sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

Diálogo entre um Padre e um Moribundo


SADE, Marquês de. Diálogo entre um Padre e um Moribundo e outras Diatribes e Blasfêmias. São Paulo: Iluminuras, 2001. (Versão em PDF).

“[...] aceita que após tua morte teus olhos não mais verão, tuas orelhas não mais escutarão. Do fundo de teu caixão, não serás mais testemunha dessas cenas que tua imaginação te representa hoje em negras cores”. P. 28.

Marquês de Sade, uma das personagens mais polêmicas da história! Seus escritos chocam até hoje! São histórias fortes, que levam o ser humano ao limite do que é considerado permitido e normal! Nasceu em 1740, na França. Foi preso diversas vezes, inclusive na famosa prisão da Bastilha. Vivenciou todo o burburinho da Revolução Francesa (1789-1799), chegando a falecer em 1814.

O presente livro é uma reunião de várias obras de Sade. Todas despejando ódio e repulsa viscerais contra a igreja católica. O cristianismo com seus mandamentos ridículos deve ser banido da França. Argumentos são desferidos contra a existência de Deus, contra a imortalidade da alma, contra o inferno. Jesus é um charlatão, um vil leproso, um vulgar impostor; seus ditos são tolices; são quimeras. O crime para Sade, não consiste em quebrar os preceitos divinos, mas em tentar obedecê-los. Nada mais antinatural e pecaminoso do que ir contra a vontade da natureza que nos é imposta. Sobretudo, na questão da libido. O maior crime que cometemos contra nós mesmos é quando reprimimos nossas paixões sexuais, sejam elas quais forem.

Temos em Diálogo entre um Padre e um Moribundo..., sete obras de Sade. Vamos a cada uma delas.

Fantasmas

Ele começa bradando contra Deus, quer dizer, contra a incongruente ideia de sua existência.

“Ser quimérico e vão cujo nome apenas derramou mais sangue na face da terra do que jamais fará qualquer guerra política, por que não retornas ao nada de onde a louca esperança dos homens e seu ridículo temor infelizmente ousaram te arrancar?! Tu que só surgiste para o suplício do gênero humano, quantos crimes seriam poupados na terra se houvessem degolado o primeiro imbecil que ousou falar em ti! Vamos, aparece se existes e não admitas que uma frágil criatura ouse te insultar, afrontar, ultrajar como faço, renegando tuas maravilhas e rindo de tua existência, feitor de pretensos milagres! Faz um só para provar que existes!” P. 13.

Diálogo entre um Padre e um Moribundo

Uma conversa entre um padre e um “pecador” perto de ir para o saco é travada, com o primeiro querendo que o moribundo volte-se para Deus e a igreja, afim de se arrepender de seus pecados. Acontece que o iminente defunto, numa enxurrada de argumentos filosóficos dá uma tremenda surra intelectual no padreco, fazendo esse ficar sem argumento algum para persuadi-lo a deixar a vida de libertinagem.

O moribundo diz:

“Sendo possível que a natureza tenha feito sozinha tudo o que atribuis a teu Deus, por que pretendes arrumar-lhe um senhor? A causa do que não compreendes talvez seja a coisa mais simples do mundo. Aperfeiçoa tua física e entenderás melhor a natureza; purifica tua razão, elimina teus preconceitos e não necessitarás mais desse deus.” P. 18.

O moribundo é um empirista e materialista nato. Os sentidos e somente eles, podem nos prover conhecimento do mundo real.

“Prova-me que a natureza não se basta a si mesma, e te permito conceber-lhe um senhor. Até então não esperes nada de mim. Só me rendo à evidência que recebo dos sentidos; onde eles cessam, minha fé desfalece. Creio no sol porque o vejo, concebo-o como o centro de reunião de toda a matéria inflamável da natureza, aceito sua marcha periódica sem espantar-me. É uma operação física, talvez tão simples quanto a da eletricidade, mas que não nos é permitido compreender.” P. 19.

No fim do papo, o blasfemador revela o que realmente vale a pena na vida:

“Meu fim se aproxima. Seis mulheres mais belas que a luz encontram-se no gabinete vizinho; reservei-as para este momento. Pega a tua parte e, a meu exemplo, procura esquecer em seus seios os sofismas inúteis da superstição e os erros imbecis da hipocrisia.” P. 24.

Da Imortalidade da Alma – Primeiro Discurso

As palavras dele bastam:

“Se podemos adquirir idéias apenas por meio de substâncias materiais, como poderíamos supor que a causa de nossas idéias é imaterial? Ousar sustentar que podemos ter idéias sem os sentidos seria tão absurdo como dizer que um cego de nascença pode ter uma idéia das cores.” P. 26.

