sábado, 20 de agosto de 2016

Desafios do século 21 para o pensamento cristão: esboços teológicos



GONZÁLEZ. Justo. Desafios do século 21 para o pensamento cristão: esboços teológicos. São Paulo: Hagnos, 2014.

Justo Gonzáles, Ph.D e Mestre em Teologia Histórica pela Universidade de Yale, continua sendo um dos Teólogos e Historiadores do Cristianismo, que mais admiro e prezo. Na presente obra, temos alguns esboços de temas de suma importância não apenas para a igreja, mas para a sociedade global. González se destaca pela facilidade com que passeia pela história, para adentrar nos assuntos propriamente ditos.

Qual a postura que a igreja cristã deve tomar frente aos problemas que acometem o nosso conturbado século XXI? Quais atitudes ela deve ter perante as questões ecológicas, econômicas, culturais e etc.? Olhando para os seus primórdios e extraindo das escrituras princípios que possam nortear a conduta da mesma.

No desafio imposto pela ecologia, dois fatos curiosos nos são trazidos. Devido à influência do platonismo na igreja, a partir do século II, houve durante vários séculos da história do cristianismo, um certo desprezo pelas coisas terrenas. O olhar sobre o mundo era sempre com as lentes platônicas. O espiritual era tido como mais importante que as coisas sensíveis. Estas podiam ser relegadas a segundo ou terceiro plano. Dois Teólogos proeminentes da igreja destacam-se pelo desdém ao mundo natural.

“[...] o próprio Agostinho mostra-se muito dolorido e arrependido porque em certa ocasião se ativera por uns minutos a observar a conduta de uma lagartixa, quando na realidade deveria ter se ocupado das verdades eternas. Séculos mais tarde, Anselmo de Canterbury declarou que, porquanto o ser humano foi feito para contemplação de Deus, se por apenas um instante afasta sua vista do Eterno, a fim de contemplar em seu lugar o mais formoso dos astros, não poderá em toda a eternidade pagar por tal pecado.” P. 26-27.

Parece piada isso, não é? Esses dois foram muito inteligentes em várias abstrações filosóficas, mas só uma pessoa com o parafuso solto levaria a sério hoje em dia, esse tipo de conduta que ambos pareciam levar. Com esse tipo de pensamento, nenhuma sociedade avançaria na técnica e na ciência. O cara virar cristão para depois ficar com o peso na consciência por observar os movimentos de uma lagartixa, é de lascar. Se bem que Agostinho era meio lélé da cuca mesmo. Anselmo também não fica atrás na paranoia.

González propõe uma volta ao livro de Gênesis para a fundamentação de uma teologia ecológica. O primeiro livro da Bíblia fala-nos sobre a criação do homem/mulher e do restante da criação. Nada melhor do que extrair dos primeiros capítulos de Gênesis, uma práxis ecológica não baseada na exploração descarada da natureza, mas de respeito pela mesma. Ele reconhece que os cristãos em muitos momentos não tiveram o devido respeito pelo mundo natural, explorando-o sem responsabilidade, ou fazendo vista grossa aos desmandos contra a natureza. Portanto, cabe a igreja arrepender-se.

Na relação entre pensamento cristão e economia, González defende no capítulo 2, que a comunhão de bens da igreja primitiva não foram os casos isolados registrados no livro de Atos 2 e 4. Usando documentos cristãos dos séculos II e III, as evidências nos indicam que os primeiros cristãos, pelo menos em teoria estavam dispostos a ajudar aqueles que estavam necessitados entre as suas diversas comunidades de fieis.

É enfatizado que as contribuições eram voluntárias, o que está muito longe de ser o que é praticado há muitos anos nas mais variadas igrejas, onde a coerção psicológica e espiritual acompanham os pedidos de dinheiro de forma descarada e sem pudor algum.

“Se avançarmos ao final do século 2 e início do século 3, veremos Tertuliano [um dos líderes da igreja] declarando que as ofertas dos cristãos são voluntárias: ‘Em certo dia do mês, se assim o desejar, cada um faz uma pequena doação, mas somente se desejar e se puder, porque não há obrigação, mas tudo é voluntário’.” P. 79.

Há uma ressalva aí: os ricos tinham obrigação de ajudar aos irmãos pobres. Mas o que ocorre nos dias hodiernos é a cobrança indevida de dinheiro dos mais lascados financeiramente.

No capítulo 3 é abordada a catolicidade da igreja. González conhecido por seu ecumenismo conclama as várias as comunidades e tradições cristãs a não olharem para as suas perspectivas teológicas e espirituais, como as únicas dignas de crédito e de fidelidade ao evangelho. Assim como as escrituras possuem 4 evangelhos distintos e de múltiplas visões sobre os acontecimentos sobre a vida de Jesus Cristo, mas mesmo assim, eles se complementam e se enriquecem mutuamente. De modo semelhante, as inúmeras igrejas devem ter um olhar de humildade e reconhecer nas outras comunidades de fé, que estas também representam o evangelho de Jesus. Não proceder assim é ser sectário e herege.

No próximo capítulo o foco é a relação entre as várias culturas (“povos, nações e línguas”, tomando emprestadas as palavras de João no Apocalipse), lembrando que nenhuma cultura ou povo é superior a outro, e, que o ocidente (cristão) provou-se não mais cristão que as outras regiões do planeta.

“Hoje sabemos, principalmente depois de duas bombas atômicas e uma longa história de exploração e opressão, que a cultura ocidental não é necessariamente mais cristã que as demais”. P. 135.

Todas as culturas têm o seu lado positivo, não deixando de lado os seus aspectos negativos. O pensamento cristão deve ser multicultural; que a igreja não caia no erro de impor os seus costumes culturais aos povos aos quais pretende levar a mensagem de Jesus. Chegamos mais uma vez, na catolicidade do pensamento cristão, onde o etnocentrismo não tem lugar, visto que nenhuma cultura expressa melhor que a outra a vontade de Deus.

O livro possui mais três capítulos... Neles entra em cena o González pastor/pregador/evangelista; o homem de fé, que apesar de toda a sua erudição, acredita piamente que todos os problemas que assolam o nosso mundo um dia irão acabar, visto que Deus em Cristo na consumação de todas as coisas, a tudo restaurará.  

Outro livro do González resumido, pode ser visto nesse aqui: