sábado, 17 de abril de 2021

Mateus 16.18 e os Estudiosos Protestantes

O evangélico médio, sobretudo o pentecostal/neopentecostal, acredita piamente que a Pedra na qual a igreja está edificada é Cristo, na passagem do evangelho de Mateus 16.18 . Eles acham que a intepretação de que a Pedra na qual Jesus falou é Pedro, é uma exegese espúria e tipicamente católica, não comportando lugar entre os estudiosos evangélicos. Mas será que é assim mesmo? Proeminentes eruditos evangélicos, dentre eles, muitos conservadores, necessariamente veem a Pedra na qual Jesus falou como se referindo a si mesmo? Intérpretes evangélicos não creem que a Pedra seja o apóstolo Pedro?

O texto de Mateus 16.18 diz assim na Nova Versão Transformadora:

“Agora eu lhe digo que você é Pedro, e sobre esta pedra edificarei minha igreja, e as forças da morte não a conquistarão.”

Listarei a seguir eruditos evangélicos conservadores, que afirmam que a Pedra na qual Jesus falou é Pedro.

“Em Mt 16:18 Jesus diz que Pedro é a rocha sobre a qual edificará a Sua igreja: ‘Também eu te digo que tu és Pedro\petros], e sobre esta pedra\petra) edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela’ (- Portão; Inferno), O fundamento aqui é o jogo de palavras entre petros e petra. Conforme Mc 3:16 e Jo 1:42, o próprio Jesus deu a Si mão o nome de Pedro. Em Mateus, Pedro já tem este nome quando é mencionado pela primeira vez em 4:18; muitos comentaristas tiram daí a conclusão de que em Mt 16:18 não está recebendo o nome, mas, sim a interpretação dele. Paulo emprega usualmente a forma aram. Cephas kepa\urochan, ‘pedra’ (1 Co 1:12; 3:22; 9:5; 15:5; G1 1:18; 2:9, 11, 14; cf. 1 Ciem 47:3). Em Jo 1:42, o único lugar no NT onde o subs. petros é empregado no seu sentido normal, declara-se que o nome Kephas significa petros: ‘E [André] o levou [a seu irmão, Simão] a Jesus. Olhando Jesus para ele, disse: Tu és Simão, o filho de João; tu serás chamado Cefas’ (que quer dizer Pedro).’ Tanto a transliteração aram. quanto a tradução gr,, kephas/petros, podem significar ‘rocha’ e, portanto, petra em Mt 16:18 pode ser traduzida como ‘rocha’. A assonância entre as palavras torna imediatamente evidente que Pedro é o ‘homem-rocha’, o alicerce sobre o qual Jesus edificará Sua igreja.” P. 1615.

BROWN, Colin; COENE, Lothar. (Orgs). Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento Volume 02. São Paulo: Vida Nova, 2007.

“O significado é: Você é Pedro, isto é, Rocha, e sobre esta rocha, isto é, sobre você, Pedro, edificarei minha igreja. Nosso Senhor, falando em aramaico, provavelmente tenha dito: 'E eu disse a você, você é Kepha, e sobre esta kepha edificarei minha igreja.' Jesus, pois, está prometendo a Pedro que ele está para edificar sua igreja sobre ele\ Eu aceito este ponto de vista.” P. 204.

HENDRIKSEN, William. Comentário do Novo Testamento: Mateus Vol 02. São Paulo: Cultura Cristã, 2001.

