segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Deus, Um Delírio


DAWKINS, Richard. Deus, um delírio. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

Richard Dawkins (Ph.D em Zoologia na Universidade de Oxford, membro da Royal Society e da Associação Britânica para o Avanço da Ciência) é o mais ferrenho e militante Cientista contra a religião nos últimos anos. Sua contribuição e ataque contra o mundo da fé, já vem de algumas décadas. Em 2006 ele lançou sua maior investida contra o delírio daqueles que acreditam em Deus. O resultado é este livro aqui.

Ele possui muitas críticas construtivas, outras nem tanto. Muitas verdades, muitas meias-verdades, muitos exageros, erros, equívocos... 

O mais famoso Cientista ateu do mundo comete várias falácias. Mas eu gostei dessa obra, mais do que eu pensava que poderia gostar! Ele também acerta muito. Muito do que ele diz precisa ser pensado e ponderado, por aqueles que militam a favor da religião, e por aqueles que têm um olhar complacente sobre o comportamento religioso, muitas vezes bizarro. 

“Se este livro funcionar do modo como espero, os leitores religiosos que o abrirem serão ateus quando o terminarem." P. 29.

Essa pretensão do Dawkins, pelo menos em mim, não surtiu efeito. Sou um teísta com propensões ao deísmo, mesmo estando mais ou menos ciente dos buracos e fendas teóricas deste último. Ah, o primeiro também tem. 

Talvez O Dawkins dissesse que essa minha propensão é um possível caminho trilhado rumo ao ateísmo. Seria mais ou menos assim: Teísmo >>> Deísmo >>> Agnosticismo >>> Ateísmo. Lascou! Estou no meio do caminho! Tô bosta nenhuma.

Essa obra abarca muitas coisas; muitos assuntos; passeia por vários temas e polêmicas. Não poupa palavras ofensivas aos mais sensíveis. Como meus resumos, em quase sua totalidade são bem parciais, aqui não será diferente. Vamos dá algumas pinceladas no que o livro nos traz.

"Não há nada de que se desculpar por ser ateu. Pelo contrário, é uma coisa da qual se deve ter orgulho, encarando o horizonte de cabeça erguida, já que o ateísmo quase indica uma independência de pensamento saudável e, mesmo, uma mente saudável. Existem muitos que sabem, no fundo do coração, que são ateus, mas não se atrevem a admitir isso para suas famílias e, em alguns casos, para si mesmos". P. 26-27.

Num capítulo ele defende decisivamente que Einstein era ateu, citando uma fala dele:

"É claro que era mentira o que você leu sobre minhas convicções religiosas, uma mentira que está sendo sistematicamente repetida. Não acredito num Deus pessoal e nunca neguei isso, e sim o manifestei claramente. Se há algo em mim que possa ser chamado de religioso, é a admiração ilimitada pela estrutura do mundo, do modo como nossa ciência é capaz de revelar." P. 38. -

Dawkins mostra muito bem, com essa citação e tantas outras, que o maior Físico de todos os tempos não era um teísta ou deísta. Era ateu mesmo. Mas quem diabo se importa?! Como faço parte dos que creem, é claro que preferiria que ele fizesse parte do time.

Uma das frases mais conhecidas e muito apreciada pelos ateus é está:

"O Deus do Antigo Testamento é talvez o personagem mais desagradável da ficção. Ciumento, e com orgulho; controlador mesquinho, injusto e intransigente, genocida étnico e vingativo, sedento de sangue; perseguidor misógino, homofóbico, racista, infanticida, filicida, pestilento, megalomaníaco, sadomasoquista, malévolo". P. 55.

Li de ponta a ponta esse mesmo Antigo Testamento que o Dawkins leu, entretanto, não tive essa impressão horripilante. Mas verdade seja dita, certos trechos são difíceis de assimilar, sobretudo, quando as respostas formuladas deixam a desejar.

Mesmo que fosse (ou que seja) verossímil essa impressão do Biólogo de Oxford, esse Deus aí é fichinha perto do Deus de uma parte gigante dos protestantes, falo do deus calvinista. Este como dizem alguns é de fazer o sangue gelar.

