sábado, 24 de abril de 2021

Marx em 90 Minutos


STRATHERN, Paul. Marx em 90 Minutos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003. (PDF). 

O presente livreto arranha algumas coisinhas sobre Marx e seu pensamento. Eu particularmente, gosto muito desta série 90 Minutos. Os chatos de plantão, os “sabidões”, os “fodões”, não apreciam. Acham que poucas páginas não podem sintetizar a complexidade da vida e obra de um Marx, Darwin, Kant e os demais. Mas aprende-se muito mais lendo esses livrinhos introdutórios, do que assistindo as aulas desses pedantes.

 Paul Strathern, Professor de Filosofia e Matemática na Universidade de Kingston, Londres, de cara já escreve:

“Marx propôs o comunismo como a resposta [para obtenção de direitos iguais]. A experiência do século XX nos ensinou em termos nada incertos que essa resposta não funciona. Ainda assim, várias das críticas mais argutas que Marx fez ao capitalismo permanecem sem resposta. As questões de justiça social que ele suscitou — urgentes e cruciais na época — continuam pertinentes.” P. 05.

Marx nasceu em 1818. Logo cedo, quando tinha 17 anos, ele deixou os seus estudos secundários. Porém, aprendeu 24 línguas. Ele assistiu de perto, toda a situação precária em que os trabalhadores ingleses viviam nas mãos dos burgueses, que os exploravam com jornadas diárias de trabalho extenuantes, em troca de salários baixíssimos, fora a exploração de crianças e mulheres. Tal situação de calamidade não podia continuar. O que fazer então?

“Quando a produção e a comercialização de bens são inteiramente motivadas pelo lucro, a justiça social e até as necessidades humanas básicas são desprezadas. Um mundo econômico como esse, que encontra sua razão de ser exclusivamente no lucro, resulta em relações sociais grotescamente distorcidas que afetam toda a atividade humana.” P. 18.

Diante das agruras sofridas pela classe de milhões de trabalhadores nas fábricas insalubres da Inglaterra e outros lugares, fruto da Revolução Industrial iniciada no século XVIII, como Marx orquestrou o seu pensamento, para girar a roda da história em 360° em favor da maioria, os proletários? De modo pacífico, através do diálogo com a burguesia (a diminuta classe de pessoas que detinha praticamente toda a riqueza gerada)? Esta, depois de um bom papo com os trabalhadores, cederia aos seus privilégios?

“[...] ele acreditava que a revolução era a resposta, e logo se tornou um dos novos comunistas. Mas como a revolução poderia ocorrer? Primeiro, um programa intelectual completo devia ser elaborado. E, se a política devia mudar, o mesmo devia acontecer com a economia. Marx iniciou um intenso estudo do fundador da economia, o escocês Adam Smith, e de seu sucessor, o inglês David Ricardo. Ao mesmo tempo começou a elaborar um arcabouço filosófico para seu pensamento, na forma de sua própria epistemologia. Quais são as bases para nosso conhecimento do mundo? Como sabemos o que sabemos, e como sabemos se isso é verdadeiro? [...] ele desejava basear todo o conhecimento em premissas estritamente científicas.” P. 09-10.

Qual era então a epistemologia de Marx?

“Para Marx, nosso conhecimento tem origem em nossa experiência — nossas sensações e percepções — do mundo material. Mas o materialismo de Marx diferia significativamente do de seus predecessores. Estes tendiam a considerar a sensação e a percepção em termos passivos. A luz atinge nossos olhos, nós sentimos o calor, ouvimos um som. Nossa percepção de tais coisas não as altera de maneira nenhuma: são coisas que nos afetam. Para Marx, por outro lado, essa percepção era uma interação entre nós, o sujeito, e o objeto material. Esse objeto (o mundo à nossa volta) é transformado no processo de ser conhecido. Nossa percepção não descobre a verdade do mundo, apenas sua aparência. Portanto, também nosso conhecimento não pode ser a verdade. Ele consiste, isto sim, em métodos práticos pelos quais podemos manipular o mundo natural e adquirir controle sobre ele. Nosso conhecimento do mundo não é passivo, ele tem um propósito. É um processo de duas vias — ativo e reativo - em conformidade com a dialética.

