STRATHERN, Paul.
Foucault em 90 Minutos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003. (Versão em PDF).
“Cada sociedade possui o seu regime de verdade, sua ‘política geral’
de verdade: ou seja, os tipos de discurso que aceita e faz funcionar como
verdade.” – Michel
Foucault
Esse cara ainda é
muito importante nos cursos de História, Sociologia. Tive um Professor tão
louco por Foucault, que se possível, ele comeria a merda do Filósofo francês!
Foucault é idolatrado pelos miguxinhos da área de humanas; é uma espécie de
libertador e guru. Se for na área da sexualidade, ele se torna um semi-deus,
messias.
Paul Strathern (Professor
de Filosofia e Matemática na Universidade de Kingston, Londres) traz uma
pequena biografia do pensador francês. Além de suas idéias no campo
intelectual, não é raro, quando se fala em Foucault, falarmos de sua
homossexualidade. É assim que começamos as citações do presente livro.
[...] fora pouco a pouco tomando
consciência de que era homossexual. Isso não apenas era ilegal naquela época,
como, em Poitiers, impensável”. P. 09.
Numa sociedade
preconceituosa, não foi fácil para ele, lidar com sua condição sexual. Com ele
aconteceu, o que ocorre aos milhares de jovens homossexuais:
“Os primeiros anos de Michel
Foucault na ENS [École Normale Supérieure] assistiriam a uma série recorrente de incidentes. Numa ocasião,
feriu seu peito com uma navalha; em outra, teve de ser contido quando perseguia
um estudante com um punhal; e ainda em outra, quase conseguiu cometer suicídio
ao tomar uma overdose de comprimidos. Bebia muito e, de vez em quando,
experimentava drogas (coisa que só uma pequena minoria possuía naqueles
longínquos dias). Em certas ocasiões, desaparecia noites a fio, entrando em
colapso depois, pálido e com olheiras profundas, voltando deprimido ao seu
dormitório. Poucos adivinharam a verdade. Sofria com o que havia ocorrido em
suas solitárias expedições sexuais.” P. 09
Até em um
hospital psiquiátrico foi internado durante um tempo:
“Foucault era incapaz de conviver
consigo mesmo, e nenhum dos estudantes no seu dormitório queria conviver com
ele. Viam-no como louco perigoso, qualidades que só faziam ser exacerbadas com
seu inquestionável brilhantismo. Ardorosamente agressivo na argumentação
intelectual, era bem capaz de recorrer à violência. Seus colegas evitavam sua
companhia e ele começou a desenvolver doenças psicossomáticas. Longos turnos
numa cama solitária no sanatório o poupavam da existência comunitária do
dormitório, e ali lia voluptuosamente, até para padrões da ENS [École Normale
Supérieure].” P. 09-10.
E qual a
contribuição dele para os estudos historiográficos? Ela pode ser resumida neste
enunciado:
A história não estava registrando a
verdade do passado, mas revelando a verdade do presente. Assim era a orientação
do pensamento de Foucault.” P. 10.
Para ele, não
existe verdades históricas. O historiador está desprovido de objetividade,
quando vai chafurdar os antigos documentos existentes. Há interesses de poder
em jogo na interpretação dos fatos.
Com o tempo, e
racionalizando a sua sexualidade, ele passou a aceitá-la:
“O jovem estava se tornando maduro
numa velocidade excepcional, tanto acadêmica como pessoalmente. Sua crescente
segurança intelectual casava bem com seu autoconhecimento emocional. Aprendia a
aceitar a própria homossexualidade, e a violência de sua personalidade era
acalmada por ocasionais práticas sadomasoquistas.” P. 11.
Na ebulição das
questões políticas, Foucault filiou-se ao Partido
Comunista Francês.
“Tendo se acertado com a própria
sexualidade e aceitado a posição central que esta ocupava em sua vida, ficou
decepcionado ao ver a homossexualidade ser desprezada pelo partido como mera ‘decadência
burguesa’.” P. 12.
