O presente livreto arranha algumas
coisinhas sobre Marx e seu pensamento. Eu particularmente, gosto muito desta
série 90 Minutos. Os chatos de plantão, os “sabidões”, os “fodões”, não
apreciam. Acham que poucas páginas não podem sintetizar a complexidade da vida
e obra de um Marx, Darwin, Kant e os demais. Mas aprende-se muito mais lendo
esses livrinhos introdutórios, do que assistindo as aulas desses pedantes.
Paul Strathern, Professor de Filosofia e
Matemática na Universidade de Kingston, Londres, de cara já escreve:
“Marx
propôs o comunismo como a resposta [para obtenção de direitos iguais]. A
experiência do século XX nos ensinou em termos nada incertos que essa resposta
não funciona. Ainda assim, várias das críticas mais argutas que Marx fez ao
capitalismo permanecem sem resposta. As questões de justiça social que ele
suscitou — urgentes e cruciais na época — continuam pertinentes.” P. 05.
Marx nasceu em 1818. Logo cedo,
quando tinha 17 anos, ele deixou os seus estudos secundários. Porém, aprendeu
24 línguas. Ele assistiu de perto, toda a situação precária em que os
trabalhadores ingleses viviam nas mãos dos burgueses, que os exploravam com
jornadas diárias de trabalho extenuantes, em troca de salários baixíssimos,
fora a exploração de crianças e mulheres. Tal situação de calamidade não podia
continuar. O que fazer então?
“Quando a produção
e a comercialização de bens são inteiramente motivadas pelo lucro, a justiça
social e até as necessidades humanas básicas são desprezadas. Um mundo
econômico como esse, que encontra sua razão de ser exclusivamente no lucro,
resulta em relações sociais grotescamente distorcidas que afetam toda a
atividade humana.” P. 18.
Diante das agruras sofridas pela
classe de milhões de trabalhadores nas fábricas insalubres da Inglaterra e
outros lugares, fruto da Revolução Industrial iniciada no século XVIII, como
Marx orquestrou o seu pensamento, para girar a roda da história em 360° em
favor da maioria, os proletários? De modo pacífico, através do diálogo com a
burguesia (a diminuta classe de pessoas que detinha praticamente toda a riqueza
gerada)? Esta, depois de um bom papo com os trabalhadores, cederia aos seus
privilégios?
“[...] ele
acreditava que a revolução era a resposta, e logo se tornou um dos novos
comunistas. Mas como a revolução poderia ocorrer? Primeiro, um programa
intelectual completo devia ser elaborado. E, se a política devia mudar, o mesmo
devia acontecer com a economia. Marx iniciou um intenso estudo do fundador da
economia, o escocês Adam Smith, e de seu sucessor, o inglês David Ricardo. Ao
mesmo tempo começou a elaborar um arcabouço filosófico para seu pensamento, na
forma de sua própria epistemologia. Quais são as bases para nosso conhecimento
do mundo? Como sabemos o que sabemos, e como sabemos se isso é verdadeiro?
[...] ele desejava basear todo o conhecimento em premissas estritamente
científicas.” P. 09-10.
Qual era então a epistemologia de
Marx?
“Para
Marx, nosso conhecimento tem origem em nossa experiência — nossas sensações e percepções
— do mundo material. Mas o materialismo de Marx diferia significativamente do de
seus predecessores. Estes tendiam a considerar a sensação e a percepção em
termos passivos. A luz atinge nossos olhos, nós sentimos o calor, ouvimos um
som. Nossa percepção de tais coisas não as altera de maneira nenhuma: são
coisas que nos afetam. Para Marx, por outro lado, essa percepção era uma
interação entre nós, o sujeito, e o objeto material. Esse objeto (o mundo à
nossa volta) é transformado no processo de ser conhecido. Nossa percepção não
descobre a verdade do mundo, apenas sua aparência. Portanto, também nosso conhecimento
não pode ser a verdade. Ele consiste, isto sim, em métodos práticos pelos quais
podemos manipular o mundo natural e adquirir controle sobre ele. Nosso
conhecimento do mundo não é passivo, ele tem um propósito. É um processo de
duas vias — ativo e reativo - em conformidade com a dialética.
A síntese
de conhecimento científico que assim adquirimos permite-nos impor padrões de ordem
aos funcionamentos da natureza, manipulá-los e antecipá-los. Esse processo não alcança
a verdade como esta é usualmente concebida. ‘Saber se é possível atribuir
verdade objetiva ao pensamento humano nada tem a ver com teoria, é uma questão
puramente prática. A verdade é a realidade e o poder do pensamento, que só
podem ser demonstrados na prática.’ Isso leva Marx à sua famosa conclusão: ‘Antes
os filósofos apenas interpretavam o mundo; ... a questão, porém, é
transformá-lo.’
Esta
afirmação deu margem a muitas interpretações. Tomada como uma atitude
filosófica, pareceria invalidar inteiramente seu autor como filósofo — pois
defende o abandono da filosofia em favor da ação política. Sua famosa
observação fica portanto aberta a todas as objeções filosóficas apresentadas
contra ela. Contudo, se for vista à luz da epistemologia de Marx — um processo
interativo —, ela tem de fato valor filosófico. Ele está defendendo uma idéia
profunda. Verdade absoluta é algo que simplesmente não existe. Aprendemos como
o mundo funciona para usá-lo, para viver nele. Infelizmente, mesmo no contexto
original da sua afirmação Marx parecia querer dizer as duas coisas.” P.
10.
Tudo isso aí, soa como o mais puro
relativismo. A coisa é simples de entender: Marx queria trocar a verdade da
burguesia, pela verdade do proletariado comunista. A verdade para ele, não
existe metafisicamente, como bem explica Antônio Carlos Mazzeo (Doutor em
História Econômica pela USP):
“[Para
Marx] todas as ‘verdades’ [...] são históricas. Valem pro momento. Elas não
valem nem pro passado e nem pro futuro. Você explica a realidade, a partir dela
mesma”.
Algumas páginas a frente,
Strathern relata um caso que evidencia que a verdade para Marx, era
apenas um meio manipulativo para se alcançar um fim.
“Quando a
Revolta dos Sipaios foi deflagrada na Índia, seu editor pediu-lhe que previsse
o resultado, e ele [Marx] escreveu a Engels: ‘É possível que eu faça papel de
burro. Mas nesse caso sempre dá para escapar com um pouquinho de dialética.
Formulei minha proposição, é claro, de modo a estar certo em qualquer caso'. (Assim começou uma tradição marxista que sobreviveria ao colapso tanto do
Império Britânico quanto do Soviético.)” P. 16.
A obra mais lida e conhecida de
Marx, é o Manifesto do Partido Comunista, que teve como coautor, seu amigo
Friedrich Engels. Neste pequeno livro, Marx defendeu:
“[...] o imposto de renda progressivo, a abolição do trabalho infantil e
a educação gratuita para todas as crianças, que hoje aceitamos como norma.
Outras, como a abolição da propriedade privada e o estabelecimento de um
monopólio estatal sobre os bancos, as comunicações, os transportes e todas as
formas de produção, foram tentadas.” P. 13.
O pai do comunismo cientifico tinha
saúde frágil e não era nenhum santo.
“Marx
começou a sofrer de penosos furúnculos, uma maldição de proporções bíblicas que
continuou a arruinar sua débil estrutura até o fim de seus dias. Outros na
família, entretanto, não tinham a mesma resistência, e mais dois de seus filhos
morreram na infância. Como se tudo isso não fosse ruim o suficiente, Marx ainda
teve um caso com a criada da família, Lenchen Demuth, e engravidou-a.” P.
15.
Duas de suas filhas, infelizmente,
tiraram a própria vida.
“A filha
mais velha de Marx, Laura, se suicidaria junto com o marido anarquista com quem
vivia na pobreza em Paris. A favorita dele, Tussy, escolheu o mesmo caminho
após ser rejeitada por seu amante mulherengo, que chegou a lhe fornecer o ácido
prússico que ela tomou, tendo uma morte dolorosíssima.” P. 15.
Strathern desvela sobre a pobreza
de Marx, sua relação com o trabalho, com Engels e com o dinheiro deste, gastos
e etc.
