quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

Documentários Vistos (29)


Perfeito, genial, magnífico. A mãe África, apesar de todos os seus problemas sociais e políticos, consegue dar um show de exuberância e beleza no seu Reino Encantado. Uma explosão de cores e vida em suas florestas, rios, planícies e savanas. A BBC sempre com documentários em sua plenitude máxima.


Um país de grandes contrastes em sua natureza. Por um lado, montanhas desérticas, por outro, a riqueza da flora e fauna da Amazônia. Um pouco de cada coisa do Peru, praias, oceano, natureza, as misteriosas pinturas gigantescas de Nazca, ruínas de Machu Pichu, cultura peruana e etc.


Juro que queria ter a coragem de virar vegetariano ou vegano, sendo este último, a proposta deste documentário. Qual é a Saúde, por um lado é tendencioso, mas traz informações verdadeiras e fatos perturbadores sobre a associação nojenta do governo com as indústrias dos alimentos e dos remédios. Médicos e instituições que deveriam zelar pela saúde da população, fizeram um pacto com o diabo (multinacionais), para juntos lucrarem às custas das doenças de toda a sociedade. Nesse ponto, o documentário acerta em cheio.

O idealizador Kip Anderson demoniza todo tipo de carne e dá um status de messianidade ao veganismo, que mudará DRASTICAMENTE para MELHOR, a saúde, em apenas 14 dias, daqueles que adotarem um modo de vida sem carnes e seus derivados. Ele entrevista pessoas muitos doentes, que tomam vários comprimidos por dia, pessoas que estão, na verdade, moribundas, e como num toque de mágica, depois que passam a se alimentar sem carnes e laticínios, estão com as suas saúdes extremamente melhores. Digo MELHORES mesmo. Sinceramente, apesar de me deixar persuadir em vários momentos pelos argumentos apresentados, sinto que esses pacientes foram forjados. Se a alimentação vegana causa os benefícios exibidos, caramba, estamos diante então da solução de praticamente todos os problemas de saúde. O veganismo seria a "salvação" da humanidade.

É um filme rico em informações, mas que precisa ser bem dosado em muitos momentos. Pareceu-me utópico demais.


Esporte extremo, que exige treinamento e modo vida extremos. Homens barrigudos, mas que nem por isso, menos fortes, que competem entre si, para saberem quem é literalmente o homem que tem a maior capacidade física de levantar pesos sobre-humanos. Esporte perigoso - eles sabem disso. Precisam comer exageradamente. E nessa dieta, vai quase tudo. Precisam de camadas de gorduras para terem a força quase sobrenatural que possuem. É enfatizado diversas vezes, o quanto é torturante ter que comer a toda a hora. A alimentação torna-se a parte mais custosa e difícil da preparação. O Arnold Classic Strongman em Ohio é o campeonato almejado pelos quatro competidores biografados nesse documentário. Logicamente, apenas um sairá vencedor. É um documentário muito mais empolgante que o Generation Iron.


E quando pensamos que a estúpida e bestial prática de se arrancar os clitóris de crianças ficou no passado, ou apenas sobrevive em pequenas aldeias na África, ei que A Maçã de Eva nos diz exatamente o contrário. Milhões (e não milhares) de meninas foram rasgadas/dilaceradas, em nome de um costume cultural do mal. Ainda em muitas regiões da África (e não somente nela), meninas são submetidas a clitoridectomia, contra as suas vontades. Os males advindos desse procedimento são imensos e levados para o resto da vida.

O que é de estarrecer é que ainda existe quem defenda a não intervenção externa para dar um basta a esses costumes primitivos e bestiais. São os defensores do multiculturalismo, para quem todos os hábitos culturais se equivalem e não são nem melhores e nem piores que os outros. De maneira contraditória, acusam quem pensa diferente deles, de etnocêntricos. Lembro das palavras de Zigmunt Bauman, que são um belo chute no traseiro dos relativistas:


"A nova indiferença à diferença apresenta-se, em teoria, como uma aprovação do ‘pluralismo cultural’. A prática política constituída e apoiada por essa teoria é definida pelo termo ‘multiculturalismo’. Ela é aparentemente inspirada pelo postulado da tolerância liberal e do apoio aos direitos das comunidades à independência e à aceitação pública das identidades que escolheram (ou herdaram). Na realidade, contudo, o multiculturalismo age como uma força socialmente conservadora. Seu empreendimento é a transformação da desigualdade social, fenômeno cuja aprovação geral é altamente improvável, sob o disfarce da ‘diversidade cultural’, ou seja, um fenômeno merecedor do respeito universal e do cultivo cuidadoso. Com esse artifício linguístico, a feiúra moral da pobreza [ou extirpação do clitóris] se transforma magicamente, como que pelo toque de uma varinha de condão, no apelo estético da diversidade cultural". P. 33.


