal Savian (Ph.D em Filosofia na USP), que traz uma pequeníssima contribuição introdutória ao assunto.

Ele nos diz, que ao contrário do que se pensa, a maioria dos Filósofos não rejeitam a existência de deus.              

"Uma imagem que se criou a respeito dos filósofos é a de que eles são contra Deus. De acordo com essa imagem, os filósofos são pessoas tão racionais a críticas que não poderiam engolir a ideia de que exista Deus. Quanto à religião, pior ainda... Só mesmo uma pessoa inculta poderia aceitar essas crendices infantis... essa imagem corresponde à realidade? Não, não corresponde. Se fizermos uma estatística, há mais filósofos que afirmam a existência de Deus do que filósofos que a negam. É curioso notar que mesmo filósofos racionalistas, que não definem a fé como uma atividade racional, muitas vezes afirmam a existência de Deus como Criador ou produtor da ordem no mundo." P. 23.

Este trecho por si só, pode precisar de maiores esclarecimentos, visto que poderíamos perguntar se esses Filósofos que ele está se referindo o são no sentido strictu sensulato sensu, ou englobando os dois? O que quero dizer, esses pensadores são aqueles que chamamos Filósofos clássicos (strictu sensu), ou ele está colocando nesse time qualquer um que adquire o seu certificado de Doutor em Filosofia (
lato sensu) [1], mas que não criou necessariamente nenhum argumento novo que possa contribuir para novas ideias e debates sobre Deus? Sabemos que conseguir boas titulações, ensinar em grandes Universidades e ter grande prestígio entre os seus pares, não torna por si só, ninguém em um FILÓSOFO, visto que saber articular bem as ideias da Filosofia, ter uma mente enciclopédica sobre a história do pensamento grego antigo, passando pelo medieval, moderno e contemporâneo, torna o camarada em um exímio Historiador da Filosofia, mas se ele não criou novos argumentos, não pode se enquadrar no seleto grupo dos grandes Filósofos.

Pois bem, como estou enrolando mais uma vez, conforme vamos passando as páginas da obra do nosso Juvenal, fica claro que ele está se referindo ao grupo restrito dos Filósofos clássicos, como Platão, Aristóteles, Agostinho, Pascal, Descartes, Voltaire, Bergson... Eu até desconfio que se fossemos contabilizar os Professores de Filosofia universitários aqui no Brasil e lá fora, o número de pensadores céticos ultrapassaria o de crentes.   

Para certos pensadores da antiguidade clássica, pensar o Universo sem um ser superior não tinha cabimento algum.

"[...] para alguns filósofos gregos e romanos, ou afirmamos a existência de um ser divino ou tudo o que nos parece ocorrer no mundo não fará o menor sentido, será absurdo." P. 25.

Isto continua sendo um ponto crucial defendido pelos pensadores cristãos atuais, como o Filósofo Willian Lane (Ph.D em Filosofia pela Universidade de Birminghan) e James Porter (Ph.D em Filosofia pela Universidade do Sul da Califórnia), que escreveram juntos a monumental obra Filosofia e Cosmovisão Cristã, que em seu primeiro capítulo fala sobre “O Absurdo da Vida Sem Deus”.

Nosso amigo Juvenal mostra-se favorável a religiosidade que pulsa tão latente no ser humano, não imputando a ela, uma fraqueza intelectual e moral, alienação e etc. 

“[...] a experiência religiosa não parece propriamente uma ‘invenção’, uma prática convencional, mas algo ligado às camadas mais profundas disso que se costumou chamar de ‘natureza humana’. Seja como for, certas críticas à prática religiosa mostram-se inválidas, como é o caso, por exemplo, da crítica feita por alguns filósofos seguidores de Marx e Nietzche, quando dizem que a prática religiosa é uma violência à condição humana, uma diminuição do humano ou um instrumento de dominação social.” P. 21.

Juvenal não deixa claro se acredita ou não na divindade, de todo modo, mostra-se bem favorável ao pensamento teísta, fazendo uma distinção muito importante, que muitos críticos teimam em não atentar.

"Antes de tudo é preciso distinguir entre Deus e as religiões, sabendo que Deus não pode ser responsabilizado pelas incoerências cometidas pelas religiões. Além disso, é preciso lembrar que nem toda religião pratica violência. Mesmo os aspectos negativos do passado cristão na Idade Média, por exemplo, não podem nos impedir de ver as intermináveis contribuições que a fé cristã trouxe para o desenvolvimento do mundo ocidental." P. 66.

Lendo isto, lembro de que nas minhas humildes leituras já me deparei com vários autores que mesmo não sendo cristãos, reconhecem a grande contribuição moral e intelectual que o Cristianismo legou ao mundo. Clóvis Filho (Ph.D em Ciências da Comunicação na USP), no seu livro Ética e Vergonha na Cara, reconhece que a ideia de igualdade entre os seres humanos é fruto do pensamento cristão. Enquanto que a ideia de virtude grega é aristocrática, poucas pessoas a possuem, no Cristianismo ela é democratizada, não há escolha de uns em detrimento dos outros.

No entanto, dando uma de advogado do Diabo, durante séculos e mais séculos de hegemonia cultural e espiritual no Ocidente, é mais do que natural que a religião cristã tenha deixado coisas boas. Devemos ver grande coisa nisso? Até os portugueses que espoliaram o Brasil, deverá também ter alguma listinha de coisas benéficas que aqui fizeram. Acho que não devemos supervalorizar demais os benefícios do Cristianismo, assim como devemos sabe dosar as críticas a ele. Há exageros grandes demais tanto entre os seus defensores como entre os seus detratores.

Nosso autor passa então a trazer o que os Filósofos têm a dizer sobre Deus. Entra nessa lista: Platão, Aristóteles, Fílon de Alexandria, Tomás de Aquino, Kant, Voltaire, Pascal, Espinosa, Hegel, Lévinas e muitos outros.

A parte mais interessante do livro é a parte final intitulada Ensaiando Leituras, onde ele traz pequenos excertos dos Filósofos trabalhados.

Um livro diminuto, com apenas 106 páginas, mas que é um bom começo para quem está interessado em começar a adentrar esse terreno tão importante que é o pensar sobre Deus.  

[1] Eu sei que o Doutorado é pesquisa strictu sensu. Há um recorte bem restrito sobre o quê trabalhar na tese. Mas ficou claro o que eu quis dizer no texto.