Jerry Coyne (Ph.D em Biologia e Pós-Doutorado pela Universidade de Harvard, Professor de Biologia no Departamento de Ecologia e Evolução da Universidade de Chicago), junta-se ao Dawkins contra a religião:

"A ciência não é nada mais que uma forma de racionalismo, enquanto a religião é a forma mais comum de superstição". P. 102.

Dawkins dispara contra a subjetividade da experiência pessoal que acompanha a fé de muitos:

"Muita gente acredita em Deus porque acredita ter tido uma visão dele - ou de um anjo ou de uma virgem azul - com seus próprios olhos. Ou que ele fala com eles dentro de suas cabeças. Esse argumento da experiência pessoal é o mais convincente para aqueles que afirmam ter passado por uma. Mas é o menos convincente para todo o resto, e para qualquer pessoa que conheça psicologia." P. 125.

Um ponto interessante, que é de conhecimento comum, é que a maioria dos Cientistas do alto escalão não professam nenhum tipo de crença religiosa, inclusive a fé cristã. Bertrand Russell que foi um eminente Professor de Filosofia na Universidade de Cambridge, Inglaterra, é chamado a dizer algo semelhante, não apenas em relação aos Cientistas, mas aos intelectuais de um modo geral:

“A imensa maioria dos homens intelectualmente eminentes não acredita na religião cristã, mas esconde esse fato do público”. P. 138.

Dawkins reitera:

“Fica cada vez mais difícil encontrar grande cientistas que professem sua religião ao longo do século XX. [...] O empenho dos apologistas para encontrar cientistas modernos destacados que sejam religiosos tem um certo ar de desespero, produzindo o som inconfundível de se raspar o fundo da panela. [...] Um estudo na importante revista Nature, de Larson e Witham, em 1998, mostrou que dentre os cientistas americanos considerados eminentes o bastante para serem eleitos para a Academia Nacional de Ciências (o equivalente a pertencer a Royal Society na Grã-Bretanha) apenas cerca de 7% acreditam num Deus pessoal. [...] O que é notável é a completa oposição entre a religiosidade do povo americano em geral e o ateísmo da elite intelectual". P. 140, 141, 142.

James Watson (Prêmio Nobel de Medicina (1962), foi Professor das Universidade de Cambridge e Harvard, descobridor da Dupla Hélice do DNA) deu a seguinte resposta quando perguntando se ele conhecia muitos Cientistas religiosos:

“Virtualmente nenhum. Às vezes os encontro, e fico meio sem jeito [risos] porque, sabe, não consigo acreditar em ninguém que aceite a verdade pela revelação [livros ditos sagrados].” P. 141.

Benjamin Beit-Hallahm, (Ph.D em Psicologia Clínica da Universidade Estadual de Michigan, Professor da Universidade de Haifa, Israel) confirma:

“[...] entre os laureados pelo prêmio Nobel nas áreas científicas, assim como na literatura, houve um grau notável de irreligiosidade, se comparado com as populações das quais eles são oriundos". P. 141.

Dawkins, com toda acidez, que lhe é bem peculiar, e desdém furioso que nutre pelo sentimento religioso, admite que a religião esteve/está presente em todas as culturas.

"Embora os detalhes variem pelo mundo, nenhuma cultura conhecida deixou de ter alguma versão dos rituais dispendiosos e trabalhosos, das fantasias antifactuais e contraproducentes da religião. Alguns indivíduos cultos podem ter abandonando a religião, mas todos foram criados dentro de uma cultura religiosa e tiveram de tomar a decisão consciente de romper com ela." P. 219-220.

O grande Teólogo da Reforma Protestante, João Calvino, também tocou nesse ponto.

"[...] desde o começo do mundo, nenhuma cidade, nenhuma casa existiria que pudesse carecer de religião. Nisso há uma tácita confissão; está inscrito no coração de todos um sentimento de divindade”. P. 43. - A Instituição da Religião Cristã. Tomo I, livros, I e II. São Paulo: UNESP, 2008.

Geralmente esse fato é usado, como uma espécie de argumento positivo para a religião. Mas assim como todas as culturas, povos e tribos têm as suas atrocidades, pilantragens e bobagens, porque a religião estaria de fora? Um ateu pode sarcasticamente fazer essa observação.

Dawkins não se esquiva da questão da moralidade:

“SE DEUS NÃO EXISTE, POR QUE SER BOM?
[...] Quando uma pessoa religiosa dirige-a desse jeito para mim (e muitas fazem isso), minha tentação imediata é lançar o seguinte desafio: "Você realmente quer me dizer que o único motivo para você tentar ser bom é para obter a aprovação e a recompensa de Deus, ou para evitar a desaprovação dele e a punição? Isso não é moralidade, é só bajulação, puxação de saco, estar preocupado com a grande câmera de vigilância dos céus, ou com o pequeno grampo de dentro da sua cabeça que monitora cada movimento seu, até seus pensamentos mais ordinários".
 P. 295.

Aí está uma resposta interessante!

E sobre Jesus, o que ele tem a dizer?

"Bom, não há como negar que, do ponto de vista moral, Jesus é um enorme avanço se comparado com o ogro cruel do Antigo Testamento. Se é que existiu, Jesus (ou quem quer que tenha escrito seus textos, se não ele) foi certamente um dos grandes inovadores éticos da história. O Sermão da Montanha é bastante progressista. Seu 'ofereça a outra face' antecipou Gandhi e Martin Luther King em 2 mil anos. Não foi à toa que escrevi um artigo chamado 'Ateus por Jesus' (e depois tive o prazer de ganhar de presente uma camiseta com esses dizeres)." P. 325.

Mas logo após algumas linhas vem a cipuada:

"Os valores familiares de Jesus, é preciso admitir, não são lá muito exemplares. Ele era seco, chegando a ser rude, com a própria mãe, e encorajou os discípulos a abandonar a família para segui-lo". P. 325.

Ele também fala sobre o aborto:

“A incoerência [dos que se posicionam inflamavelmente contra o aborto] fica evidente quando lembramos que a sociedade já aceita a FIV (fertilização in vitro), na qual os médicos rotineiramente estimulam as mulheres a produzir mais óvulos, que serão fertilizados fora do corpo. Mais de uma dezena de zigotos podem ser produzidos, dos quais dois ou três são implantados no útero. A expectativa é que, entre eles, apenas um ou talvez dois sobrevivam. A FIV, portanto, mata embriões em dois estágios do procedimento, e a sociedade em geral não tem nenhum problema com isso. Há 25 anos a FIV é um procedimento-padrão para levar alegria à vida de casais sem filhos.” P. 377.

O Biólogo de Oxford está certo. Se a vida começa na concepção, momento em que o esperma fertiliza o óvulo, e se a mesma não pode ser “assassinada”, a fertilização in vitro deveria ser alvo dos mais contundentes protestos daqueles que se dizem pró-vida. Mas não é isso que acontece. Nunca li em nenhum livro que se posiciona veementemente contra o aborto, uma linha sequer mencionando o caráter “assassino” da fertilização in vitro. Há anos em conversas com amigos, venho falando dessa contradição tão obvia dos mais conservadores.

E pra fechar:

“O poder de consolo da religião não a torna verdadeira. Mesmo que fizéssemos uma enorme concessão; mesmo que fosse demonstrado de forma conclusiva que a crença na existência de Deus é absolutamente essencial para o bem-estar psicológico e emocional humano; mesmo que todos os ateus fossem neuróticos desesperados levados ao suicídio por uma angústia cósmica infinita - nada disso contribuiria nem com um pingo de prova de que a crença religiosa é verdadeira." P. 445.

É um livro bem extenso, que trabalha muitos temas. Tinha marcado várias páginas para citar e comentar, mas ficaria muito longo esse resumo. Muitos argumentos bons e ruins eu deixei de frisar. Partes até mais importantes do que as que foram comentadas aqui. Mereço um desconto, pois muitos já fizeram suas respectivas resenhas e resumos.

Aos que demonizam o Dawkins, indico que o leia e, simplesmente não o subestime, porque ele já foi “refutado” por A ou B. Aos ateus que acham que ele é a última bolacha do pacote, sinto muito em dizer: num é não. Boas respostas teístas foram formuladas, que precisam ser levadas em conta. Sei que é difícil para ambos os lados olhar o outro com um mínimo razoável de imparcialidade e objetividade. Eu mesmo tenho essa dificuldade. Mas nos esforcemos. 

PS: o livro está em PDF completo na web.