“Até que ficou demonstrado na última década do século XIX que normalmente Jesus deve ter ensinado em aramaico, a exegese protestante popular desse versículo contrastava petros, uma pedra, com petra, uma rocha, assim tentando descartar a idéia de que Pedro de alguma maneira deveria ser o fundamento da igreja. Já antes, quando a verdadeira natureza do grego koinê começou a se tornar conhecida, alguns estudiosos estavam insatisfeitos com o jogo de palavras, que se encaixava melhor com o grego clássico do que com o koinê. Uma vez que se compreendeu que o nome conferido era o termo aramaico Kepha (gr. kêphas, português Cefas), ficou claro que o suposto jogo de palavras tinha de ser abandonado, pois era impossível em aramaico. Que Cefas foi o nome dado, fica claro no uso que Paulo faz do nome ao citá-lo oito vezes e citar ‘Pedro’ som ente duas vezes (G1 2.7,8). Parece claro então que a formulação tão atacada da NEB (e de Phillips) é justificada: ‘Você é Pedro, a Rocha, e sobre esta rocha...’.” P. 1578.

BRUCE, F. F. (Org). Comentário Bíblico NVI: Antigo e Novo Testamentos. São Paulo: Editora Vida, 2009.

“Ao dar a bênção, Jesus se dirige a Pedro por ‘Simão Barjonas’ (Simão Bariona) e reconhece que o único meio de ele saber que Jesus é o Cristo é mediante revelação divina, e não mediante especulação humana. Bariona (“Barjona”) é termo aramaico que significa ‘filho de Jonas’. Jesus dá a Simão o novo nome ‘Pedro’ (petros), que significa ‘pedra’, visto que eles estão diante da grande pedra atrás da cidade tendo o monte Hermom visível à distância. Sobre esta pedra (petra) Jesus promete edificar a Igreja. É evidente que Jesus quer que a primeira pedra, Pedro, seja identificado com a segunda pedra.

Alguns estudiosos tentam distanciar as duas pedras comentando que Pedro é petros em grego (substantivo masculino), ao passo que a segunda pedra é petra (substantivo feminino). Eles sustentam que a primeira pedra denota uma pedrinha e a última, uma considerável formação geológica. Esta interpretação afirma que a petra sobre a qual Jesus edifica é a confissão de Pedro, não o homem Pedro.

É razoável que petra se torne petros quando se refere a Simão, porque em grego é natural que o homem traga a forma masculina do substantivo, e não a feminina. Do contrário seria como chamar André de Andréa! Além disso, a alegada diferença entre petros e petra se evapora quando o aramaico original é considerado: “Tu és Kejpha e sobre esta kepha edificarei a minha igreja”. (Kepha é o nome original de “Cefas”, usado para se referir a Pedro.) O significado mais óbvio do texto em aramaico, grego ou em nosso idioma é que Pedro é a pedra, opinião apoiada pela maior parte da erudição protestante. O uso de petros/petra em relação a edificar no contexto que se segue, exprime o ensino da Igreja em que Jesus e os apóstolos são a fundação da Igreja (At 2.42; Ef 2.20,21; Cl 1.18; 1 Tm 3.15; 1 Pe 2.4-7).” P. 101.

ARRINGTON, French, L.; STRONTAD, Roger. (Editores). Comentário Bíblico Pentecostal: Novo Testamento. 4 ª Ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2006.

“Houve muita discussão sobre o significado das palavras de Cristo a Pedro, ‘Sobre esta pedra edificarei a minha igreja’. Também houve muita discussão sobre ‘as chaves do reino dos céus’ de que Jesus falou aqui. Não existe uma razão gramaticalmente convincente pela qual Cristo não estivesse se referindo a Pedro como a ‘rocha’.” P. 576.

RICHARDS, Lawrence O. Comentário Devocional da Bíblia. Rio de Janeiro: CPAD, 2012.

“O nome Pedro faz um trocadilho, no grego, com a palavra ‘rocha’ (petra). Há quatro principais interpretações para este jogo de palavras: (a) a pedra é a confissão de Pedro (‘tu és o Cristo’, v. 16), sobre a qual a igreja é edificada; (b) Jesus mesmo é a pedra, como Pedro depois testifica (1 Pe 2.5-8); (c) Pedro, como representante dos apóstolos, é o fundamento da igreja (Ef 2.20). (d) Por sua confissão, Pedro representa o tipo de pessoa sobre a qual a Igreja será edificada.

