quarta-feira, 12 de julho de 2017

Os Judeus Que Construíram o Brasil


NOVINSKI, Anita; LEVY, Daniela; GORENSTEIN, Lina; RIBEIRO, Eneida. Os Judeus Que Construíram o Brasil. São Paulo: Planeta do Brasil, 2015.

Judeus! Povo rejeitado! Povo perseguido! Povo espalhado pelos quatro cantos do mundo! Povo protagonista das maiores e mais bem sucedidas histórias religiosas que a humanidade já viu.

Quatro Historiadoras judias da USP traz a saga sofrida desse povo, vítima de tantas perseguições e injustiças ao longo dos séculos.

Vamos a um resumo assistemático do que elas dizem.

Como judias que são, é notória a sua predileção pelos seus iguais, frente às crueldades feitas pelos governos europeus (em especial Portugal e Espanha) e brasileiro, juntos com a igreja católica, que fizeram de tudo para marginalizar/ostracizar os “assassinos” de Jesus, impondo-lhes as maiores humilhações, castrando o quanto puderam os seus direitos. O ódio aos judeus e cristãos-novos (judeus forçados a abraçar o catolicismo) veio de cima para baixo. Do catolicismo para o resto da sociedade.

“O mais feroz antissemitismo desceu do clero católico e das ordens religiosas para o povo ignorante e analfabeto. As classes mais abastadas acompanharam a ideologia da Igreja, que desde os séculos VI e VII colocaram os judeus numa categoria de ‘párias’.” P. 12.  

Mas surpreendentemente eles sempre superaram as dificuldades impostas. A inveja da inteligência e perspicácia deles aumentava mais ainda a raiva antissemita.

“O nível intelectual dos judeus, os profissionais liberais que praticamente monopolizaram a medicina em Portugal e no Brasil, acirraram as rivalidades entre os portugueses e os novos convertidos.” P. 12.

“Na nova terra [Brasil], foram pioneiros na agricultura, nas letras, na medicina, nas ciências e nas lutas pela liberdade e justiça.” P. 15.

A Igreja com sua perseguição implacável, fez com que muitos judeus se tornassem irreligiosos – abandonando até as suas raízes judaicas.

“Os bárbaros procedimentos da Inquisição e da Igreja, com seu fanatismo, afastaram muitos cristãos-novos da religião, motivo pelo qual se tornaram céticos, não sendo nem mais cristãos e nem judeus. Inquisição e Igreja tornaram-se sinônimos, Estado e Inquisição eram cúmplices, e muitas vezes Bispo e Inquisidor correspondiam à mesma pessoa.” P. 13.

Numa proporção maior, a maioria dos judeus, apesar das torturas e calamidades infligidas, continuavam com muita avidez mais crentes em seus costumes judaicos e religião.

“Quanto mais aumentavam as perseguições, mais os cristãos-novos se apegavam às suas tradições e ao judaísmo.” P. 17.

Os judeus destacaram-se nas grandes navegações:

“A moderna ciência da navegação estava intimamente ligada aos judeus que tinham experiência como homens do mar e pilotos de navios. [...] No século XV, o príncipe Henrique, o Navegador (1394-1460), conhecedor da tradição científica dos judeus, mostrou enorme interesse em atrái-los para Portugal. Formou um grupo de cientistas que faziam parte da famosa Escola de Sagres, que contribuiu decisivamente para as aventuras portuguesas.” P. 29, 30.

Na medida que a reconquista dos cristãos na península ibérica ia se concretizando, os judeus que ali viviam, passaram ter os seus direitos retirados, com as ordens da igreja católica. A perseguição aos judeus patrocinada pelo catolicismo foi feroz.

“A partir do século XIV, a legislação canônica, de caráter antijudaico e já aplicada ao restante da Europa, fez-se casa vez mais presente nos reinos cristãos. as restrições legais à liberdade dos judeus perduraram por muito tempo como posição do papado. Proibiam-se o proselitismo, a construção de novas sinagogas (apesar de se garantir que as existentes não poderiam ser destruídas ou pilhadas), o casamento com cristãos, a posse de escravos cristãos, os cargos públicos e o direito às heranças. Tratava-se de uma legislação repressiva destinada a impedir a convivência entre judeus e cristãos, que foi mantida e ampliada desde o IV Concílio de Latrão, 1215.” P. 37.

Não para por aí:

“Nesse ano [1215], o papa Inocêncio III introduziu a obrigação de os judeus usarem uma insígnia para serem diferenciados dos cristãos. [...] reiterava-se a proibição aos cargos públicos ou qualquer posição em que os cristãos ficassem submetidos à sua autoridade. Médicos judeus não poderiam tratá-los, por exemplo. Em meados do século XIII, essas medidas, aliadas ao final da Reconquista e à cristianização da sociedade, proporcionaram um campo fértil para o antissemitismo. [...] As difamações de que os judeus cometiam crimes contra crianças cristãs foram se tornando cada vez mais correntes.” P. 37.

Quando a peste negra dizimou a Europa, os judeus foram o bode expiatório.

