BERGER, Peter L.; ZIJDERVELD, Anton. Em Favor da Dúvida. Rio de Janeiro: Campus, 2012. (PDF).
"Se não tivéssemos as dúvidas, onde, então, haveria uma certeza jubilante?" P. 04. - Johann Wolfgang von Goethe (importante literato alemão dos séculos XVI-XVII)
Peter Berger (Ph.D em Sociologia, ex-Professor nas Universidades Rutgers, de Boston, da Geórgia e da Carolina do Norte.) e Anton Zijderveld (Ph.D em Filosofia na Universidade Erasmus de Rotterdam), fazem um inteligente apelo a favor da moderação em questões religiosas, políticas e morais.
Religião, seitas, tradicionalismo, ceticismo, moralidade, fundamentalismo, relativismo, marxismo, Estado, democracia, instituições civis, secularização...
Disparam suas críticas com muita agudeza contra o marxismo, fundamentalismo e relativismo.
Incentivam a dúvida SINCERA, e rejeitam a dúvida pela DÚVIDA. A dúvida SINCERA nos conduz a convicções fundamentadas. A dúvida pela DÚVIDA paralisa.
"Tanto a incerteza extrema quanto a certeza extrema são perigosas. [...] Segue-se a isso que é necessário buscar ocupar um posicionamento moderado, equidistante do relativismo e do fundamentalismo". P. 67.
Os autores entram brevemente no campo moral, fazendo críticas tanto aos que são contra, quanto aos que são a favor do aborto, mostrando as falhas argumentativas de ambos os lados.
Berger e Zijderveld posicionam-se totalmente contrários a tortura, perpetradas por alguns governos, para arrancar confissões de criminosos, alegando que tal prática fere a dignidade humana, por mais que o torturado seja realmente culpado.
E também são veementemente contra a pena de morte, enfatizando que nesse caso, a Europa é moralmente superior a América, nesse quesito, por tê-la eliminado há muitos anos.
Quanto a esses três pontos mencionados (aborto, tortura e pena de morte), não sou contra nenhum, dependendo do contexto em que eles estão inseridos, é claro.
Aborto: não consigo me alinhar aos que o igualam a assassinato, pelo menos quando ocorre nas primeiras semanas de gravidez, e estupro. Mas não consigo compactuar com muitos do grupo pró-escolha, que defendem o aborto até os últimos estágios da gravidez.
Tortura: criminoso hediondo tem que ser torturado mesmo, caso sua confissão possa levar as autoridades a prender os bandidos. Se possível, arrancando as unhas, os dedos, levando choques... Tem que sofrer mesmo.
Pena de Morte: que seja aplicada a pessoas que de fato foram provadas culpadas por crimes horrendos.
Alguns trechos:
“Os protestantes continuaram a executar hereges e queimar bruxas em fogueiras com o mesmo entusiasmo que seus adversários católicos”. P. 08.
Um típico exemplo de fanatismo que não foi exclusividade do catolicismo, mesmo que em menor grau, suponho.
“O que ocorre em condições de autêntica pluralidade [de ideias, visões de mundo, religiões] pode ser incluído em uma categoria utilizada na sociologia do conhecimento: "contaminação cognitiva". Isso se baseia em uma característica básica humana: se as pessoas dialogam umas com as outras, com o tempo começam a influenciar o modo de pensar uma das outras. À medida que tal "contaminação" vai ocorrendo, as pessoas têm cada vez mais dificuldade de caracterizar as crenças e os valores alheios como perversos, insanos ou nocivos. Lenta, porém inevitavelmente, dissemina-se o pensamento de que talvez os outros tenham razão. Com esse modo de pensar, a visão de realidade antes aceita sem questionamento é abalada”. P. 14.
Viva a “contaminação cognitiva”. Isso é ótimo.
“A noção de contaminação cognitiva, antes mencionada, tem raízes no seguinte fato básico: na qualidade de seres sociais, somos continuamente influenciados pelas pessoas com as quais dialogamos. Esse diálogo, mais ou menos inevitavelmente, alterará nossa visão da realidade. É um fato, portanto, que, se quisermos evitar essa mudança, precisaremos escolher com muito cuidadoas pessoas com quem conversamos. O psicólogo Leon Festinger cunhou o conceito extremamente útil de "dissonância cognitiva" - significando informações que contradizem visões previamente mantidas - ou, mais precisamente, visões previamente mantidas nas quais temos algo a perder.
[...]
O que Festinger descobriu não deveria nos surpreender: as pessoas tentam evitar a dissonância cognitiva. A única maneira de evitá-la, contudo, é evitar os 'portadores' da dissonância. [...] Portanto, os indivíduos que sustentam a posição política X evitarão ler jornais que tendem a apoiar a posição Y. De forma similar, esses indivíduos evitarão conversar com Y-istas e buscarão conversar com X-istas. Quando as pessoas têm grande interesse pessoal em determinada definição da realidade, como uma posição religiosa ou política profundamente arraigada ou convicções que se relacionam diretamente a seu estilo de vida [...], farão de tudo para criar defesas tanto comportamentais quanto cognitivas." P. 29.