Espertinho,
passou a ensinar “putaria” as suas ingênuas alunas:
“Foucault dava conferências sobre
literatura francesa para turmas com estudantes majoritariamente do sexo
feminino. De maneira característica, escolheu um aspecto bastante restrito do
assunto, intitulando o seu curso de ‘A concepção do amor na literatura
francesa, do Marquês de Sade a Jean Genet’. É difícil imaginar qual foi a
impressão daquela plateia de saudáveis garotas suecas de 18 anos sobre essa
combinação de sadismo, sodomia e degeneração devassa”. P. 14.
O teórico francês
escreveu uma volumosa obra, chamada A História da Loucura. O que os Psiquiatras
chamam de “loucura”, assim como os Historiadores quando historiam os eventos
passados, não é nada menos que classificações e enunciações contingentes,
arbitrárias, ligadas ao poder. O “louco” não é um louco de verdade. Ele apenas
tem um saber diferente.
“A postura frente à loucura era, na
verdade, uma questão de percepção e prática sociais”. P. 15.
Simplificando o
relativismo dele:
"Se nosso modo de pensar era sempre determinado por uma episteme (ou
paradigma), tudo indicava que nunca poderíamos chegar à ‘verdade’. Assim, se
todas as epistemes eram contingentes, como poderíamos provar que uma episteme
era melhor que a outra? Não poderíamos. Logo, toda verdade era relativa; só
dependia de como as coisas eram vistas. [...] A questão é que uma episteme (ou paradigma)
se mostrará mais útil (ou, teoricamente, mais fecunda) do que a outra. Ela
proporcionará uma aproximação maior da imagem perfeita e inatingível (em outras
palavras, da ‘verdade absoluta’) daquilo que realmente acontece. Algo inegavelmente
acontece, mas nosso aparato perceptivo nos capacita a experienciar somente
certos efeitos desses acontecimentos. A crença em nossa habilidade de descobrir
a verdade absoluta acarreta a crença de que nosso aparato perceptivo — e sua
extensão nos instrumentos científicos — está totalmente adequado à realidade.
Nossos olhos registram apenas a luz entre os raios ultravioleta e infravermelho.
Como podemos saber se nossos instrumentos científicos, que são apenas uma
extensão do nosso campo perceptivo, não são igualmente limitados?” P. 22.
Resta perguntar,
se ele nos permite relativizar o que ele diz. Totalmente nonsense.
Voltando a sua
sexualidade:
“[...] havia também um lado mais obscuro que poucos, apenas os mais íntimos,
dos seus amigos percebiam. Cada vez mais frequentemente, o elegante intelectual
em sua gola alta e veludo cotelê se transformaria numa exótica criatura da
noite, vestida em couro e fazendo a ronda dos bares sadomasô. Aqueles que o
encontravam nesses trajes definem a experiência como sinistra.” P. 27.
Independente de qualquer coisa, Strathern faz uma
observação mui verdadeira:
“É fácil condenar a conduta sexual de Foucault. Como pode um filósofo
sério se comportar dessa forma? O que teriam dito Platão e Spinoza? No entanto,
poucos de nós vivemos como gostaríamos. A vergonha (e/ou a hipocrisia) é uma
sutileza aparentemente inevitável da existência social civilizada”. P. 27.
O livro fecha com
essa citação:
FOUCAULT: “Não é tão simples assim — alguém fazer o que gosta … e
espero morrer de uma overdose… de um prazer de qualquer tipo. Porque eu acho
que é realmente difícil e sempre tive a sensação de que não sinto o prazer, o
prazer completo total, e, para mim, ele está relacionado com a morte.”
ENTREVISTADOR: “Por que você diz isso?”
FOUCAULT: “Porque penso que o tipo de prazer que considero o prazer
real seria tão profundo, tão intenso, tão irresistível que eu não sobreviveria
a ele. Morreria.” Prossegue até relatar que um dos momentos mais felizes de sua
vida foi ao ser atropelado por um carro (quando estava alucinado por ópio): “Tive
a impressão de que estava morrendo e foi, realmente, um prazer muito, muito
intenso… Foi, e ainda é, uma de minhas melhores lembranças.” P. 35.