“No início do século XIV, a acusação dos judeus como envenenadores e destruidores dos cristãos chegou ao ponto de estes serem responsabilizados pela peste negra que assolou a Europa em 1348”. P. 38.

A superstição e ódio aos judeus eram tão grandes, que as autoras relatam um caso que ilustra bem isso:

“Em 1506, deu-se em Lisboa um incidente que levou a um massacre, e milhares de judeus perderam a vida. Reunido na igreja, o povo acreditou tratar-se de um milagre, um feixe de luz que entrava pela janela iluminando a cruz. Um cristão-novo [judeu convertido ao catolicismo], ao tentar esclarecer que se tratava de um fenômeno natural, foi imediatamente atacado e morto pela multidão.” P. 43.

Quanto aos judeus que construíram o Brasil:

“O rei D. Manuel arrendou o Brasil por dez anos ao cristão-novo Fernando de Noronha, que liderava um grupo de homens de negócios, em sua maioria cristãos-novos, que foram os primeiros brancos a chegar à América Portuguesa.” P. 87.

Os judeus foram os pioneiros na agricultura na nova colônia de Portugal.

“A civilização brasileira, predominantemente agrícola, teve nos cristãos-novos seus principais experts, pois a agricultura era uma de suas principais atividades durante todo o período colonial. Foram os primeiros mercadores conversos, integrantes do grupo de Fernando de Noronha, que durante suas viagens, aproveitando as paradas para abastecer seus navios na Ilha da Madeira, Açores e São Tomé, negociaram as primeiras mudas de cana-de-açúcar, transplantando-as para o Brasil.” P. 88.

A primeira comunidade de judeus no Brasil formou-se em Pernambuco.

“Diogo Fernandes e sua mulher, Branca Dias, formaram a primeira comunidade de cristãos-novos do Nordeste de Brasil, a comunidade de Camaragibe, cujos membros foram denunciados como judeus secretos na Inquisição”. P. 91.

Os muitos dos judeus “convertidos” ao catolicismo eram os mais céticos da sociedade. Estavam mais preocupados na imanência que na transcendência.

“Precursores do homem secular, os cristãos-novos portugueses pouco se importavam com o mundo do além, com a salvação da alma ou com a redenção divina. Esses homens tinham por lema o ‘aqui’ e o ‘agora’. [...] Os cristãos-novos aprenderam a adaptar-se às situações adversas e ao mundo profano. O sentido da vida deixou de ser transcendental para concentrar-se na realidade”. P. 100-101. 

Mas como era caracterizado o judaísmo pelos fanáticos católicos?

- Negação do inferno cristão;

- Negar o purgatório;

- Defender o matrimônio dos padres;

- Sexo com moças solteiras;

- Não acreditar na imortalidade da alma.

“Quaisquer uma dessas proposições levavam o seu autor para os cárceres da inquisição. Muitos cristãos-novos que não praticavam nenhuma cerimônia judaica foram de judaísmo por expressar tais proposições.” P. 103.

Para manter a fidelidade a tradição judaica, mesmo que escondida das autoridades, o casamento entre judeus tinham o propósito de preservação de sua identidade. Até casamentos entre parentes próximos eram comuns.

“A família desempenhou um papel importante na manutenção da identidade judaica. Os casamentos endogâmicos eram praticados como uma estratégia de preservação do segredo judaísmo, das tradições familiares e dos bens. Também representaram rejeição aos valores culturais cristãos que os conversos eram obrigados a seguir. Os casamentos mais comuns ocorriam entre primos, seguidos de uniões entre tios e sobrinhas.” P. 113.

A cristãs-novas tinham uma escolaridade maior que as portuguesas.

“As mulheres portuguesas eram em sua maioria analfabetas, enquanto mais da metade das cristãs-novas no Brasil eram alfabetizadas.” P. 114.

Os primeiros Médicos no Brasil foram judeus.

“Segundo Licurgo Santos, todos os médicos no início da Colônia eram judeus. O médico mais importante do Brasil no século XVI foi o cristão-novo Mestre Afonso Mendes, cirurgião de Lisboa que veio para a Colônia com Men de Sá, terceiro governador-geral do Brasil.” P. 124.  

Sem fiscalização no começo da colonização, os judeus estavam livres para praticar a sua religião milenar. A inquisição e postura opressora das autoridades de Portugal ainda não estavam em voga.

“No século XVI, a colônia era relativamente pouco vigiada, e os cristãos-novos conseguiram preservar sua fé com uma relativa liberdade”. P. 124.

Os cristãos-novos na colônia portuguesa eram mais livres ideologicamente.

“Os cristãos-novos no Brasil caracterizavam-se principalmente por sua independência religiosa e seu espírito crítico. Em uma época que criticar o catolicismo era arriscar a vida, os cristãos-novos da Bahia ousavam desafiar o poder instituído.” P. 126.

E no tempo dos calvinistas holandeses, quando estes invadiram o Brasil, em especial Pernambuco (1630-1954), os judeus podiam praticar o judaísmo livremente?

