PONDÉ, Luiz
Felipe. Contra um Mundo Melhor: Ensaios do Afeto. São Paulo: Leya, 2010. (PDF).
“Mas, afinal, o que é a vida senão se ocupar de coisas e, ao final, tornar-se
mais uma coisa no chão de terra que nos cobrirá a todos?” P. 92.
Quarto do
livro que leio do Pondé (Ph.D em Filosofia na USP), um escritor e palestrante
que muito me agrada, por sua perspicácia em desmentir as ideias romanciadas e
tolas que vemos no cotidiano. Pondé é um Filósofo do cotidiano; está
interessado nas coisas banais da vida (aliais o que não seria banal?).
Como tinha
dito nas outras postagens sobre seus livros, ele em muitas situações é um
resmungão, contraditório, um marqueteiro até. Mas tá valendo. Seus livros
acabam sendo obras de “anti auto-ajuda” - críticas veementes aos milhares de
escritos que inundam o mercado editorial, com besteiras de como encontrar a felicidade,
visto que segundo elas, nascemos para ser felizes, que somos especiais, de
que devemos confiar em nós mesmos, e um monte de ilusões.
Não encontramos
em seus livros, tratados filosóficos sobre Metafísica, Ontologia, Epistemologia
e etc., até porque se assim o fossem, eu nem estaria lendo-os.
“[...] prefiro escrever textos
curtos, falta-me a paciência necessária para textos longos”. P. 10.
“Cansei da filosofia, por isso comecei a escrever para não filósofos,
porque a universidade, antes um lugar de gente inteligente, se transformou num
projeto contra o pensamento. Todos são preocupados em construir um mundo melhor
e suas carreiras profissionais. E como quase todas são pessoas feias, fracas e
pobres, sem ideias e sem espírito inquieto, nada nelas brota de grandioso,
corajoso ou humilde. Eu não acredito num mundo melhor. E não faço filosofia
para melhorar o mundo. Não confio em quem quer melhorar o mundo.” P. 10-11.
Mostra-se exageradamente pretensioso quando diz:
“Cuidado, a leitura destes ensaios pode trazer efeitos colaterais: dúvidas,
insegurança, insônia, raiva. Se isso acontecer, e você não gostar do que está
sentindo, leia livros de autoajuda, tome remédios, faça meditação por cinco minutos”.
P.
12.
Pelo menos ele admite:
“Mas, como tudo nesta coletânea é assistemático, os tamanhos variam,
alguns beiram a miséria de conteúdo por ser meros fragmentos de pensamento”. P. 12.
Pondé é um ateu,
que não vê a religião com os olhos bufando de raiva como muitos materialistas a
veem. Ela é superstição? Sim. Mas de igual modo e até pior, são as crendices
modernas dos “inteligentinhos”.
“Acho que a vida provavelmente não tem nenhum sentido, apesar de que
é na sua forma profunda um movimento que busca a ordem. Em matéria de sentido,
prefiro os antigos: Deus, a fidelidade, a castidade, a culpa, a disciplina, a
família, o medo, Shakespeare, a Bíblia, a Ilíada. Rejeito todos os novos sentidos: a democracia como religião
moderna, a revolução sexual, que não passa de puro marketing de comportamento
(continuamos a mentir sobre o sexo e a ser infelizes), a sustentabilidade (nova
grife para o ambientalismo), a cidadania, a igualdade entre os homens, uma alimentação
balanceada, o fascismo dos direitos humanos, enfim, tudo o que os idiotas contemporâneos
cultuam em seu grande cotidiano”. P. 10.
“Pessoalmente, digo que nunca saberemos tudo, por isso sempre
poderemos crer e dialogar com o invisível, e que a história dos últimos séculos
nos provou que, quando deixamos de acreditar em Deus, sempre acabamos acreditando
em qualquer bobagem como ‘História, natureza, ciência, energias, política, em
si mesmo, tanto faz’ (como dizia o escritor inglês Chesterton no começo do século
XX). Para mim, Deus permanece uma ideia mais elegante.” P. 11-12.