A primeira e segunda possibilidades são freqüentemente defendidas, por indicar que o nome de Pedro é petros e a pedra é petra. Porém esta diferença linguística não é significativa neste contexto. A segunda possibilidade é improvável porque Jesus descreve-se a si mesmo. nesta passagem, não como a fundação, mas como construtor da igreja.

Não fosse pelo abuso desta passagem pela Igreja Católico-Romana, é pouco provável que qualquer dúvida fosse levantada de que a referência é a Pedro. Mas a pedra fundamental é Pedro como representante dos apóstolos (v. 15, nota), e cuja confissão a respeito de Cristo lhe foi revelada pelo Pai. Como Pedro mesmo declara posteriormente (1Pe2.4-8), todos os crentes se tornaram ‘pedras vivas’ por causa da associação deles com Cristo e com os apóstolos, como o fundamento da igreja (Ef 2.20-21; Ap 21.14).” P. 1124.

Bíblia de Estudo de Genebra. São Paulo e Barueri: Cultura Cristã e Sociedade Bíblica do Brasil, 1999.

“Pedra: Pode também ser traduzido por rocha; em grego há um jogo de palavras entre petros ‘pedra, rocha’, usada aqui como nome próprio (aportuguesado para Pedro), e petra ‘rocha, penha’ (rocha, traduzida em Mt 7.24-25). Jesus usou, provavelmente, a forma aramaica kefá (Cefas; cf. Jo 1.42; 1Co 1.12; Gl 2.9), que significa tanto ‘rocha’ como ‘pedra’.”

Bíblia de Estudo Almeida. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil.

“Chegamos à última interpretação, que é a melhor. Consiste em que Pedro mesmo é a rocha, mas em um sentido especial. Não é a rocha sobre a qual se funda a Igreja; essa rocha é Deus. É a primeira pedra basal de toda a Igreja. Pedro foi o primeiro homem da Terra que descobriu quem era Jesus. Foi o primeiro homem que efetuou o salto de fé que via em Jesus Cristo o Filho do Deus vivo. Em outras palavras, Pedro foi o primeiro membro da Igreja e, nesse sentido, a Igreja está fundada sobre ele. Este é o significado. É como se Jesus tivesse dito a Pedro: "Pedro, você é o primeiro em compreender quem sou eu; portanto, é a primeira pedra, a pedra fundamental, o princípio mesmo da Igreja que fundo." E nos séculos por vir, qualquer um que faz o mesmo descobrimento que Pedro fez é outra pedra que se acrescenta ao edifício da Igreja de Cristo.” P. 571.

BARCLAY, William. Comentário do Novo Testamento. Tradução: Carlos Biagini. (PDF).

“Assim, Mateus 16.13-20 traz a famosa “confissão” na estrada para Cesaréia de Filipe. Em resposta a ela, e apenas no relato que Mateus faz do episódio, Jesus louva a percepção de Pedro como vinda do céu e diz que ele é a rocha sobre a qual edificaria a sua igreja, prometendo-lhe as chaves do reino. Não há aqui nenhuma base para as idéias católicas de papado ou de sucessão apostólica. O que Jesus predisse foi o papel de destaque que Pedro teria como líder no começo da igreja, integrando novos grupos étnicos na comunidade cristã (veja At 1— 12).” P. 595.

DOCKERY, David S. Manual Bíblico Vida Nova. São Paulo: Vida Nova, 2001.

“E sobre esta pedra... Agora, ‘pedra’ torna-se petra (feminino), e com base na distinção entre petros (acima) e petra (aqui), muitos tentam evitar identificar Pedro como a pedra sobre a qual Jesus edifica sua igreja. Alega-se que Pedro é uma mera ‘pedra’; mas Jesus mesmo é a ‘pedra’, conforme Pedro mesmo atesta (IPe 2.5-8; como, entre outros, Lenski, Gander, Walvoord). Outros adotam alguma outra distinção: e.g., ‘sobre essa pedra da verdade revelada — a verdade que você acaba de confessar — edificarei minha igreja’ (Allen). Contudo, se não fosse pela reação protestante contra os extremos de interpretação do catolicismo romano, seria duvidoso que muitos considerassem que ‘pedra’ fosse alguma outra coisa ou outra pessoa que não Pedro.