“Mas desejar uma quimera, será, por si só, prova incontestável da realidade dessa quimera? Do mesmo modo, desejamos a vida eterna dos corpos; no entanto, esse desejo é frustrado: por que o da vida eterna de nossa alma não o seria igualmente? As mais simples reflexões sobre a natureza dessa alma deveriam nos convencer de que a idéia de sua imortalidade é apenas ilusão. De fato, o que vem a ser essa alma, senão princípio de sensibilidade? O que vem a ser pensar, gozar, sofrer, senão sentir? O que vem a ser a vida senão o conjunto desses diferentes movimentos próprios a serem organizados? Desse modo, assim que o corpo deixa de viver, a sensibilidade não mais pode atuar; não pode mais haver idéias, nem, por conseguinte, pensamentos. Logo, as idéias não podem senão provir dos sentidos: como querem que, uma vez privados desses sentidos, ainda tenhamos idéias?” P. 27.

“O sentimento e o pensamento são partes desses movimentos: desse modo, no homem morto, esses movimentos cessarão assim como os outros. De fato, por meio de que raciocínio pretendem nos mostrar que essa alma, que não pode sentir, querer, pensar e agir senão por meio de seus órgãos, consegue sentir dor ou prazer, ou até mesmo ter consciência de sua existência quando os órgãos que a informavam estarão decompostos?P. 28.

Da Imortalidade da Alma – Segundo Discurso

“Qualquer que seja o modo como o fazemos, só vemos matéria em todos os  seres que existem — O quê!, direis, o homem e a tartaruga são a mesma coisa? — Não, claro, diferem na forma; mas a causa do movimento que constitui ambos é certamente a mesma.” P. 30.

Sade argumenta que se somos criaturas feitas pelo Deus cristão, como ele poderia nos condenar ao inferno, visto que seríamos alguma substância vinda dele.

“Em suma: nessa hipótese, não me venham falar em inferno ou paraíso, pois seria insensatez Deus punir ou recompensar uma substância que dele emanou.” P. 32.

Do Inferno

Um dos argumentos até hoje propostos pelos defensores do inferno, é que ele tem que ser eterno, porque os pecados são cometidos contra um Deus infinito, logo, eles merecem punição infinita. Em resposta Sade dispara:

“Segundo essa doutrina, o mais leve erro seria punido assim como o mais grave: ora, pergunto se é possível, admitindo um Deus justo, supor uma iniqüidade dessa espécie? Quem, por sinal, criou o homem? Quem lhe deu as paixões que os tormentos do inferno devem punir? Não foi vosso Deus? Assim, portanto, cristãos imbecis, admitis que por um lado esse Deus ridículo confere aos homens inclinações que é obrigado a punir por outro? Será que ignorava que essas inclinações haviam de ultrajá-lo? Se sabia disso, por que então conceder-lhes esse tipo de pendores? E se não sabia, por que puni-los por um erro que compete apenas a ele?” P. 37.

Acredito que nenhum apologista cristão responda adequadamente a essas perguntas.

Franceses, mais um esforço se quereis ser republicanos

O Marques presenciou todo o processo da Revolução Francesa, que depões o rei Luiz XVI. Republicano apaixonado escreveu essa obra, com o intuito de conclamar a França a abandonar de uma vez por todas, a crença religiosa. O cristianismo é uma quimera e, portanto, não ter lugar na sociedade que estava emergindo.

“O vós que tendes a foice nas mãos, desferi o derradeiro golpe na árvore da superstição; não vos contenteis com podar os ramos: desenraizai de uma vez uma planta cujos efeitos são tão contagiosos; convencei-vos perfeitamente de que vosso sistema de liberdade e de igualdade contraria demasiado abertamente os ministros dos altares de Cristo para que um só deles o adote de boa-fé ou não procure abalá-lo, se chegar a ter de novo qualquer império sobre as consciências”. [...] Vós vistes aonde chegaram. Quem, no entanto, os conduziu até lá? Não foram os meios que a religião lhes forneceu? Ora, se não proibirdes absolutamente esta religião, os que a pregam, tendo sempre os mesmos meios, logo atingirão os mesmos fins”. P. 55-56.

“Conservemos hoje o mesmo desprezo, tanto pelo deus vão que os impostores pregam como por todas as sutilezas religiosas decorrentes de sua ridícula adoção. Os homens livres não se deixam mais iludir por um chocalho como esse. Que a extinção total dos cultos faça parte dos princípios que propagamos por toda Europa. Não nos contentemos em quebrar os cetros; pulverizemos para sempre os ídolos”. P. 58.

Sade vê a religião cristã e a liberdade como dois caminhos antagônicos.

“Sim, cidadãos, a religião é incoerente com o sistema da liberdade; já o sentistes. O homem livre jamais se curvará aos deuses do cristianismo; jamais seus dogmas, seus ritos, seus mistérios ou sua moral convirão a um republicano”. P. 58.

