NOVINSKI, Anita; LEVY,
Daniela; GORENSTEIN, Lina; RIBEIRO, Eneida. Os Judeus Que Construíram o Brasil.
São Paulo: Planeta do Brasil, 2015.
Judeus! Povo rejeitado!
Povo perseguido! Povo espalhado pelos quatro cantos do mundo! Povo protagonista
das maiores e mais bem sucedidas histórias religiosas que a humanidade já viu.
Quatro Historiadoras
judias da USP traz a saga sofrida desse povo, vítima de tantas perseguições e
injustiças ao longo dos séculos.
Vamos a um resumo
assistemático do que elas dizem.
Como judias que são, é
notória a sua predileção pelos seus iguais, frente às crueldades feitas pelos
governos europeus (em especial Portugal e Espanha) e brasileiro, juntos com a
igreja católica, que fizeram de tudo para marginalizar/ostracizar os
“assassinos” de Jesus, impondo-lhes as maiores humilhações, castrando o quanto
puderam os seus direitos. O ódio aos judeus e cristãos-novos (judeus forçados a
abraçar o catolicismo) veio de cima para baixo. Do catolicismo para o resto da
sociedade.
“O mais feroz antissemitismo desceu do clero
católico e das ordens religiosas para o povo ignorante e analfabeto. As classes
mais abastadas acompanharam a ideologia da Igreja, que desde os séculos VI e
VII colocaram os judeus numa categoria de ‘párias’.” P. 12.
Mas surpreendentemente
eles sempre superaram as dificuldades impostas. A inveja da inteligência e
perspicácia deles aumentava mais ainda a raiva antissemita.
“O nível intelectual dos judeus, os profissionais
liberais que praticamente monopolizaram a medicina em Portugal e no Brasil, acirraram
as rivalidades entre os portugueses e os novos convertidos.” P. 12.
“Na nova terra [Brasil], foram pioneiros na
agricultura, nas letras, na medicina, nas ciências e nas lutas pela liberdade e
justiça.” P. 15.
A Igreja com sua
perseguição implacável, fez com que muitos judeus se tornassem irreligiosos –
abandonando até as suas raízes judaicas.
“Os bárbaros procedimentos da Inquisição e da
Igreja, com seu fanatismo, afastaram muitos cristãos-novos da religião, motivo
pelo qual se tornaram céticos, não sendo nem mais cristãos e nem judeus.
Inquisição e Igreja tornaram-se sinônimos, Estado e Inquisição eram cúmplices,
e muitas vezes Bispo e Inquisidor correspondiam à mesma pessoa.” P. 13.
Numa proporção maior, a
maioria dos judeus, apesar das torturas e calamidades infligidas, continuavam
com muita avidez mais crentes em seus costumes judaicos e religião.
“Quanto mais aumentavam as perseguições, mais os
cristãos-novos se apegavam às suas tradições e ao judaísmo.” P. 17.
Os judeus destacaram-se
nas grandes navegações:
“A moderna ciência da navegação estava intimamente
ligada aos judeus que tinham experiência como homens do mar e pilotos de
navios. [...] No século XV, o príncipe Henrique, o Navegador (1394-1460),
conhecedor da tradição científica dos judeus, mostrou enorme interesse em
atrái-los para Portugal. Formou um grupo de cientistas que faziam parte da
famosa Escola de Sagres, que contribuiu decisivamente para as aventuras
portuguesas.” P. 29, 30.
Na medida que a
reconquista dos cristãos na península ibérica ia se concretizando, os judeus
que ali viviam, passaram ter os seus direitos retirados, com as ordens da
igreja católica. A perseguição aos judeus patrocinada pelo catolicismo foi
feroz.