Embora seja verdade que, no grego antigo, petros petra possam ter o sentido de “pedra” e ‘rocha’, respectivamente, a distinção está grandemente limitada à poesia. Além disso, nesse caso, a base aramaica é inquestionável; e o mais provável é que kêpâ’ tenha sido usado nas duas orações (‘você é Kêpâ’, e sobre esta kêpâ’’ ), uma vez que a palavra foi usada para o nome e para ‘pedra’. A Peshita (escrita em siríaco, língua cognata com o aramaico) não faz distinção entre as palavras nas duas orações. O grego faz a distinção entre petros e petra apenas porque tenta preservar o jogo de palavras, e, no grego, o feminino petra não pode servir muito bem como nome masculino.

[...]

Se Mateus não quisesse dizer nada mais além de que Pedro era uma pedra em contraste com Jesus, a Rocha, a palavra mais comum a ser usada seria lithos (‘pedra’ de quase qualquer tamanho). Então, não haveria jogo de palavras — e esse é exatamente o ponto!” P. 431.

CARSON, D. A. O Comentário de Mateus. São Paulo: Shedd publicações, 2010.

“Esta é uma das passagens mais controversas e debatidas em toda a Escritura. Os católicos romanos têm apelado para esta passagem para defender a idéia de que Pedro foi o primeiro papa. A questão fundamental diz respeito a relação de Pedro com ‘esta pedra’. Em grego, ‘Pedro’ é Petros (‘pedra’), que está relacionada com a petra (‘rock’). O outro nome NT de Pedro, Cefas (. Cf. João 1:42, 1 Coríntios 1:12), é o equivalente aramaico: kepha’ significa ‘pedra’, e se traduz em grego como Kephas. ‘Esta rocha’ foi por diversas vezes interpretado como referindo-se (1) o próprio Pedro; (2) a confissão de Pedro; ou (3) Cristo e seus ensinamentos. Por várias razões, a primeira opção é a mais forte. Todo o pronunciamento de Jesus é direcionado para Pedro, e a palavra de ligar ‘e’ (gr. kai) identifica mais, naturalmente, o rock com o próprio Pedro.” P. 1441.

Bíblia de Estudo ESV. Illinois, EUA: Published by Crossway Bibles Wheaton, 2007.

“‘Esta pedra’ tem sido interpretado diferentemente como se referindo (1) ao próprio Pedro; (2) à confissão de Pedro; ou (3) a Cristo e seus ensinamentos. Por várias razões, a primeira opção é a mais forte. Todo o pronunciamento de Jesus é dirigido a Pedro, e o conector ‘e’ (gr. Kay) identifica mais naturalmente a pedra com o próprio Pedro.” P. 1734.

Bíblia de Estudo NAA. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 2018. 

“O nome ‘Pedro’, em grego, significa ‘rocha’ ou ‘pedra’. A frase sobre esta pedra é, portanto, um trocadilho: Pedro era a pedra fundamental, uma vez que foi o primeiro a confessar Jesus como o Cristo e também foi o líder dos apóstolos, isto é, o ‘membro fundador’ da igreja (ver Ef 2.20-22; Ap 21.14). Alguns estudiosos sugerem que Jesus se referiu a si mesmo quando disse esta pedra, mas parece claro que ele apontava para Pedro ou para a confissão do discípulo.” P. 1560.

Bíblia de Estudo Nova Versão Transformadora. 1. Ed. – São Paulo: Mundo Cristão, 2018.  