Sobre os costumes que devem ser adotados pela nova republica francesa, encontram-se a descriminalização do roubo, do estupro. Mas para tal, não pensemos que ele não traga justificativa alguma. Tudo o que defende é “legitimado” por uma avalanche de recursos tirados da história, da política, da filosofia e etc.

“Deus me livre de querer aqui atacar ou destruir o juramento do respeito às propriedades que a nação acaba de pronunciar; mas que me seja permitido ao menos expor algumas idéias sobre a injustiça desse juramento. Qual o espírito de um juramento pronunciado por todos os indivíduos de uma nação? Não é o de manter uma perfeita igualdade entre os cidadãos, de submetê-los igualmente à lei protetora das propriedades de todos? Pergunto-vos agora se é justa a lei que ordena a quem nada possui respeitar quem tem tudo. Quais são os elementos do pacto social? Ele não consiste em ceder um pouco de sua liberdade e de suas propriedades para assegurar e manter o que se conserva de uma e de outra?” P. 67.

Sade propunha uma sociedade que pudesse saciar incessantemente os desejos sexuais mais variados possíveis. Todos deviam participar. Mulheres, crianças, jovens... Ninguém deve ser de ninguém. Nada de casamento. Se um homem tem vontade de transar com uma criança, ele está livre para tal; quer ter relações com outro homem, que o faça; quanto as mulheres, elas devem estar sempre dispostas a satisfazer os impulsos sexuais de qualquer homem que reivindicar o seu corpo. Uma mulher TEM que proporcionar prazer a vários homens que solicitarem os seus serviços luxuriantes. Quanto a isso, as palavras de Sade chocam qualquer pessoa com um mínimo de humanidade.

“Um homem que queira gozar de uma mulher ou de uma garota qualquer poderá, se as leis que promulgais são justas, intimá-la a comparecer a uma dessas casas de que falei; e lá, sob a salvaguarda das matronas desse templo de Vênus, ela lhe será entregue para satisfazer, com igual humildade e submissão, todos os caprichos que lhe agradar, por mais estranhos e irregulares que possam parecer; pois não há nenhum que não esteja na natureza, nenhum em favor do qual ela não se confesse. Só teria que se fixar a idade. Ora, creio não poder fazê-lo sem perturbar a liberdade de quem deseja gozar de uma mulher desta ou daquela idade. Quem tem o direito de comer o fruto de uma árvore certamente poderá colhê-lo verde ou maduro, conforme as inspirações de seu gosto.

Mas, dirão, há uma idade em que a saúde da jovem decididamente pode ser prejudicada pelos procedimentos do homem. Essa consideração não tem nenhum valor; desde que me concedeis o direito de propriedade sobre o gozo, esse direito é independente dos efeitos que ele produz; a partir de então, tanto faz esse gozo ser vantajoso ou prejudicial ao objeto que a ele deve se submeter.

Não provei a legalidade em contrariar a vontade de uma mulher nesse assunto e que, tão logo ela inspire o desejo do gozo, deve submeter-se a ele, abstraindo todo sentimento egoísta? O mesmo acontece com a sua saúde. Desde que as considerações que se façam a esse respeito possam destruir ou enfraquecer o gozo daquele que a deseja, e que tem o direito de se apropriar dela, esse cuidado com a idade torna-se inútil porque de modo algum se trata aqui de saber o que sente o objeto condenado pela natureza e pela lei à satisfação momentânea dos desejos de outro. Não se trata nesse exame senão daquilo que convém a quem deseja”. P. 72.

Sociedade dos Amigos do Crime

Nesse derradeiro texto, Sade fala do regimento, pelo que eu entendi, de uma espécie de clube fechado para as pessoas residentes em Paris ou arredores, para que elas se entreguem aos prazeres sexuais que lhes der na telha. Uma espécie de maçonaria. Aqui vão algumas dessas leis norteadoras da Sociedade dos Amigos do Crime:

“2 - O indivíduo que queira ser admitido na sociedade deve renunciar a toda espécie de religião, submetendo-se a provas que constatarão seu desprezo por
esses cultos humanos e seu quimérico objeto. O mais leve retorno de sua parte a tais asneiras implicará sua exclusão imediata.

3 - A sociedade não admite deus algum; há que se ostentar ateísmo para ingressar nela. O único deus que conhece é o prazer; por este ela sacrifica tudo.
Admite todas as volúpias imagináveis e aprecia todos os deleites; todos os gozos são autorizados em seu seio, não há nenhum que não incense, recomende ou proteja.

4 - A sociedade rompe todos os laços do casamento e confunde todos os do sangue. Em sua sede deve-se, indistintamente, gozar tanto da mulher do próximo quanto da própria, tanto de seu irmão e irmã, de seus filhos e sobrinhos, quanto os dos outros. A menor repugnância a essas regras é um poderoso motivo de exclusão.” P. 87-88.

