segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Foucault em 90 Minutos


STRATHERN, Paul. Foucault em 90 Minutos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003. (Versão em PDF).

“Cada sociedade possui o seu regime de verdade, sua ‘política geral’ de verdade: ou seja, os tipos de discurso que aceita e faz funcionar como verdade.” – Michel Foucault

Esse cara ainda é muito importante nos cursos de História, Sociologia. Tive um Professor tão louco por Foucault, que se possível, ele comeria a merda do Filósofo francês! Foucault é idolatrado pelos miguxinhos da área de humanas; é uma espécie de libertador e guru. Se for na área da sexualidade, ele se torna um semi-deus, messias.

Paul Strathern (Professor de Filosofia e Matemática na Universidade de Kingston, Londres) traz uma pequena biografia do pensador francês. Além de suas idéias no campo intelectual, não é raro, quando se fala em Foucault, falarmos de sua homossexualidade. É assim que começamos as citações do presente livro.

[...] fora pouco a pouco tomando consciência de que era homossexual. Isso não apenas era ilegal naquela época, como, em Poitiers, impensável”. P. 09.

Numa sociedade preconceituosa, não foi fácil para ele, lidar com sua condição sexual. Com ele aconteceu, o que ocorre aos milhares de jovens homossexuais:

“Os primeiros anos de Michel Foucault na ENS [École Normale Supérieure] assistiriam a uma série recorrente de incidentes. Numa ocasião, feriu seu peito com uma navalha; em outra, teve de ser contido quando perseguia um estudante com um punhal; e ainda em outra, quase conseguiu cometer suicídio ao tomar uma overdose de comprimidos. Bebia muito e, de vez em quando, experimentava drogas (coisa que só uma pequena minoria possuía naqueles longínquos dias). Em certas ocasiões, desaparecia noites a fio, entrando em colapso depois, pálido e com olheiras profundas, voltando deprimido ao seu dormitório. Poucos adivinharam a verdade. Sofria com o que havia ocorrido em suas solitárias expedições sexuais.” P. 09

Até em um hospital psiquiátrico foi internado durante um tempo:

“Foucault era incapaz de conviver consigo mesmo, e nenhum dos estudantes no seu dormitório queria conviver com ele. Viam-no como louco perigoso, qualidades que só faziam ser exacerbadas com seu inquestionável brilhantismo. Ardorosamente agressivo na argumentação intelectual, era bem capaz de recorrer à violência. Seus colegas evitavam sua companhia e ele começou a desenvolver doenças psicossomáticas. Longos turnos numa cama solitária no sanatório o poupavam da existência comunitária do dormitório, e ali lia voluptuosamente, até para padrões da ENS [École Normale Supérieure].” P. 09-10.

E qual a contribuição dele para os estudos historiográficos? Ela pode ser resumida neste enunciado:

A história não estava registrando a verdade do passado, mas revelando a verdade do presente. Assim era a orientação do pensamento de Foucault.” P. 10.

Para ele, não existe verdades históricas. O historiador está desprovido de objetividade, quando vai chafurdar os antigos documentos existentes. Há interesses de poder em jogo na interpretação dos fatos.

Com o tempo, e racionalizando a sua sexualidade, ele passou a aceitá-la:

“O jovem estava se tornando maduro numa velocidade excepcional, tanto acadêmica como pessoalmente. Sua crescente segurança intelectual casava bem com seu autoconhecimento emocional. Aprendia a aceitar a própria homossexualidade, e a violência de sua personalidade era acalmada por ocasionais práticas sadomasoquistas.” P. 11.

Na ebulição das questões políticas, Foucault filiou-se ao Partido Comunista Francês.

“Tendo se acertado com a própria sexualidade e aceitado a posição central que esta ocupava em sua vida, ficou decepcionado ao ver a homossexualidade ser desprezada pelo partido como mera ‘decadência burguesa’.” P. 12.