“Segundo
todos os relatos, a pura irresponsabilidade era o principal fator da
persistente pobreza de Marx. Engels continuou a enviar-lhe dinheiro regularmente,
e Marx foi até admitido como correspondente em Londres do New York Daily
Tribune, na época o jornal de maior circulação do mundo. Foi contratado para
escrever dois comentários por semana sobre as notícias da Grã-Bretanha e do
Império, que muitas vezes eram redigidos às pressas por Engels, para que o
prazo não estourasse.
[...]
Embora
Marx estivesse tendo um rendimento regular, sua correspondência com Engels incluía
freqüentes pedidos desesperados de mais dinheiro, sob a alegação da chegada iminente
de oficiais de justiça, da falta de comida em casa e que tais. Ele era
completamente aberto na discussão de suas idéias políticas com Engels, e essa
intimidade se estendia à sua vida pessoal — indo mesmo além de suas emergências
financeiras para incluir detalhes como a erupção de um furúnculo em seu pênis
ou o comentário de que resolvera relaxar e ficar em casa porque empenhara seu
único par de calças para poder comprar charutos. Karl Marx ou Groucho Marx? Às
vezes é difícil dizer. Para citar algumas estatísticas econômicas relevantes —
como Marx tanto gostava de fazer em suas obras —, ele ganhava 150 libras por
ano de Engels, além de duas libras por cada um de seus artigos bissemanais para
o Tribune. Mesmo em suas marés mais baixas, seu rendimento anual nunca foi
inferior a 200 libras, enquanto um escrevente ganhava nessa época 75 libras. As
despesas de Marx eram modestas: seu aluguel anual na Dean Street era de apenas
22 libras, e Lenchen devia receber 20 libras (se é que algum dia foi paga). De
alguma forma as 178 libras restantes do rendimento de Marx simplesmente
evaporavam no ar anuviado de tabaco enquanto ele, de cueca, tomava banho de sol
à janela.” P. 16.
Nada de trabalhar usando a força
física.
“Marx se
recusava terminantemente a se rebaixar a qualquer trabalho braçal, preferindo
escrever extensamente sobre tal atividade. Isso levou sua mãe a comentar,
exasperada: ‘É uma pena que o pequeno Karl não produza algum capital, em vez de
só escrever sobre ele’.” P. 16.
“Apesar de
sua relutância em prover materialmente a família, Marx foi sempre um páter-famílias
muito querido, a quem todos chamavam pelo apelido de ‘Mouro’.” P. 16.
As predições de Marx sobre a
derrocada iminente do capitalismo, fracassaram.
“Como a
história mostrou, no entanto, o erro estava muito mais nas pessoas que operavam
o sistema, e na liberdade que lhes era concedida, do que no sistema em si. O
poder desenfreado sempre foi uma receita de exploração e hipocrisia. O sistema
capitalista em si tem apenas parte da culpa. O capitalismo parece ser como a
democracia de Churchill: ‘A pior forma de governo, exceto todas as outras que
foram tentadas’.” P. 21.
“O que
Marx não compreendeu foi que as contradições internas do capitalismo teriam um grande
papel estimulando sua evolução, e não destruindo-o. Marx não foi o único a compreender
mal o capitalismo. Nenhum dos grandes pensadores de sua época — de Mill a Nietzsche
— suspeitou nem de leve que o capitalismo iria proliferar da maneira como o
fez.” P. 22.
Entretanto...
“A propriedade privada, o dinheiro, o estímulo do lucro e a alienação parecem ser fundamentais em nosso atual estágio de evolução. Nós os usamos — assim como eles nos usam. A alienação transforma-se em individualidade exacerbada. Por outro lado, a análise de Marx se estende muito além dos primeiros tempos da sociedade vitoriana a que foi aplicada. Suas descrições do culto ao dinheiro, de nossa atitude em relação à propriedade privada, do consumismo e da busca do lucro pelo lucro são todas pertinentes à era de enxugamento de empresas, crises monetárias provocadas, disparada nos preços das ações de empresas de tecnologia com base em valores irreais, e companhias cujos ativos consistem em tudo exceto nas pessoas que nela trabalham.” P. 19.