“Mas um trágico cético, como eu, tende a dar valor às crenças
religiosas como hábitos válidos em alguma medida. Mas um cético trágico, como
eu, tende a partilhar certa sensibilidade pelo mistério que as religiões têm.
Antes de tudo porque são antigas e prefiro sempre crenças antigas”. P. 60.
Eis o seu pessimismo diante da vida:
“Não controlamos a vida. Grandes planos podem dar em nada, ter fé
pode levar você ao fracasso, acreditar em si mesmo pode levá-lo a erros
definitivos, escolher ficar rico pode ou não dar certo, ter muito dinheiro pode
sim garantir pessoas ao seu redor amando-o [...] ou pode levá-lo à solidão –
enfim, não há garantias. É por isso que o normal é ser inseguro, mentiroso,
covarde, e não santo ou corajoso”.
P. 12.
“Não é humano saber que a vida é sustentada numa ilusão contínua.
Pagamos um preço. Outro risco: pensamos que a dúvida, esse ácido do espírito, só
afeta as ideias; mas não, ele também afeta a alma, o corpo, o desejo, os
gestos, a capacidade de sonhar à noite. [...] Não acredito em nenhum sistema de
valor disponível. Ando como quem anda num deserto, sem direção e sem
discernimento, porque a paisagem é toda igual, feita da mesma matéria efêmera e
sem forma. Acho que esta é a condição pós-moderna por excelência”. P. 15.
“Muitas vezes, em horas de agonia, contemplamos as paredes e o teto
de nosso quarto, mergulhados no silêncio da solidão”. P.
25.
Em muitos
momentos, sou muito tentado a concordar com tudo isso. A vida em certo sentido
é uma merda (mesmo que exista um deus). Mas sempre queremos pensar que existe
algo superior que está levando tudo para o bem maior, no final.
Os ressentimentos
do Filósofo e sua acidez não param, trazendo verdades (?) que incomodam:
“TODO MUNDO TEM SEU PREÇO. Essa é uma máxima conhecida há muito tempo.
Creio nela profundamente. Apesar de muita gente tentar negá-la, vendendo uma imagem
à prova de qualquer preço de si mesmo. O cotidiano é um massacre. Claro que, se
você é rico, pode pousar de superior, mas isso é raridade que não vale porque
sustentada na sorte incomum. Ninguém é digno para além da miséria que o assola.
Todavia, sem hipocrisia não há civilização, e isso é a prova de que
somos desgraçados: precisamos da falta de caráter como cimento da vida
coletiva. Muitas vezes sinto, como que de forma material, a presença da
hipocrisia ligando as pessoas do mundo quando se afirmam éticas. Por isso o desfile
de falsas virtudes em toda parte: o ser entregue à sua pureza seria obsceno. O
véu que esconde a nudez moral horrível é como a hipocrisia que nos torna
falsamente belos. Mas o pior é quando o pensamento se torna escravo dessa
hipocrisia.
Por isso o filósofo deve sempre desdenhar a sobrevivência e o bom
convívio e ser contra um mundo saudável. A suposição de que as pessoas se amam
em família ou que filhos e pais necessariamente se amam é tão falsa quanto a
ideia de que as pessoas não têm preço – e, às vezes, esse preço é bem menor do
que imaginamos. O amor familiar pode ser apenas resultado de falta de opção. O
problema é que a vida sem família, na maioria esmagadora dos casos, é puro
abandono. Precisamos nos sentir parte de algo (pelo menos a maioria de nós) e,
para isso, pagamos o preço de não ser livres e de fingir que amamos uns aos
outros.” P. 45.
Atos morais
não são virtudes de fato:
“[...] eu sempre penso que o fundamento de todo ato verdadeiramente
moral, que resiste à miséria de ter um preço, é algo de ordem fisiológica e visceral.
Uma fobia, um pânico, uma doença, uma vergonha, um trauma, uma violência contra
a alma e o corpo, nunca um ato ético consciente ou um princípio. Um vício,
nunca uma virtude”. P. 47.
Mais ceticismo e tragédia:
“Quando digo que sou trágico, quero dizer que não acho que o mundo
tenha suficiência moral última, digo que o mundo está à deriva, indo para lugar
nenhum”. P. 61.
“Como diria o filósofo alemão Horkheimer no século XX: somos uma raça
de exilados abandonados à própria má-sorte, ninguém 'cuida' de nós.” P. 62.
“[...] poucos têm coragem suficiente para enfrentar uma existência
insuficiente de sentido.” P. 63.
“A esmagadora maioria dos homens e mulheres se despedaça contra as
paredes desse abismo que é o vazio e a indiferença cósmica.” P. 63.
“Mas reconheço que a ausência de beleza torna o homem um monstro,
por isso entendo que a busca desenfreada da beleza mova o espírito humano em
meio às trevas que é a sobrevivência. P. 74.
“Amadurecer é se aproximar da morte e sentir o cheiro da insignificância
de tudo”. P. 89.
“A natureza humana por si só já tende à mentira, ao orgulho, à
inveja, que se repetem à monotonia em virtude das duras condições de sobrevivência
nas quais vivemos há milhares de anos. Não há como evitar a vida sob pecados tão
essenciais como orgulho e inveja”. P. 91.
Não somos melhores que a sociedade alemã diante dos horrores
do nazismo:
"NÃO ACHO que tenhamos mudado um milímetro desde a experiência
nazista. Naquele momento, muitos europeus colaboraram com o massacre não apenas
porque odiavam as vítimas dos nazistas (nem precisavam odiá-las, isso seria até
demais pensar), mas apenas pelo amor ao cotidiano. Hoje em dia, se qualquer
regime decidisse perseguir o grupo do qual seu vizinho faz parte, você fecharia
os olhos como os franceses fizeram.
A covardia e o amor à rotina acomodam mais os homens ao crime
coletivo e social do que a força das ideias. Em nome de um emprego melhor, em
nome de sentir menos medo diariamente, em nome de conseguir melhor qualidade de
vida, aceitamos qualquer crime. Toda discussão sobre o massacre nazista (ou
qualquer outro) esbarra no fato de que nós, hoje, gostamos de pensar que não
faríamos a mesma coisa que aqueles homens e mulheres fizeram. Nossa maior
preocupação é assegurar uma ideia construtiva de nós mesmos. O massacre nazista
nasceu do horror que continuamos a alimentar com relação a tudo que afete nosso
cotidiano imediato. Erraram todos os que se esqueceram de dizer isso. Além
disso, nos sentimos mais tranquilos quando outros estão sendo destruídos em
nosso lugar. Estamos sempre dispostos a nos calar quando um jantar a mais é
garantido.
O comportamento moral comum é mais decidido em nome de uma noite
tranquila e um dia monótono do que em nome de qualquer ideia de justiça que
algum dia alguém escreveu. E se qualquer massacre se der em nome de alguma
ideia em que acreditamos e, além disso, se nosso cotidiano estiver garantido, aí
então nos transformamos em feras banais.” P. 76.
Triste constatar que ele tem toda a razão. Hoje mesmo, basta
olharmos ao nosso redor para vermos pessoas sofrendo, e nada fazemos. Sempre
olhamos para o nosso próprio umbigo. Milhões de seres humanos estão nas mais
péssimas condições de vida, e a sociedade para não sair de sua zona de
conforto, finge que está tudo bem, ou que, afinal de contas, a situação não está
tão mal assim. Queremos incutir em nós mesmos, o pensamento de que agiríamos diferente dos
alemães. Somos virtuosos, eles não.
Talvez de forma paradoxal, Pondé declara no final:
“Sou apenas alguém que, sem até hoje saber a razão, passou a ser
constantemente visitado – no sentido mais comum que a expressão tem, por
exemplo, na tradição do cristianismo ortodoxo – pela sensação de que o mundo é
sustentado pelas mãos de uma beleza que é também uma presença que fala”. P. 110.