Espertinho, passou a ensinar “putaria” as suas ingênuas alunas:

“Foucault dava conferências sobre literatura francesa para turmas com estudantes majoritariamente do sexo feminino. De maneira característica, escolheu um aspecto bastante restrito do assunto, intitulando o seu curso de ‘A concepção do amor na literatura francesa, do Marquês de Sade a Jean Genet’. É difícil imaginar qual foi a impressão daquela plateia de saudáveis garotas suecas de 18 anos sobre essa combinação de sadismo, sodomia e degeneração devassa”. P. 14.

O teórico francês escreveu uma volumosa obra, chamada A História da Loucura. O que os Psiquiatras chamam de “loucura”, assim como os Historiadores quando historiam os eventos passados, não é nada menos que classificações e enunciações contingentes, arbitrárias, ligadas ao poder. O “louco” não é um louco de verdade. Ele apenas tem um saber diferente.

“A postura frente à loucura era, na verdade, uma questão de percepção e prática sociais”. P. 15.

Simplificando o relativismo dele:

"Se nosso modo de pensar era sempre determinado por uma episteme (ou paradigma), tudo indicava que nunca poderíamos chegar à ‘verdade’. Assim, se todas as epistemes eram contingentes, como poderíamos provar que uma episteme era melhor que a outra? Não poderíamos. Logo, toda verdade era relativa; só dependia de como as coisas eram vistas. [...] A questão é que uma episteme (ou paradigma) se mostrará mais útil (ou, teoricamente, mais fecunda) do que a outra. Ela proporcionará uma aproximação maior da imagem perfeita e inatingível (em outras palavras, da ‘verdade absoluta’) daquilo que realmente acontece. Algo inegavelmente acontece, mas nosso aparato perceptivo nos capacita a experienciar somente certos efeitos desses acontecimentos. A crença em nossa habilidade de descobrir a verdade absoluta acarreta a crença de que nosso aparato perceptivo — e sua extensão nos instrumentos científicos — está totalmente adequado à realidade. Nossos olhos registram apenas a luz entre os raios ultravioleta e infravermelho. Como podemos saber se nossos instrumentos científicos, que são apenas uma extensão do nosso campo perceptivo, não são igualmente limitados?” P. 22.

Resta perguntar, se ele nos permite relativizar o que ele diz. Totalmente nonsense.

Voltando a sua sexualidade:

“[...] havia também um lado mais obscuro que poucos, apenas os mais íntimos, dos seus amigos percebiam. Cada vez mais frequentemente, o elegante intelectual em sua gola alta e veludo cotelê se transformaria numa exótica criatura da noite, vestida em couro e fazendo a ronda dos bares sadomasô. Aqueles que o encontravam nesses trajes definem a experiência como sinistra.” P. 27.

Independente de qualquer coisa, Strathern faz uma observação mui verdadeira:

“É fácil condenar a conduta sexual de Foucault. Como pode um filósofo sério se comportar dessa forma? O que teriam dito Platão e Spinoza? No entanto, poucos de nós vivemos como gostaríamos. A vergonha (e/ou a hipocrisia) é uma sutileza aparentemente inevitável da existência social civilizada”. P. 27.

O livro fecha com essa citação:

FOUCAULT: “Não é tão simples assim — alguém fazer o que gosta … e espero morrer de uma overdose… de um prazer de qualquer tipo. Porque eu acho que é realmente difícil e sempre tive a sensação de que não sinto o prazer, o prazer completo total, e, para mim, ele está relacionado com a morte.”

ENTREVISTADOR: “Por que você diz isso?”

FOUCAULT: “Porque penso que o tipo de prazer que considero o prazer real seria tão profundo, tão intenso, tão irresistível que eu não sobreviveria a ele. Morreria.” Prossegue até relatar que um dos momentos mais felizes de sua vida foi ao ser atropelado por um carro (quando estava alucinado por ópio): “Tive a impressão de que estava morrendo e foi, realmente, um prazer muito, muito intenso… Foi, e ainda é, uma de minhas melhores lembranças.” P. 35.