“Simão reconheceu a identidade de Jesus por meio da revelação divina (11:25-27), e essa é a razão pela qual Jesus lhe deu o nome de Pedro. Apesar de Mateus já ter se referido a Simão como Pedro, esta é a primeira vez no Evangelho que jesus fez assim. Jesus identificou Pedro como rocha sobre a qual a Sua igreja seria estabelecida. A proclamação, por Pedro e pelos demais apóstolos, do messiado de Jesus pôs o fundamento para a igreja (Ef 2 19-20; Ap 21:14).” P. 1575.

Bíblia King James 1611 Com Estudo Holman. 3º Ed. Niterói-RJ: BV Books, 2020.

“Se Pedro declarou que Jesus era o Messias, Jesus também tinha uma palavra para ele. O nome ‘Pedro’ ou sem nome nativo aramaico, ‘Cefas’, tem o sentido de ‘rocha’ ou ‘pedra’. Se Pedro estava preparado para afirmar que Jesus era o Messias, Jesus estava preparado para dizer que Pedro, com sua sujeição, seria ele mesmo a fundação de sua nova edificação. Da mesma forma como Deus deu a Abrão o nome de Abraão, indicando que ele seria pai de muitas nações (Gênesis 17:5), agora Jesus dá a Simão o novo nome de Pedro, a Rocha.” P. 22.

WRIGHT, N. T. Mateus Para Todos. 1 Ed. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2020.

“A palavra grega traduzida <<pedra>> é petra e serve de trocadilho ao nome de Pedro, que em grego é Petros. A interpretação católico-romana desta passagem é que Pedro é a pedra fundamental da igreja, que gozava de uma primazia entre os apóstolos e se tornou bispo de Roma, passando esta primazia a seus sucessores, os papas. Era difícil sustentar a primeira proposição e impossível defender as outras. Uns comentaristas, apoiados por alguns pais da igreja, tendem a identificar a pedra ou com a confissão de Pedro ou com o Senhor mesmo. A intepretação mais simples é que Pedro é indicado como a pedra, sem ser o único fundamento. Os doze fundamentos da igreja são mencionados em Ef. 2:20 e Ap. 21:44. Esta interpretação é apoiada pelo fato de que as mesmas palavras são dirigidas a todos os discípulos em [Mateus] 18:18, como a Pedro em [Mateus] 16:19.” P. 968.

DAVIDSON, F. (Org.). O Novo Comentário da Bíblia. São Paulo: Vida Nova, 1997. 

“Quando Pedro foi aclamado ‘A Pedra’, não se sabia ao certo que tipo de pedra ele provaria ser. Um oráculo, no livro de Isaías, sugere que a mesma pedra que ofereceria refúgio seguro em tempos de enchentes também seria uma pedra de tropeço e queda para quem fosse jogado contra ela (Is 8.14). Assim, no mesmo contexto, o primeiro evangelista mostra Jesus dizendo a Pedro: ‘Sobre esta pedra construirei minha igreja’, e: ‘Você é um obstáculo (skandalon) no meu caminho’ (Mt 16.18,23). Pedro tinha a capacidade de ser tanto uma pedra de tropeço quanto uma pedra fundamental. Graças à intercessão do Mestre a seu favor em uma hora crítica, Pedro fortaleceu seus irmãos e tornou-se uma rocha de estabilidade e um ponto de união.” P. 35.

BRUCE, F. F. Pedro, Estevão, Tiago e João: Estudo do Cristianismo Não-Paulino. São Paulo: Shedd Publicações, 2005.

“Do grego, petros e petra, respectivamente – um trocadilho. Alguns creem que a diferença na terminação das duas palavras distingue ‘Pedro’ de ‘Pedra’ – uma referência a Cristo ou à confissão de Pedro acerca de Jesus. Mas a palavra para ‘Pedra’ no grego é o substantivo feminino petra, enquanto ‘Pedro’, o nome de um homem, é o masculino petros. O jogo de palavras requer uma mudança no gênero, ainda que Pedro seja, de fato, a pedra. O trocadilho faz mais sentido dessa forma, já que, no v. 23, é o próprio Pedro que repentinamente transforma-se em um tipo diferente de pedra: uma ‘pedra de tropeço’. [...] nada nesta passagem, e em nenhum outro lugar da Bíblia, sugere que ele é infalível ou que tenha iniciado um processo de ‘sucessão apostólica’ de liderança da igreja.” P. 1574.