BAUMAN, Zigmunt. A Cultura no Mundo Líquido Moderno. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2013. (PDF).

A Cultura no Mundo Líquido Moderno


BAUMAN, Zigmunt. A Cultura no Mundo Líquido Moderno. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2013. (PDF).

Bauman (Professor de Sociologia da Universidade de Leeds e Varsóvia) é um dos teóricos mais lidos dos últimos anos. Suas análises sagazes da sociedade atual conseguem explicar muito bem o modo como temos vivido nas últimas décadas. Dezenas de livros sobre a sociedade hodierna são de autoria desse Sociólogo polonês, que tem servido de base para que outros acadêmicos construam as suas posições, teses e interpretações sobre como temos vividos nossas relações com o consumo, com os familiares, amigos e etc. 

Aqui está a definição do termo que o fez ficar tão conhecido:

“Uso aqui a expressão 'modernidade líquida' para denominar o formato atual da condição moderna, descrita por outros autores como ‘pós-modernidade’, ‘modernidade tardia’, ‘segunda modernidade’ ou ‘hipermodernidade’. O que torna ‘líquida’ a modernidade, e assim justifica a escolha do nome, é sua ‘modernização’ compulsiva e obsessiva, capaz de impulsionar e intensificar a si mesma, em consequência do que, como ocorre com os líquidos, nenhuma das formas consecutivas de vida social é capaz de manter seu aspecto por muito tempo. ‘Dissolver tudo que é sólido’ tem sido a característica inata e definidora da forma de vida moderna desde o princípio; mas hoje, ao contrário de ontem, as formas dissolvidas não devem ser substituídas (e não o são) por outras formas sólidas – consideradas ‘aperfeiçoadas’, no sentido de serem até mais sólidas e ‘permanentes’ que as anteriores, e portanto até mais resistentes à liquefação. No lugar de formas derretidas, e portanto inconstantes, surgem outras, não menos – se não mais – suscetíveis ao derretimento, e portanto também inconstantes.” P. 11.

Bauman é cirúrgico em sua análise das relações de consumo que nos são "impostas". Somos manipulados a ter necessidades que nunca serão satisfeitas, pois novas aquisições nos serão oferecidas, com a promessa de que com elas, agora sim, seremos plenamente supridos. Mas nunca conseguimos chegar a esse nirvana; a esse estado de torpor. Então um novo ciclo se inicia ad infinitun. Somos geralmente feitos de trouxas, e raramente nos damos conta disso. São os males do capitalismo, numa sociedade relativista.

“Uma economia líquido-moderna, orientada para o consumidor, baseia-se no excedente das ofertas, no rápido envelhecimento e no definhamento prematuro do poder de sedução. [...] Um suprimento ininterrupto de ofertas sempre novas é imperativo para a crescente circulação de produtos, com um intervalo reduzido entre aquisição e alienação; as ofertas são acompanhadas pela substituição por produtos ‘novos e melhores’. [...] A função da cultura não é satisfazer necessidades existentes, mas criar outras – ao mesmo tempo que mantém as necessidades já entranhadas ou permanentemente irrealizadas. Sua principal preocupação é evitar o sentimento de satisfação em seus antigos objetos e encargos, agora transformados em clientes; e, de maneira bem particular, neutralizar sua satisfação total, completa e definitiva, o que não deixaria espaço para outras necessidades e fantasias novas, ainda inalcançadas.” P. 14.