“A partir do século XIV, a legislação canônica, de
caráter antijudaico e já aplicada ao restante da Europa, fez-se casa vez mais
presente nos reinos cristãos. as restrições legais à liberdade dos judeus
perduraram por muito tempo como posição do papado. Proibiam-se o proselitismo,
a construção de novas sinagogas (apesar de se garantir que as existentes não
poderiam ser destruídas ou pilhadas), o casamento com cristãos, a posse de
escravos cristãos, os cargos públicos e o direito às heranças. Tratava-se de
uma legislação repressiva destinada a impedir a convivência entre judeus e
cristãos, que foi mantida e ampliada desde o IV Concílio de Latrão, 1215.” P. 37.
Não para por aí:
“Nesse ano [1215], o papa Inocêncio III introduziu
a obrigação de os judeus usarem uma insígnia para serem diferenciados dos
cristãos. [...] reiterava-se a proibição aos cargos públicos ou qualquer
posição em que os cristãos ficassem submetidos à sua autoridade. Médicos judeus
não poderiam tratá-los, por exemplo. Em meados do século XIII, essas medidas,
aliadas ao final da Reconquista e à cristianização da sociedade, proporcionaram
um campo fértil para o antissemitismo. [...] As difamações de que os judeus
cometiam crimes contra crianças cristãs foram se tornando cada vez mais
correntes.” P. 37.
Quando a peste negra
dizimou a Europa, os judeus foram o bode expiatório.
“No início do século XIV, a acusação dos judeus
como envenenadores e destruidores dos cristãos chegou ao ponto de estes serem
responsabilizados pela peste negra que assolou a Europa em 1348”. P. 38.
A superstição e ódio
aos judeus eram tão grandes, que as autoras relatam um caso que ilustra bem
isso:
“Em 1506, deu-se em Lisboa um incidente que levou a
um massacre, e milhares de judeus perderam a vida. Reunido na igreja, o povo
acreditou tratar-se de um milagre, um feixe de luz que entrava pela janela
iluminando a cruz. Um cristão-novo [judeu convertido ao catolicismo], ao tentar
esclarecer que se tratava de um fenômeno natural, foi imediatamente atacado e
morto pela multidão.” P. 43.
Quanto aos judeus que
construíram o Brasil:
“O rei D. Manuel arrendou o Brasil por dez anos ao
cristão-novo Fernando de Noronha, que liderava um grupo de homens de negócios,
em sua maioria cristãos-novos, que foram os primeiros brancos a chegar à América
Portuguesa.” P. 87.
Os judeus foram os pioneiros
na agricultura na nova colônia de Portugal.
“A civilização brasileira, predominantemente
agrícola, teve nos cristãos-novos seus principais experts, pois a agricultura
era uma de suas principais atividades durante todo o período colonial. Foram os
primeiros mercadores conversos, integrantes do grupo de Fernando de Noronha,
que durante suas viagens, aproveitando as paradas para abastecer seus navios na
Ilha da Madeira, Açores e São Tomé, negociaram as primeiras mudas de
cana-de-açúcar, transplantando-as para o Brasil.” P. 88.
A primeira comunidade de judeus no Brasil formou-se em
Pernambuco.
“Diogo Fernandes e sua mulher, Branca Dias,
formaram a primeira comunidade de cristãos-novos do Nordeste de Brasil, a
comunidade de Camaragibe, cujos membros foram denunciados como judeus secretos
na Inquisição”. P. 91.
Os muitos dos judeus
“convertidos” ao catolicismo eram os mais céticos da sociedade. Estavam mais
preocupados na imanência que na transcendência.
“Precursores do homem secular, os cristãos-novos
portugueses pouco se importavam com o mundo do além, com a salvação da alma ou
com a redenção divina. Esses homens tinham por lema o ‘aqui’ e o ‘agora’. [...]
Os cristãos-novos aprenderam a adaptar-se às situações adversas e ao mundo
profano. O sentido da vida deixou de ser transcendental para concentrar-se na
realidade”. P. 100-101.
Mas como era
caracterizado o judaísmo pelos fanáticos católicos?
- Negação do inferno
cristão;
- Negar o purgatório;
- Defender o matrimônio
dos padres;
- Sexo com moças
solteiras;
- Não acreditar na
imortalidade da alma.
“Quaisquer uma dessas proposições levavam o seu
autor para os cárceres da inquisição. Muitos cristãos-novos que não praticavam
nenhuma cerimônia judaica foram de judaísmo por expressar tais proposições.” P. 103.
Para manter a
fidelidade a tradição judaica, mesmo que escondida das autoridades, o casamento
entre judeus tinham o propósito de preservação de sua identidade. Até
casamentos entre parentes próximos eram comuns.
“A família desempenhou um papel importante na
manutenção da identidade judaica. Os casamentos endogâmicos eram praticados
como uma estratégia de preservação do segredo judaísmo, das tradições
familiares e dos bens. Também representaram rejeição aos valores culturais
cristãos que os conversos eram obrigados a seguir. Os casamentos mais comuns
ocorriam entre primos, seguidos de uniões entre tios e sobrinhas.” P. 113.
A cristãs-novas tinham
uma escolaridade maior que as portuguesas.
“As mulheres portuguesas eram em sua maioria
analfabetas, enquanto mais da metade das cristãs-novas no Brasil eram
alfabetizadas.” P. 114.
Os primeiros Médicos no
Brasil foram judeus.
“Segundo Licurgo Santos, todos os médicos no início
da Colônia eram judeus. O médico mais importante do Brasil no século XVI foi o
cristão-novo Mestre Afonso Mendes, cirurgião de Lisboa que veio para a Colônia
com Men de Sá, terceiro governador-geral do Brasil.” P. 124.
Sem fiscalização no
começo da colonização, os judeus estavam livres para praticar a sua religião
milenar. A inquisição e postura opressora das autoridades de Portugal ainda não
estavam em voga.
“No século XVI, a colônia era relativamente pouco
vigiada, e os cristãos-novos conseguiram preservar sua fé com uma relativa
liberdade”. P. 124.
Os cristãos-novos na
colônia portuguesa eram mais livres ideologicamente.
“Os cristãos-novos no Brasil caracterizavam-se
principalmente por sua independência religiosa e seu espírito crítico. Em uma
época que criticar o catolicismo era arriscar a vida, os cristãos-novos da
Bahia ousavam desafiar o poder instituído.” P. 126.
E no tempo dos
calvinistas holandeses, quando estes invadiram o Brasil, em especial Pernambuco
(1630-1954), os judeus podiam praticar o judaísmo livremente?
“Muito se tem discutido sobre a liberdade religiosa
que os judeus gozavam sob o domínio dos holandeses, mas é preciso considerar
que essa liberdade era relativa, havia restrições aos judeus e aos cristãos-novos.
Calúnias e difamações por parte do clero católico e os dos predicantes
calvinistas eram freqüentes. Apesar de serem bem-sucedidos nos negócios, foram
vítimas de antissemitismo tanto do lado dos calvinistas quando dos
cristãos-velhos. As principais razões foram as rivalidades econômicas. Os
calvinistas queixavam-se da ‘arrogância’ dos judeus, acusando-os de serem
desonestos, dominarem todo o comércio açucareiro, casarem-se com mulheres
cristãs e professarem sua fé judaica em locais públicos.” P. 137.
Novinski e as outras
autoras manifestam no capítulo 4 um posicionamento bem positivo em relação aos
bandeirantes, que no século XVII, entraram em vários conflitos com as reduções
dos jesuítas. Nova luz é lançada sobre as investidas das bandeiras. Eis a
explicação:
“Novas pesquisas vieram alterar diversas ideias que
tínhamos sobre os bandeirantes. E uma das informações que mais contribuiu para
essa mudança foi o conhecimento de que um grande número de bandeirantes, entre
Raposo Tavares, eram de origem judaica, descendentes dos forçados a se batizar
em 1497. O fato de serem cristãos-novos transforma radicalmente o quadro da
Guerra das Missões Jesuíticas. O ódio que os bandeirantes nutriam pelos
jesuítas tinha profundas razões ideológicas.
A historiografia clássica sobre as bandeiras
atribuiu a fúria devastadora com que os bandeirantes atacaram as Reduções jesuíticas
às motivações econômicas e às rivalidades na posse dos índios. Que interesses
econômicos tenham feito parte dos planos dos bandeirantes é bem compreensível,
mas os documentos sugerem que existia uma razão ideológica muito forte que influiu
nessa guerra sangrenta.” P. 154.
Continuando:
“Jaime Cortesão foi o primeiro autor que relacionou
o fenômeno das bandeiras com o Santo Ofício da Inquisição e nos apresenta
Raposo Tavares como um inimigo da opressão e da teocracia dos jesuítas, defendendo
a liberdade de cada homem de resistir a uma religião imposta pela força.” P. 156.
E mais:
“Os jesuítas,
desde o início das invasões, sabiam perfeitamente que os paulistas eram
cristãos-novos e os acusavam de serem judaizantes.” P. 158.
“Bandeirantes
paulistas, iconoclastas e descrentes, combatiam o fanatismo e as superstições
dos jesuítas, reprovando os dogmas da Igreja e hostilizando a instituição, que
para eles era identificável com a Inquisição. Espalhados pelo Brasil, os
bandeirantes pouco se importavam com a religião em geral. Muitos mantiveram a
lembrança de sua identidade judaica, através das histórias que lhe contaram
seus pais e avos. Mesmo indiferentes a qualquer prática religiosa, pequenos
vestígios do judaísmo permanecem em seus costumes.” P. 159.
Finalizando sobre eles:
“Como inimigo do Santo Ofício da Inquisição
guerrear contra os jesuítas espanhóis era lutar contra a instituição que matou
milhares de cristãos-novos inocentes.” P. 161.
No capítulo 6 fala-se
sobre os criptojudeus da Paraíba, do Maranhão e do Grão-Pará. Logo no início
nos é dito sobre os judeus estabelecidos na Paraíba:
“A Paraíba apresenta uma história fortemente ligada
ao judaísmo. Muito cedo os cristãos-novos estabeleceram-se em Nossa Senhora
Neves. A fidelidade ao judaísmo nessa região do país foi mais representativa do
que em outras. Os conversos não se assimilaram como no Rio de Janeiro, Minas ou
na Bahia, perseverando mais tempo na identidade judaica, fieis às velhas
tradições herdadas dos pais e dos avós. Podemos considerá-los, do ponto de
vista religioso, como os mais radicais da história colonial. Transformaram a
Paraíba, a partir do século XVI, em uma ‘terra de judeus’.” P. 176.
As autoras de forma
certeira não deixam de criticar a inquisição católica:
“Foi uma máquina de extorquir dinheiro, um sistema
de justiça corrupto que eliminava arbitrariamente seus competidores. Era composto
de frades semianalfabetos que chocavam os espíritos mais esclarecidos. Esse
mesmo ódio dos inquisidores aos cristão-novos existia ainda na Companhia de
Jesus, que se opunha à entrada de conversos, judeus, negros e índios na Ordem.
O Tribunal tinha a função de censura, fazendo lavagem cerebral nos réus, repetindo
um palavreado vazio, cheio de bobagens e superstições, confundindo as mentes
dos portugueses marranos e cristão-novos que não sabiam em que mundo se
encontravam.” P. 181.
No último capitulo as autoras lamentam que apenas uma voz defendeu os judeus. Ironicamente, um jesuíta: padre Antônio Vieira. Ele até foi preso pela inquisição, por se posicionar a favor dos judeus. Nem os ilustrados, que se diziam livres da tirania e superstições bobas da igreja, abriram a boca para denunciar os graves delitos contra os descendentes de Abraão.
No último capitulo as autoras lamentam que apenas uma voz defendeu os judeus. Ironicamente, um jesuíta: padre Antônio Vieira. Ele até foi preso pela inquisição, por se posicionar a favor dos judeus. Nem os ilustrados, que se diziam livres da tirania e superstições bobas da igreja, abriram a boca para denunciar os graves delitos contra os descendentes de Abraão.