É quase impossível ter empatia por Sade. Principalmente quando ele legitima o estupro de mulheres e crianças. O Marquês nutria um ódio visceral pela religião. Essa completa rejeição da religião é ate compreensível, visto que o catolicismo francês vivia mancomunado com o Estado, enquanto o povo e muitos do baixo clero (padres) viviam numa miséria desgraçada. Como ver algo bom na igreja diante de seus disparates, calcados numa sede doentia pelo poder?

A História do Sexo no Século XX


Sexo no século XX!

Quanta mudanças ocorreram nesses 100 anos!

Para se ter uma ideia, nos primeiros cinquenta anos, a masturbação era de todas as formas desaconselhada. Era imoral! Era prejudicial a saúde! Se desse vontade de usar a mão, alguns manuais aconselhavam os jovens punheteiros a lerem o sermão da montanha, quem sabe assim, a vontade libidinosa cessaria. Médicos diziam aos nervosos masturbadores que na hora que esses pensamentos perversos povoassem as suas cabecas de vento, pensassem no amor de suas mães, qual pessoa em sã consciência, ousaria tocar em seus órgãos procriativos, com a sua sagrada progenitora em mente? Outra forma adotada era colocar os testículos (us zovus) na água gelada!

Os anos 1920 são bem turbulentos. Lei Seca, ninguem podia mais tomar álcool, sem ser punido pelo governo. Surgem os bares, restaurantes e casas de shows clandestinos, vendendo não apenas bebidas alcoólicas, mas recebendo toda uma classe de pessoas consideradas perversas: gays e lésbicas. Estava aberta a ruptura com a moralidade vitoriana.

Controle de natalidade! Começam a surgir os modernos métodos para evitar um bucho antes do tempo. O diafragma e os preservativos de látex, que dão lugar a antiga camisinha de intestino de ovelhas. Espermicidas entram no mercado para desacelerar os espermatozoides mais empolgados.

A censura no cinema não demora a aparecer. O Código Reis cerceavavárias práticas consideradas obcenas para os filmes. Tudo devia passar por uma triagem moralista, respeitadora dos bons costumes. Cenas de beijos eram muito restritas e vigiadas. Cenas com pessoas dormindo na mesma cama, nem pensar.

Após a Grande Depressão de 1929, a censura torna-se mais severa, na década de 1930. Antes os beijos poderiam durar quatro segundos em uma cena, agora as películas não deveriam exibir beijos com mais de um segundo e meio. Isso mesmo 1/2! Até cenas de vacas ordenhadas não poderiam ser filmadas! Podemos imaginar o porquê, né? Cerca de 28 mil regras foram criadas para conter os "excessos eróticos" dos filmes veiculados nas telonas do cinema.

Havia censura também sobre o número de stripteases que podiam acontecer durante as noitadas nas casas de shows de Nova Iorque!

A censura na literatura era o Index dos livros vistos como imorais, portanto, impróprios! Alguns livros era desencaminhantes. Então, nada de serem lidos.

Mas a impulsividade sexual era maior que as leis que a castravam. Com a popularização dos carros, os jovens tinham um escape para as suas aventuras, longe das abas de seus pais.

Logo após a Segunda Guerra Mundial, os homossexuais, coitados, passaram a ser vistos como comunistas, na paranóia da Guerra Fria. Já não eram bem vistos antes, e agora, vinculados as ideias vermelhas, estavam lascados duas vezes mais. Estavam até indeferidos para os cargos federais. Eram personas non gratas!

Surge o polêmico Relatório Kinsey, os resultados abalaram a sociedade puritana e moralista. Porcentagens significativas da população estavam praticando sexo antes do casório, homens estavam se masturbando cada vez mais, tendo relações homossexuais, e etc.

Com a revolução sexual do anos 1960 a porta estava aberta para a putaria invadir de vez o dia a dia da sociedade. Junte-se a issso, o aparecimento das pílulas anticoncepcionais, que davam autonomia as mulheres, que não precisavam mais da ajuda dos homens, para não ganharem um bucho.

O sexo passou a ser mais livre, porém, um grande inconveniente passa a assustar e a ceifar a vida de milhares a partir dos anos 1980. A AIDS. Era vista em suas primeiras vítimas como um novo tipo de câncer, que levava para o saco o seu portador muito rapidamente. O termo "sexo seguro" agora era presente em todas as conversas sobre sexo.

E finalmente, no final do século XX, a impotência sexual podia ser vencida com o azuzinho milagreiro, o Viagra. Pintos murchos não precisavam ficar assim sempre.

Com um pouquinho de paciência, esperemos chegar 2111 para outro passeio histórico sobre a sexualidade humana.