A síntese de conhecimento científico que assim adquirimos permite-nos impor padrões de ordem aos funcionamentos da natureza, manipulá-los e antecipá-los. Esse processo não alcança a verdade como esta é usualmente concebida. ‘Saber se é possível atribuir verdade objetiva ao pensamento humano nada tem a ver com teoria, é uma questão puramente prática. A verdade é a realidade e o poder do pensamento, que só podem ser demonstrados na prática.’ Isso leva Marx à sua famosa conclusão: ‘Antes os filósofos apenas interpretavam o mundo; ... a questão, porém, é transformá-lo.’

Esta afirmação deu margem a muitas interpretações. Tomada como uma atitude filosófica, pareceria invalidar inteiramente seu autor como filósofo — pois defende o abandono da filosofia em favor da ação política. Sua famosa observação fica portanto aberta a todas as objeções filosóficas apresentadas contra ela. Contudo, se for vista à luz da epistemologia de Marx — um processo interativo —, ela tem de fato valor filosófico. Ele está defendendo uma idéia profunda. Verdade absoluta é algo que simplesmente não existe. Aprendemos como o mundo funciona para usá-lo, para viver nele. Infelizmente, mesmo no contexto original da sua afirmação Marx parecia querer dizer as duas coisas.” P. 10.

Tudo isso aí, soa como o mais puro relativismo. A coisa é simples de entender: Marx queria trocar a verdade da burguesia, pela verdade do proletariado comunista. A verdade para ele, não existe metafisicamente, como bem explica Antônio Carlos Mazzeo (Doutor em História Econômica pela USP):

“[Para Marx] todas as ‘verdades’ [...] são históricas. Valem pro momento. Elas não valem nem pro passado e nem pro futuro. Você explica a realidade, a partir dela mesma”.

Algumas páginas a frente, Strathern relata um caso que evidencia que a verdade para Marx, era apenas um meio manipulativo para se alcançar um fim.

“Quando a Revolta dos Sipaios foi deflagrada na Índia, seu editor pediu-lhe que previsse o resultado, e ele [Marx] escreveu a Engels: ‘É possível que eu faça papel de burro. Mas nesse caso sempre dá para escapar com um pouquinho de dialética. Formulei minha proposição, é claro, de modo a estar certo em qualquer caso'. (Assim começou uma tradição marxista que sobreviveria ao colapso tanto do Império Britânico quanto do Soviético.)” P. 16.

A obra mais lida e conhecida de Marx, é o Manifesto do Partido Comunista, que teve como coautor, seu amigo Friedrich Engels. Neste pequeno livro, Marx defendeu:

“[...] o imposto de renda progressivo, a abolição do trabalho infantil e a educação gratuita para todas as crianças, que hoje aceitamos como norma. Outras, como a abolição da propriedade privada e o estabelecimento de um monopólio estatal sobre os bancos, as comunicações, os transportes e todas as formas de produção, foram tentadas.” P. 13.

O pai do comunismo cientifico tinha saúde frágil e não era nenhum santo.

“Marx começou a sofrer de penosos furúnculos, uma maldição de proporções bíblicas que continuou a arruinar sua débil estrutura até o fim de seus dias. Outros na família, entretanto, não tinham a mesma resistência, e mais dois de seus filhos morreram na infância. Como se tudo isso não fosse ruim o suficiente, Marx ainda teve um caso com a criada da família, Lenchen Demuth, e engravidou-a.” P. 15.

Duas de suas filhas, infelizmente, tiraram a própria vida.

“A filha mais velha de Marx, Laura, se suicidaria junto com o marido anarquista com quem vivia na pobreza em Paris. A favorita dele, Tussy, escolheu o mesmo caminho após ser rejeitada por seu amante mulherengo, que chegou a lhe fornecer o ácido prússico que ela tomou, tendo uma morte dolorosíssima.” P. 15.

Strathern desvela sobre a pobreza de Marx, sua relação com o trabalho, com Engels e com o dinheiro deste, gastos e etc.