Bíblia de Estudo Thomas Nelson. 1 Ed. São Paulo: Thomas Nelson, 2021.

A finalidade de citar esses autores evangélicos é apenas para mostrar que não existe consenso algum sobre a passagem de Mateus 16.18 no arraial protestante, contrariando a visão simplista de que só os católicos afirmam que Pedro é a Rocha da passagem em questão. Admitir que a Rocha é o senhor Pedroca, não embasa a doutrina da sucessão apostólica e as implicações que a igreja católica tira dela, como bem diz alguns dos comentaristas acima.

Para Toda a Eternidade: Conhecendo o Mundo de Mãos Dadas com a Morte

 


DOUGHTY, Caitlin. Para Toda a Eternidade: Conhecendo o Mundo de Mãos Dadas com a Morte. Rio de Janeiro: DarkSide, 2019. (PDF).

Caitlin Doughty, Bacharel em História na Universidade de Chicago, traz neste livro os modos diversos de como as várias culturas lidam com a morte e tudo que ela enseja – rituais, enterros, cerimônias, símbolos, cremações, luto, lamentos.  Oportuno dizer que a autora trabalha diretamente com os defuntos, pois durante muitos anos, ainda uma garota de vinte e poucos anos, foi funcionária de um crematório na Califórnia, onde diariamente ela torrava corpos e mais corpos, história essa que pode ser vista em seu primeiro livro Confissões do Crematório. Atualmente ela é dona do seu próprio crematório, apesar de ser uma crítica mordaz desse tipo de tratamento dado aos mortos, preferindo que eles sejam enterrados. Ela é uma crítica feroz também da maneira de como o luto é praticado hoje em dia, sempre às pressas, corrido, de poucas horas, sem intimidade e sem tempo para que as famílias enlutadas possam lamentar de modo satisfatório o ente querido que se foi.

“Nos Estados Unidos, onde eu moro, a morte tornou-se um grande negócio desde a virada do século XX. Um século se mostrou ser a quantidade de tempo perfeita para os cidadãos esquecerem como os funerais eram antes: assunto da família e da comunidade. No século XIX, ninguém teria questionado o fato de a filha de Josephine querer preparar o corpo da mãe — seria estranho se ela não fizesse isso. Ninguém teria questionado uma esposa lavando e vestindo o corpo do marido ou um pai carregando o filho para o túmulo em um caixão caseiro. Em pouquíssimo tempo, a indústria funerária norte-americana se tornou mais cara, mais empresarial e mais burocrática do que qualquer outra indústria funerária no planeta. Se pudermos ser chamados de melhores em alguma coisa, seria em manter as famílias em luto separadas dos mortos.” P. 19-20.

O tipo de destino que cada povo dá aos seus mortos, geralmente causa estranhamento. Para uns queimar os mortos é inadmissível. Para outros enterrá-los não é nada respeitoso. Já para outros, a maneira mais correta e benéfica para a natureza é deixá-los para serem comidos pelos animais. O estranhamento diante do ritual alheio vem desde a antiguidade, sendo registrado por aquele que é considerado o pai da História, o grego Heródoto.