Aqui é um bom diagnóstico do que é a nossa relação de consumo hoje em dia:

 “Se você não quer afundar, deve continuar surfando, ou seja, continuar mudando, com tanta frequência quanto possível, o guarda-roupa, a mobília, o papel de parede, a aparência e os hábitos – em suma, você. Uma vez que os esforços coordenados e resolutos do mercado de consumo fizeram com que a cultura fosse subjugada pela lógica da moda, torna-se necessário – para ser uma pessoa e ser visto como tal – demonstrar a capacidade de ser outra. [...] As pessoas que se apegam a roupas, computadores e celulares de ontem significam a catástrofe para uma economia cuja principal preocupação, e cuja condição sine qua non de sobrevivência, é o descarte rápido, e cada vez mais abundante, na lata do lixo, dos bens comprados e adquiridos; uma economia cuja coluna vertebral é a remoção do lixo”. P. 19-20.

Moda Líquida, segundo Bauman, que mais uma vez acerta na mosca. Tudo é volúvel, sujeito a desaparecer, a ser ultrapassado quando menos esperamos. E para não "morrermos afogados", cedemos, consumindo, consumindo e consumindo, para entrar na moda. É uma verdadeira paranoia, sobretudo, quando vejo neguinho/a todo ano, por exemplo, trocando de celular, porque precisa estar com o aparelho mais moderno, se não "pira" - precisa livrar-se do que já "não serve". Não que eu não tenha muitas vezes também, tal vontade, afinal, estamos todos dentro dessa teia esquizofrênica de consumo.

O velhinho da Polônia nos premia com uma sagaz crítica ao multiculturalismo, filhote querido do pós-modernismo, ou nas palavras Jonathan Friedman, citadas por Bauman, “modernistas sem modernismo”:

"Em suas consequências práticas, a filosofia do ‘multiculturalismo’, tão em voga entre os ‘modernistas sem modernismo’, refuta seu próprio valor teoricamente promulgado de coexistência harmoniosa de culturas. De modo consciente ou involuntário, de propósito ou por negligência, essa filosofia apóia tendências separatistas e, portanto, antagônicas, tornando assim ainda mais difícil qualquer tentativa de estabelecer seriamente um diálogo multicultural.

[...]

A nova indiferença à diferença apresenta-se, em teoria, como uma aprovação do ‘pluralismo cultural’. A prática política constituída e apoiada por essa teoria é definida pelo termo ‘multiculturalismo’. Ela é aparentemente inspirada pelo postulado da tolerância liberal e do apoio aos direitos das comunidades à independência e à aceitação pública das identidades que escolheram (ou herdaram). Na realidade, contudo, o multiculturalismo age como uma força socialmente conservadora. Seu empreendimento é a transformação da desigualdade social, fenômeno cuja aprovação geral é altamente improvável, sob o disfarce da ‘diversidade cultural’, ou seja, um fenômeno merecedor do respeito universal e do cultivo cuidadoso. Com esse artifício linguístico, a feiúra moral da pobreza se transforma magicamente, como que pelo toque de uma varinha de condão, no apelo estético da diversidade cultural". P. 33.

O discurso multiculturalista traz em si, o germe inerente da contradição. Promove aquilo que diz combater. Perpetua as facetas da opressão. Bauman ainda desfere páginas a frente, várias críticas a esse pensamento insustentável, mas que teima em estar na pauta de vários intelectuais.

E aqui vai uma palavrinha aos atuais “detentores do conhecimento”, que penso eu, se aplica direitinho aos defensores multiculturais:

"Enfrentar o status quo exige coragem, considerando-se o enorme poder das forças que o sustentam; coragem, porém, é uma qualidade que os intelectuais, antes conhecidos por sua bravura ou por seu destemor simplesmente heróico perderam nas suas empreitadas em busca de novos papéis e novos ‘nichos’ como especialistas, gurus acadêmicos e celebridades midiáticas". P. 35.

O livro ainda se aplica em falar sobre a cultura na Europa, que graças ao seu processo de unificação, tem sobrevivido aos males da globalização (que corrói a soberania do Estado-nação), preservando a sua identidade.

E por fim, a produção da cultura e sua atual relação com o mercado, são o tema do derradeiro capítulo. E mais uma vez, Bauman em suas análises, não vê com bons olhos, a submissão da arte ao deus mercado.

“Submeter a atividade cultural aos padrões e critérios dos mercados de consumo equivale a exigir que as obras de arte aceitem as condições de ingresso impostas a qualquer produto que aspire à categoria de bem de consumo – ou seja, justificar-se em termos de seu valor de mercado atual.” P. 73-74.