“Segundo todos os relatos, a pura irresponsabilidade era o principal fator da persistente pobreza de Marx. Engels continuou a enviar-lhe dinheiro regularmente, e Marx foi até admitido como correspondente em Londres do New York Daily Tribune, na época o jornal de maior circulação do mundo. Foi contratado para escrever dois comentários por semana sobre as notícias da Grã-Bretanha e do Império, que muitas vezes eram redigidos às pressas por Engels, para que o prazo não estourasse.

[...]

Embora Marx estivesse tendo um rendimento regular, sua correspondência com Engels incluía freqüentes pedidos desesperados de mais dinheiro, sob a alegação da chegada iminente de oficiais de justiça, da falta de comida em casa e que tais. Ele era completamente aberto na discussão de suas idéias políticas com Engels, e essa intimidade se estendia à sua vida pessoal — indo mesmo além de suas emergências financeiras para incluir detalhes como a erupção de um furúnculo em seu pênis ou o comentário de que resolvera relaxar e ficar em casa porque empenhara seu único par de calças para poder comprar charutos. Karl Marx ou Groucho Marx? Às vezes é difícil dizer. Para citar algumas estatísticas econômicas relevantes — como Marx tanto gostava de fazer em suas obras —, ele ganhava 150 libras por ano de Engels, além de duas libras por cada um de seus artigos bissemanais para o Tribune. Mesmo em suas marés mais baixas, seu rendimento anual nunca foi inferior a 200 libras, enquanto um escrevente ganhava nessa época 75 libras. As despesas de Marx eram modestas: seu aluguel anual na Dean Street era de apenas 22 libras, e Lenchen devia receber 20 libras (se é que algum dia foi paga). De alguma forma as 178 libras restantes do rendimento de Marx simplesmente evaporavam no ar anuviado de tabaco enquanto ele, de cueca, tomava banho de sol à janela.” P. 16.

Nada de trabalhar usando a força física.

“Marx se recusava terminantemente a se rebaixar a qualquer trabalho braçal, preferindo escrever extensamente sobre tal atividade. Isso levou sua mãe a comentar, exasperada: ‘É uma pena que o pequeno Karl não produza algum capital, em vez de só escrever sobre ele’.” P. 16.

“Apesar de sua relutância em prover materialmente a família, Marx foi sempre um páter-famílias muito querido, a quem todos chamavam pelo apelido de ‘Mouro’.” P. 16.

As predições de Marx sobre a derrocada iminente do capitalismo, fracassaram.

“Como a história mostrou, no entanto, o erro estava muito mais nas pessoas que operavam o sistema, e na liberdade que lhes era concedida, do que no sistema em si. O poder desenfreado sempre foi uma receita de exploração e hipocrisia. O sistema capitalista em si tem apenas parte da culpa. O capitalismo parece ser como a democracia de Churchill: ‘A pior forma de governo, exceto todas as outras que foram tentadas’.” P. 21.

“O que Marx não compreendeu foi que as contradições internas do capitalismo teriam um grande papel estimulando sua evolução, e não destruindo-o. Marx não foi o único a compreender mal o capitalismo. Nenhum dos grandes pensadores de sua época — de Mill a Nietzsche — suspeitou nem de leve que o capitalismo iria proliferar da maneira como o fez.” P. 22.

Entretanto...

“A propriedade privada, o dinheiro, o estímulo do lucro e a alienação parecem ser fundamentais em nosso atual estágio de evolução. Nós os usamos — assim como eles nos usam. A alienação transforma-se em individualidade exacerbada. Por outro lado, a análise de Marx se estende muito além dos primeiros tempos da sociedade vitoriana a que foi aplicada. Suas descrições do culto ao dinheiro, de nossa atitude em relação à propriedade privada, do consumismo e da busca do lucro pelo lucro são todas pertinentes à era de enxugamento de empresas, crises monetárias provocadas, disparada nos preços das ações de empresas de tecnologia com base em valores irreais, e companhias cujos ativos consistem em tudo exceto nas pessoas que nela trabalham.” P. 19.