CORDEIRO, Tiago. A Grande Aventura dos Jesuítas no Brasil. São Paulo: Planeta, 2016.
"Se na juventude alguém dissesse a Iñigo [Inácio de Loyola] que, ao morrer, em 1556, ele deixaria como legado uma instituição religiosa e influente, que chegaria ao século XXI com um de seus membros [papa Francisco] no mais alto posto da Igreja Católica, ele provavelmente daria boas risadas." P. 20.
A mais polêmica ordem religiosa surgida no seio do catolicismo. A Companhia de Jesus, ou simplesmente, Jesuítas, foi fundada no período turbulento da Reforma Protestante no século XVI, quando a igreja católica estava sofrendo os maiores ataques até então contra a sua maneira de conduzir os assuntos espirituais. Em muitas regiões da Europa, o catolicismo estava perdendo fieis para os pregadores protestantes, que estavam dizendo em alto e bom som, que a igreja tinha se apartado dos ensinos apostólicos. Segundo eles, ela tinha apostatado da fé. Lutero e outros, agora diziam que o papa era o próprio anticristo, ou, o seu representante.
Uma das reações do catolicismo veio de um ex soldado, Inácio de Loyola, que imbuído de uma missão espiritual e divina, queria trabalhar de maneira integral, em prol da fé católica. Em 1534 é criada a Companhia. Essa ordem juntamente com outros grupos católicos, como os capuchinhos, dominicanos e outros, estiveram na dianteira da evangelização da recém colônia chamada Brasil.
Mas os jesuítas foram de longe os mais proeminentes católicos a difundir e coagir os silvícolas a abraçarem a nova fé. Fundaram escolas, traduziram idiomas, criaram gramáticas, lutaram contra a escravização dos indígenas, alargaram o território da colônia e etc. Nenhuma outra ordem foi tão dinâmica e criativa na disseminação dos valores europeus e cristãos.
Tanto no Brasil, como noutros países, muitos missionários da Companhia passaram pelo martírio. Tiago Cordeiro descreve a morte lacinante de dois missionários jesuítas no Canadá, no século XVII, por uma tribo local:
"Os índios iroqueses arrancaram as roupas dos dois e jogaram ao fogo suas túnicas pretas. Com gritos de euforia, amarraram os prisioneiros pelas mãos, com cordas, de forma que ficassem presos a postes baixos. Aspergiram água fervendo sobre eles, numa simulação de batismo. Usaram facas para arrancar fatias finas de suas pernas, de seus narizes e de suas barrigas. Cozinharam os pedaços diante das próprias vítimas. Por fim, depois de quatro horas de torturas, abriram o peito de Jean e Gabriel e arrancaram seus corações. Comeram os orgãos e então beberam o sangue das duas vítimas." P. 44.
Tanto lá fora, como aqui, o “amor” cristão tinha seus limites. Os Jesuítas militaram a favor da “liberdade” indígena, contanto que eles estivessem dispostos a viver conforme as regras estabelecidas pela ordem. O negro africano não teve esse “privilégio”.
"Para a mão de obra responsável pela manutenção das terras [na América do Norte], os inacianos [jesuítas] usaram exatamente o mesmo recurso de qualquer outro fazendeiro local: escravos africanos. Os missionários, em geral, não viam problemas em manter outros seres humanos em regime de cativeiro. Dominava entre eles o pensamento estabelecido pelo frei dominicano Bartolomé de las Casas, que, já no século XVI, argumentava que a escravidão de africanos se justificava porque a falta de liberdade era compensada pela conversão forçada ao cristianismo. Se continuassem morando na África, dizia o teólogo espanhol, não conheceriam a fé que os salvaria do inferno." P. 49.
Não foi fácil empreender as missões evangelizadoras nas terras inexploradas. Assim era o caminho dos jesuítas para converter os índios, no Brasil do século XVI:
"As febres eram recorrentes, os muitos ferimentos nas mãos, nos pés e no rosto demoravam a cicatrizar e o sono era difícil em lugares cheios de animais desconhecidos e índios potencialmente agressivos. Ocasionalmente, os colonos ainda conseguiam convencer índios a atuarem como guias, caçadores, pescadores e navegadores. Nos trechos em que não havia nativos para ajudar, o percurso consistia em um acúmulo de improvisos e erros grosseiros cometidos por gente que não sabia se movimentar por aquele tipo de terreno." P. 63-64.
Nessas andanças até histórias com certa semelhança com as aventuras bíblicas, os jesuítas se depararam:
"[O jesuíta Manoel da Nóbrega] ouviu dos índios histórias sobre um dilúvio. Para os locais, as chuvas tinham preservado um casal, que se protegera em um pinheiro e depois desceria em terra firme para repovoar o mundo". P. 72.
É no mínimo intrigante o fato de que várias culturas distintas, sem nunca terem tido contato umas com as outras terem em seus mitos, histórias semelhantes as narrativas bíblicas de Adão e Eva e do Dilúvio. Com os índios aqui encontrados, não foi diferente, pelo menos com relação à enchente que precipitou-se sobre a terra. Alguns dirão que essas histórias semelhantes seriam um arquétipo universal. Don Richardson, missionário protestante, escreveu o livro O Fator Melquisedeque, que trata especificamente dessas histórias que perpassam várias culturas e povos antigos e tribos contemporâneas.
O canibalismo dos indígenas no século XVI assustava os europeus. Tiago conta como era esse bizarro comportamento dos moradores da terra:
“[...] poligamia, relação sexual entre familiares, nomadismo, e o hábito de beber muito e guerrear com freqüência. Outro ponto ainda se destaca: os silvícolas tinham o costume, abominável aos olhos europeus, de comer carne humana. Os prisioneiros mais corajosos eram detidos por meses e, durante esse período, eram bem alimentados e tinham acesso tanto às cabanas quanto às mulheres e filhas dos índios inimigos. Até que, num ritual em que deveriam resistir a fim de demonstrar não ter medo da morte, eram assassinados e cozinhados. Os melhores pedaços eram degustados pelos guerreiros, que assim incorporavam a coragem do morto. Esta era a prática mais comum, ainda que não a única”. P. 73.
Manoel da Nóbrega, João de Navarro, José de Anchieta, João Felipe, Antônio Vieira, Anton Sepp, Gabriel Malagrida e Jorge Bergoglio (atual papa), são alguns dos jesuítas que preenchem as páginas desse livro.
Outra figura de importância salutar para a aventura dos inacianos foi o Marquês de Pombal, inimigo mortal da obra, que graças as seus esforços, a ordem foi expulsa do Brasil, perseguida em Portugal, se extinguindo. Muitos foram os inacianos presos e até mortos, pelo Estado português, influenciado pelo Marquês.
Décadas depois a ordem pode se reerguer, mas não com o mesmo poder de antes, apesar de ter em suas fileiras pessoas que fizeram história além do mundo religioso, como o jesuíta Georges Lemâitre, o primeiro a teorizar sobre a teoria do Big Bang, posteriormente, confirmada por várias observações astronômicas.
Impressionantemente, foram os jesuítas os primeiros a praticarem o futebol em terras tupiniquins.
“Foi em um colégio jesuíta em Itu (SP) que os religiosos começaram a praticar o futebol, alguns anos antes da chegada de Charles Miller ao Brasil. Em 1873, José Mantero, padre jesuíta e professor do Colégio São Luiz, levou uma bola a um grande gramado e mostrou a seus alunos as regras do novo jogo.” P. 238-239.