“Muito se tem discutido sobre a liberdade religiosa que os judeus gozavam sob o domínio dos holandeses, mas é preciso considerar que essa liberdade era relativa, havia restrições aos judeus e aos cristãos-novos. Calúnias e difamações por parte do clero católico e os dos predicantes calvinistas eram freqüentes. Apesar de serem bem-sucedidos nos negócios, foram vítimas de antissemitismo tanto do lado dos calvinistas quando dos cristãos-velhos. As principais razões foram as rivalidades econômicas. Os calvinistas queixavam-se da ‘arrogância’ dos judeus, acusando-os de serem desonestos, dominarem todo o comércio açucareiro, casarem-se com mulheres cristãs e professarem sua fé judaica em locais públicos.” P. 137.

Novinski e as outras autoras manifestam no capítulo 4 um posicionamento bem positivo em relação aos bandeirantes, que no século XVII, entraram em vários conflitos com as reduções dos jesuítas. Nova luz é lançada sobre as investidas das bandeiras. Eis a explicação:

“Novas pesquisas vieram alterar diversas ideias que tínhamos sobre os bandeirantes. E uma das informações que mais contribuiu para essa mudança foi o conhecimento de que um grande número de bandeirantes, entre Raposo Tavares, eram de origem judaica, descendentes dos forçados a se batizar em 1497. O fato de serem cristãos-novos transforma radicalmente o quadro da Guerra das Missões Jesuíticas. O ódio que os bandeirantes nutriam pelos jesuítas tinha profundas razões ideológicas.

A historiografia clássica sobre as bandeiras atribuiu a fúria devastadora com que os bandeirantes atacaram as Reduções jesuíticas às motivações econômicas e às rivalidades na posse dos índios. Que interesses econômicos tenham feito parte dos planos dos bandeirantes é bem compreensível, mas os documentos sugerem que existia uma razão ideológica muito forte que influiu nessa guerra sangrenta.” P. 154.

Continuando:

“Jaime Cortesão foi o primeiro autor que relacionou o fenômeno das bandeiras com o Santo Ofício da Inquisição e nos apresenta Raposo Tavares como um inimigo da opressão e da teocracia dos jesuítas, defendendo a liberdade de cada homem de resistir a uma religião imposta pela força.” P. 156.

E mais:

“Os jesuítas, desde o início das invasões, sabiam perfeitamente que os paulistas eram cristãos-novos e os acusavam de serem judaizantes.” P. 158.

“Bandeirantes paulistas, iconoclastas e descrentes, combatiam o fanatismo e as superstições dos jesuítas, reprovando os dogmas da Igreja e hostilizando a instituição, que para eles era identificável com a Inquisição. Espalhados pelo Brasil, os bandeirantes pouco se importavam com a religião em geral. Muitos mantiveram a lembrança de sua identidade judaica, através das histórias que lhe contaram seus pais e avos. Mesmo indiferentes a qualquer prática religiosa, pequenos vestígios do judaísmo permanecem em seus costumes.” P. 159.

Finalizando sobre eles:

“Como inimigo do Santo Ofício da Inquisição guerrear contra os jesuítas espanhóis era lutar contra a instituição que matou milhares de cristãos-novos inocentes.” P. 161.

No capítulo 6 fala-se sobre os criptojudeus da Paraíba, do Maranhão e do Grão-Pará. Logo no início nos é dito sobre os judeus estabelecidos na Paraíba:

“A Paraíba apresenta uma história fortemente ligada ao judaísmo. Muito cedo os cristãos-novos estabeleceram-se em Nossa Senhora Neves. A fidelidade ao judaísmo nessa região do país foi mais representativa do que em outras. Os conversos não se assimilaram como no Rio de Janeiro, Minas ou na Bahia, perseverando mais tempo na identidade judaica, fieis às velhas tradições herdadas dos pais e dos avós. Podemos considerá-los, do ponto de vista religioso, como os mais radicais da história colonial. Transformaram a Paraíba, a partir do século XVI, em uma ‘terra de judeus’.” P. 176.

As autoras de forma certeira não deixam de criticar a inquisição católica:

“Foi uma máquina de extorquir dinheiro, um sistema de justiça corrupto que eliminava arbitrariamente seus competidores. Era composto de frades semianalfabetos que chocavam os espíritos mais esclarecidos. Esse mesmo ódio dos inquisidores aos cristão-novos existia ainda na Companhia de Jesus, que se opunha à entrada de conversos, judeus, negros e índios na Ordem. O Tribunal tinha a função de censura, fazendo lavagem cerebral nos réus, repetindo um palavreado vazio, cheio de bobagens e superstições, confundindo as mentes dos portugueses marranos e cristão-novos que não sabiam em que mundo se encontravam.” P. 181.

No último capitulo as autoras lamentam que apenas uma voz defendeu os judeus. Ironicamente, um jesuíta: padre Antônio Vieira. Ele até foi preso pela inquisição, por se posicionar a favor dos judeus. Nem os ilustrados, que se diziam livres da tirania e superstições bobas da igreja, abriram a boca para denunciar os graves delitos contra os descendentes de Abraão.