“O historiador grego Heródoto, em seus escritos há mais de 2 mil anos, produziu uma das primeiras descrições de uma cultura que se incomodava com os rituais de morte de outra. Na história, o governante do Império Persa convoca um grupo de gregos. Como eles cremam os mortos, o rei se questiona: ‘O que seria preciso para fazer com que [eles] comessem os pais mortos?’. Os gregos hesitam ao ouvir a pergunta e explicam que riqueza nenhuma no mundo seria suficiente para transformá-los em canibais. Em seguida, o rei convoca um grupo da tribo Callatiae, conhecida por comer a carne dos mortos. Ele pergunta: ‘Por que preço estariam dispostos a queimar os pais no fogo?’. Os membros da tribo imploram para que ele não mencione ‘tais horrores!’.” P. 22-23.

Mesmo que tenha crescido vertiginosamente o número de cremações nas últimas décadas, a igreja cristã de um modo geral, tanto em suas vertentes católica e evangélica, tem uma certa aversão a queimar os corpos de seus fiéis. Lembro que no livro Ressurreição, do apologista evangélico Josh McDowell, ele argumenta fortemente contra a cremação, pois esta não se coaduna com a doutrina da ressurreição dos mortos, que em breve acontecerá com a vinda do messias Jesus Cristo, para julgar a todos nós. Desta forma, a sua crença religiosa serve como parâmetro para rechaçar e criticar as outras formas de lidar com os mortos, que não seja o enterro dos mortos. Para ele, nas palavras de nossa escritora, quaisquer outros rituais que não sejam o enterro seriam “rituais de morte selvagens”.

“Como a religião é a fonte de muitos rituais de morte, nós muitas vezes invocamos a crença para desonrar as práticas dos outros. Em 1965, James W. Fraser escreveu em Cremation: Is It Christian? [Cremação: é algo cristão?] (spoiler: não) que cremar era “um ato bárbaro’ e ‘um apoio ao crime’. Para um cristão decente, é ‘repulsivo pensar no corpo de um amigo sendo tratado como um rosbife no forno, com todas as gorduras e tecidos derretendo e escorrendo’. Eu passei a acreditar que os méritos de um costume relacionado à morte não são baseados em matemática (por exemplo, 36,7% um ‘ato bárbaro’), mas em emoções, numa crença na nobreza única da própria cultura da pessoa. Isso quer dizer que consideramos os rituais de morte selvagens apenas quando eles não são como os nossos.” P. 27-28.

Para a autora, os rituais ocidentais de morte não são superiores. Na verdade, são até inferiores aos rituais de outras partes do mundo. O nosso modo é muito voltado para o capital e nada mais.

“[...] é errado alegar que o Ocidente tem rituais de morte superiores aos do restante do mundo. Mais ainda, devido à corporatização e à comercialização dos cuidados funerários, nós ficamos para trás do resto do mundo no que diz respeito a proximidade, intimidade e rituais relacionados à morte.” P. 30.

Quando surgiu a cremação no Ocidente? Apesar da ojeriza da igreja cristã, foi na Itália, terra onde está fincado o Vaticano, que a cremação apareceu. E foi um clérigo cristão que liderou a prática em território americano no século XIX.

“A cremação industrial em fornalhas surgiu na Europa no final do século XIX. Em 1869, um grupo de especialistas médicos se reuniu em Florença, na Itália, para denunciar o enterro como algo não higiênico e defender uma mudança para a cremação. Quase simultaneamente, o movimento pró-cremação saltou o oceano até os Estados Unidos, liderado por reformadores como o absurdamente nomeado reverendo Octavius B. Frothingham, que acreditava que era melhor para um cadáver se transformar em ‘cinzas brancas’ do que em uma ‘massa de podridão’.” P. 40.

Em minha subjetividade, estou com o reverendo aí. Prefiro a cremação, que acaba com tudo em questão de poucas horas, a o enterro que torna o corpo numa “massa de podridão”.

Pensava eu que a cremação não fazia mal algum ao meio ambiente; apenas o enterro é que o contaminava, com a liberação de pesados elementos químicos dos cadáveres sobre a terra, podendo chegar (e muitas vezes chega mesmo, principalmente em cemitérios públicos) ao lençol freático. Entretanto, a cremação tem a sua cota de estragos a natureza.

