BAUMAN,
Zigmunt. A Cultura no Mundo Líquido Moderno. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Editor, 2013. (PDF).
Bauman
(Professor de Sociologia da Universidade de Leeds e Varsóvia) é um dos teóricos
mais lidos dos últimos anos. Suas análises sagazes da sociedade atual conseguem
explicar muito bem o modo como temos vivido nas últimas décadas. Dezenas de
livros sobre a sociedade hodierna são de autoria desse Sociólogo polonês, que
tem servido de base para que outros acadêmicos construam as suas posições,
teses e interpretações sobre como temos vividos nossas relações com o consumo,
com os familiares, amigos e etc.
Aqui está a
definição do termo que o fez ficar tão conhecido:
“Uso aqui a expressão 'modernidade
líquida' para denominar o formato atual da condição moderna, descrita por
outros autores como ‘pós-modernidade’, ‘modernidade tardia’, ‘segunda
modernidade’ ou ‘hipermodernidade’. O que torna ‘líquida’ a modernidade, e
assim justifica a escolha do nome, é sua ‘modernização’ compulsiva e obsessiva,
capaz de impulsionar e intensificar a si mesma, em consequência do que, como ocorre
com os líquidos, nenhuma das formas consecutivas de vida social é capaz de
manter seu aspecto por muito tempo. ‘Dissolver tudo que é sólido’ tem sido a
característica inata e definidora da forma de vida moderna desde o princípio;
mas hoje, ao contrário de ontem, as formas dissolvidas não devem ser
substituídas (e não o são) por outras formas sólidas – consideradas
‘aperfeiçoadas’, no sentido de serem até mais sólidas e ‘permanentes’ que as
anteriores, e portanto até mais resistentes à liquefação. No lugar de formas
derretidas, e portanto inconstantes, surgem outras, não menos – se não mais –
suscetíveis ao derretimento, e portanto também inconstantes.” P. 11.
Bauman é
cirúrgico em sua análise das relações de consumo que nos são
"impostas". Somos manipulados a ter necessidades que nunca serão
satisfeitas, pois novas aquisições nos serão oferecidas, com a promessa de que
com elas, agora sim, seremos plenamente supridos. Mas nunca conseguimos chegar
a esse nirvana; a esse estado de torpor. Então um novo ciclo se inicia ad
infinitun. Somos geralmente feitos de trouxas, e raramente nos damos conta
disso. São os males do capitalismo, numa sociedade relativista.
“Uma economia líquido-moderna,
orientada para o consumidor, baseia-se no excedente das ofertas, no rápido
envelhecimento e no definhamento prematuro do poder de sedução. [...] Um
suprimento ininterrupto de ofertas sempre novas é imperativo para a crescente
circulação de produtos, com um intervalo reduzido entre aquisição e alienação;
as ofertas são acompanhadas pela substituição por produtos ‘novos e melhores’.
[...] A função da cultura não é satisfazer necessidades existentes, mas criar
outras – ao mesmo tempo que mantém as necessidades já entranhadas ou
permanentemente irrealizadas. Sua principal preocupação é evitar o sentimento
de satisfação em seus antigos objetos e encargos, agora transformados em
clientes; e, de maneira bem particular, neutralizar sua satisfação total,
completa e definitiva, o que não deixaria espaço para outras necessidades e fantasias
novas, ainda inalcançadas.” P. 14.
Aqui é um
bom diagnóstico do que é a nossa relação de consumo hoje em dia:
“Se você não quer afundar, deve continuar
surfando, ou seja, continuar mudando, com tanta frequência quanto possível, o
guarda-roupa, a mobília, o papel de parede, a aparência e os hábitos – em suma,
você. Uma vez que os esforços coordenados e resolutos do mercado de consumo
fizeram com que a cultura fosse subjugada pela lógica da moda, torna-se
necessário – para ser uma pessoa e ser visto como tal – demonstrar a capacidade
de ser outra. [...] As pessoas que se apegam a roupas, computadores e celulares
de ontem significam a catástrofe para uma economia cuja principal preocupação,
e cuja condição sine qua non de sobrevivência, é o descarte rápido, e cada vez
mais abundante, na lata do lixo, dos bens comprados e adquiridos; uma economia
cuja coluna vertebral é a remoção do lixo”. P. 19-20.