Todos fazemos isso em maior ou menor grau. Melhor manter nossas "verdades" intocadas, né não?! Muitas certezas e verdades foram gravadas a ferro e fogo em nossas mentes! Quem são os outros para destruir "verdades" tão preciosas e fundamentadas na realidade?! Mesmo que essas "verdades" sejam mentiras, melhor permanecer nelas. Primeiramente, compromisso com nosso conforto emocional-cognitivo! Lasque-se a Verdade.
“[...] em todo relativista há um fanático esperando para se manifestar no derradeiro absoluto e, em cada fanático, há um relativista esperando para ser liberado de quaisquer e todos os absolutos”. P. 40.
Nas universidades, muitos Professores relativistas são os mais convictos. Na prática negam o que falam em seus discursos rebuscados e enganosos.
Algumas refutações ao relativismo:
“Todas as formas de relativismo contradizem a experiência da vida comum, fundamentada no bom-senso. [...] O bom-senso está ciente de uma realidade externa que resiste aos nossos desejos e que pode ser objetivamente acessada por procedimentos razoáveis. Até um teórico pós-modernista vive no dia a dia com base nessa premissa. Suponha que um pós-modernista procure o médico para uma consulta. Ele quer saber se um tumor é benigno ou maligno. Ele espera que o médico lhe dê uma resposta com base em métodos objetivos de diagnóstico e que o faça independentemente de sentimentos pessoais em relação ao paciente. Ou suponha que um estudante tenha submetido um trabalho escolar. Ele espera que o instrutor lhe dê uma nota "justa" - isto é, que o faça objetiva e independentemente de quaisquer sentimentos pessoais. [...] Há algo de errado com uma teoria que contradiz a experiência que se evidencia com clareza na vida cotidiana. O propósito de uma teoria é elucidar a experiência, e não negá-la.” P. 52-53.
"O fato de a verdade ser passível de refutação não significa que não exista uma verdade 'indubitável'. Temos, para começar, as regras básicas matemáticas, que ninguém, em sã consciência, sujeitaria à dúvida ou à refutação. [...] Basta dizer que há proposições básicas na lógica, como o silogismo, que, em geral, são consideradas indubitáveis - isto é, absolutamente verdadeiras. 'Os seres humanos são mortais; Sócrates é um ser humano; logo, Sócrates é mortal.' Esse é um exemplo do silogismo mais básico, contendo uma verdade indubitável". P. 68, 69.
Eles admitem que esse tipo de proposição, apesar de se mostrar verdadeira em quaisquer circunstâncias, ainda sim, não "diz respeito à verdade e à certeza pelas quais ansiamos na vida cotidiana". P. 69. Isso procede, mas mesmo assim, é sempre bom ver Sociólogos de peso, que não se curvaram diante dos contra-sensos do pós-modernismo. A busca pelas verdades mais elevadas, se é que podemos dizer assim, continuam. E não será o preguiçoso modo de pensar dos pós-modernos, que irá refutar a existência das Verdades Objetivas, Absolutas, ou Universais.
"A verdade é perpetuamente obscurecida pela dúvida e pela insegurança. Só o 'verdadeiro crente', que adotou fervorosamente um ou outro 'ismo' religioso ou filosófico, conseguirá abafar aos gritos as vozes da dúvida". P. 70.
"Darwin é, para muitos ateus, uma espécie de profeta semirreligioso, o fundador de uma doutrina chamada darwinismo". P. 80.
Ah, isso ele é mesmo. Muitos ateus se ancoram no barbudin da era vitoriana, para legitimar seu desdém pela divindade.
“Os verdadeiros crentes fundamentam sua existência sobre a suposta rocha de uma verdade indubitável que oferece inúmeras ‘verificações’ - isto é, provas de sua verdade indubitável. No entanto, os que duvidam - aqueles que têm uma vida de dúvida sincera e coerente – buscam ‘refutações’ - isto é, casos e situações duvidáveis. Mais cedo ou mais tarde, em um lento processo evolucionário, um indivíduo pode aproximar-se de algo semelhante à verdade - ou, por assim dizer, à verossimilhança (literalmente, ‘algo que se assemelha à verdade’).” P. 83.
Espero estar no segundo grupo. Entre "aqueles que têm uma vida de dúvida sincera e coerente".
Outra contestação ao pós-modernismo:
“Se [como diz o relativismo] "vale tudo", tanto cognitiva quanto moralmente, um posicionamento desse tipo se torna basicamente irrelevante: se não existe verdade, o próprio posicionamento do indivíduo passa a ser uma escolha completamente arbitrária. Se o relativismo for cognitivamente aplicado, a teoria do mundo plano deve receber o mesmo status epistemológico que a astronomia moderna - ou, para um exemplo mais atual, o criacionismo e a evolução precisariam receber a mesma importância em um currículo escolar. O relativismo também tem consequências normativas: ele argumentaria que a "narrativa" do estuprador não é menos válida que a 'narrativa' de sua vítima.” P. 86.
Um dos melhores livros do ano. Disso não tenho dúvida.