“Nossas máquinas crematórias ainda parecem os modelos introduzidos nos anos 1870 — monstros de dez toneladas feitos de aço, tijolo e concreto. Consomem milhares de dólares em gás natural por mês, liberando monóxido de carbono, fuligem, dióxido de enxofre e mercúrio altamente tóxico (proveniente das obturações dentárias) na atmosfera.” P. 42.

“Nos países em que a pira de cremação é a norma, como a Índia e o Nepal, as inúmeras cremações anuais queimam mais de 50 milhões de árvores e liberam carbono negro na atmosfera. Depois do dióxido de carbono, o carbono negro é a segunda principal causa das mudanças climáticas provocadas pelo homem.” P. 44.

“[...] obturações de amálgama de mercúrio nos dentes, cuja liberação tóxica no ar é uma das maiores preocupações ambientais em relação à cremação.” P. 133.

E como não poderia ser diferente, o mundo da indústria funerária está interessado unicamente na bufunfa que advém de cada defunto tratado “amorosamente” por eles. Dougthy conta um episódio que ilustra muito bem isso.

“Depois do furacão Katrina, um grupo de monges beneditinos no sul da Louisiana começou a vender caixões de cipreste de baixo custo feitos à mão. O Comitê de Embalsamadores e Diretores Funerários do estado emitiu uma ordem de cessar e desistir, alegando que só funerárias licenciadas pelo comitê podiam vender “mercadoria funerária”. Um juiz federal acabou ficando do lado dos monges e disse que estava claro que a venda dos caixões não representava risco à saúde pública, e que a motivação do comitê era puro protecionismo econômico.” P. 53.

Cuidar dos mortos começa a render muito dinheiro:

“Quando os cuidados funerários se tornaram uma indústria no começo do século XX, houve um abalo sísmico em relação a quem era responsável pelos mortos. Cuidar do cadáver passou de um trabalho visceral e primitivo executado por mulheres a uma ‘profissão’, uma ‘arte’ e até uma ‘ciência’ executada por homens bem pagos. O cadáver, com toda a sujeira física e emocional, foi tirado das mulheres.” P. 134.

E para que o dinheiro continue entrando:

“Um executivo da Service Corporation International, a maior empresa funerária e de cemitérios do país, admitiu recentemente que ‘a indústria foi realmente construída em torno da venda de caixões’. Conforme cada vez menos pessoas veem valor em colocar o corpo preparado da mamãe em um caixão de 7 mil dólares e acabam procurando cremações simples, a indústria precisa encontrar uma nova forma de sobreviver financeiramente, vendendo não um ‘serviço funerário’, mas uma ‘reunião’ em uma ‘sala de experiências multissensoriais’.” P. 212.

Um ritual que ficou bastante conhecido na internet, graças aos vídeos no YouTube, são os mortos de Tana Toraja, na Indonésia. A própria autora esteve lá, para testemunhar como os vivos lidam com os seus parentes que se foram. Lá é comum o defunto ficar meses e até anos dentro de casa, sendo tratado como se estivesse vivo.

“Em Toraja, durante o período entre a morte e o funeral, o corpo fica em casa. Pode não parecer um choque, até eu contar que esse período pode durar de vários meses a vários anos. Durante esse tempo, a família cuida do corpo e o mumifica, leva comida, troca as roupas e fala com o cadáver.

Na primeira vez que Paul visitou Toraja, ele perguntou a Agus se era incomum uma família deixar um parente morto em casa. Agus riu da pergunta. ‘Quando eu era criança, meu avô ficou em casa por sete anos. Meu irmão e eu dormíamos com ele na mesma cama. De manhã, nós vestíamos roupas nele e o colocávamos de pé encostado na parede. À noite, ele voltava para a cama’.” P. 68.

Além da Indonésia, Doughty detalha os rituais fúnebres de vários outros lugares do planeta, tais como: Japão, México, Espanha, Bolívia, entre outros.