Moda
Líquida, segundo Bauman, que mais uma vez acerta na mosca. Tudo é volúvel,
sujeito a desaparecer, a ser ultrapassado quando menos esperamos. E para não
"morrermos afogados", cedemos, consumindo, consumindo e consumindo,
para entrar na moda. É uma verdadeira paranoia, sobretudo, quando vejo
neguinho/a todo ano, por exemplo, trocando de celular, porque precisa estar com
o aparelho mais moderno, se não "pira" - precisa livrar-se do que já
"não serve". Não que eu não tenha muitas vezes também, tal vontade,
afinal, estamos todos dentro dessa teia esquizofrênica de consumo.
O velhinho
da Polônia nos premia com uma sagaz crítica ao multiculturalismo, filhote
querido do pós-modernismo, ou nas palavras Jonathan Friedman, citadas por Bauman,
“modernistas sem modernismo”:
"Em suas consequências
práticas, a filosofia do ‘multiculturalismo’, tão em voga entre os ‘modernistas
sem modernismo’, refuta seu próprio valor teoricamente promulgado de
coexistência harmoniosa de culturas. De modo consciente ou involuntário, de
propósito ou por negligência, essa filosofia apóia tendências separatistas e,
portanto, antagônicas, tornando assim ainda mais difícil qualquer tentativa de
estabelecer seriamente um diálogo multicultural.
[...]
A nova indiferença à diferença
apresenta-se, em teoria, como uma aprovação do ‘pluralismo cultural’. A prática
política constituída e apoiada por essa teoria é definida pelo termo
‘multiculturalismo’. Ela é aparentemente inspirada pelo postulado da tolerância
liberal e do apoio aos direitos das comunidades à independência e à aceitação
pública das identidades que escolheram (ou herdaram). Na realidade, contudo, o
multiculturalismo age como uma força socialmente conservadora. Seu
empreendimento é a transformação da desigualdade social, fenômeno cuja
aprovação geral é altamente improvável, sob o disfarce da ‘diversidade
cultural’, ou seja, um fenômeno merecedor do respeito universal e do cultivo
cuidadoso. Com esse artifício linguístico, a feiúra moral da pobreza se
transforma magicamente, como que pelo toque de uma varinha de condão, no apelo
estético da diversidade cultural". P. 33.
O discurso
multiculturalista traz em si, o germe inerente da contradição. Promove aquilo
que diz combater. Perpetua as facetas da opressão. Bauman ainda desfere páginas
a frente, várias críticas a esse pensamento insustentável, mas que teima em
estar na pauta de vários intelectuais.
E aqui vai
uma palavrinha aos atuais “detentores do conhecimento”, que penso eu, se aplica
direitinho aos defensores multiculturais:
"Enfrentar o status quo exige
coragem, considerando-se o enorme poder das forças que o sustentam; coragem,
porém, é uma qualidade que os intelectuais, antes conhecidos por sua bravura ou
por seu destemor simplesmente heróico perderam nas suas empreitadas em busca de
novos papéis e novos ‘nichos’ como especialistas, gurus acadêmicos e
celebridades midiáticas". P. 35.
O livro
ainda se aplica em falar sobre a cultura na Europa, que graças ao seu processo
de unificação, tem sobrevivido aos males da globalização (que corrói a
soberania do Estado-nação), preservando a sua identidade.
E por fim, a
produção da cultura e sua atual relação com o mercado, são o tema do derradeiro
capítulo. E mais uma vez, Bauman em suas análises, não vê com bons olhos, a submissão
da arte ao deus mercado.
“Submeter a atividade cultural aos padrões
e critérios dos mercados de consumo equivale a exigir que as obras de arte
aceitem as condições de ingresso impostas a qualquer produto que aspire à categoria
de bem de consumo – ou seja, justificar-se em termos de seu valor de mercado
atual.” P. 73-74.
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