YALOM, Irvin D. De Frente Para o Sol: Como Superar o Terror
da Morte. Rio de Janeiro: Agir, 2008. (PDF).
Irvin D. Yalon (Ph.D em Medicina na Universidade de Boston,
EUA) trabalha neste livro o terror primitivo da morte, que acomete a todos nós.
Seu objetivo é que passemos do terror a "angústia
cotidiana controlável". P. 142. Esse é o preço que pagamos pela nossa
autoconsciência. A autoconsciência de que iremos para o buraco, para o não-ser,
para a não existência consciente, para o nada, enfim, para o FIM.
Yalom, um Psiquiatra competente, Professor na prestigiada
Universidade de Stanford, e com uma larga experiência nos estudos mais
avançados de Psicoterapia, revela os meandros, que todo ser humano sente perante
o próprio sim - a angústia da mortalidade. Ela é inerente a todos nós. Ele como
ateu que é, acredita que o fim definitivo vem com o nosso último suspiro, sem
possibilidade de uma vida após a vida terrena. Sua abordagem terapêutica é
baseada em suas ideias materialistas, apesar delas não terem o objetivo de
solapar a fé daqueles pacientes com fortes crenças religiosas.
Yalom se vale da sabedoria não apenas dos grandes Psicólogos,
mas também, de toda uma tradição filosófica, principalmente das ideias de
Epicuro (341-270 a.c.) e de Nietzsche (1844-1900). Ele lamenta em várias
ocasiões, que de um modo geral, os Psicoterapeutas não atentam bem, e até mesmo
ignoram quase que por completo, o terror da morte advinda de seus pacientes,
não trabalhando esse sentimento com eles. Um dos motivos, ele acredita que se
deve ao próprio medo da mortalidade, que naturalmente o Psicoterapeuta
compartilha também.
Quem não teme a morte? Eu temo demais.
“Nossa existência
é sempre obscurecida pelo conhecimento de que vamos crescer, nos desenvolver e,
inevitavelmente, nos degradar e morrer. [...] todos tememos a morte - cada um
de nós, homem, mulher ou criança. Para alguns o medo da morte se manifesta apenas
indiretamente, como uma inquietação generalizada ou disfarçado de um sintoma
psicológico secundário; outros indivíduos sofrem um fluxo explícito e
consciente de angústia em relação à morte; e em algumas pessoas esse medo
emerge na forma de um terror que anula qualquer felicidade e realização.” P. 10.
Para Yalom, o caminho inevitável da nossa inexistência é o
cerne das crenças religiosas:
“A angústia da
morte é a mãe de todas as religiões, as quais, de algum modo, procuram mitigar
a agonia da nossa finitude. Deus, segundo a formulação de todas as culturas,
não apenas suaviza a dor da mortalidade através de uma visão de vida eterna,
como também alivia um isolamento temível oferecendo uma presença eterna e
providenciando um projeto claro para que a vida seja significativa.” P. 12.
O que Yalom diz abaixo, é a mais pura verdade. Eu penso nela
diariamente.
“A morte [...] nos
chama. Ela nos chama o tempo todo; está sempre conosco, arranhando uma porta
íntima, sussurrando suavemente, quase inaudível, sob a superfície da
consciência. Escondida e disfarçada, transbordando por meio de uma variedade de
sintomas, ela é a fonte de muitos de nossos estresses, conflitos e preocupações.” P. 13-14.
Ainda não cheguei, e espero nunca chegar ao nível de terror
da morte, descrita a seguir:
“Para [muitas]
pessoas, a angústia [da morte] é mais gritante, indisciplinada, tendendo a
irromper às três da manhã, deixando-as ofegantes perante o espectro da morte.
Elas se afligem com o pensamento de que também estarão mortas em breve, bem
como todos a seu redor.” P. 15.
A inevitabilidade da morte vem sendo filosoficamente pensada
desde eras antigas. Há toda uma robusta tradição de pensadores que vem
refletindo acuradamente sobre ela. A lembrança da morte é a nossa salvação. Eis
alguns desses pensadores:
“[Pensadores
antigos] desde o surgimento da palavra escrita —, vêm nos lembrando da
interdependência da vida e da morte. Os estoicos (por exemplo, Crísipo, Zeno,
Cícero e Marco Aurélio) nos ensinaram que aprender a viver bem é aprender a
morrer bem, e que, reciprocamente, aprender a morrer bem é aprender a viver
bem. Cícero disse que ‘filosofar é se preparar para a morte’. Santo Agostinho
escreveu que ‘é apenas perante a morte que o caráter de um homem nasce’. Muitos
monges medievais mantinham uma caveira humana em
suas celas para concentrar os pensamentos na mortalidade e para servir de lição
à condução da vida. Montaigne sugeriu que a mesa de trabalho de um escritor
deve oferecer uma boa visão do cemitério para estimular o pensamento. Assim, e
de muitas outras maneiras, grandes professores ao longo do tempo nos lembraram
que, apesar de a concretude da morte nos destruir, o conceito da morte nos
salva.” P. 25.
Epicuro é um dos nortes filosóficos
de Yalom, para reflexão sobre a morte:
“Epicuro
acreditava que o real objetivo da filosofia é aliviar o sofrimento humano. E
qual é a raiz do sofrimento humano? O pensador não tinha dúvida quanto à
resposta para a pergunta: o nosso medo onipresente da morte. [...] É parte da
genialidade de Epicuro ter antecipado a visão contemporânea do inconsciente:
ele enfatizava que preocupações com a morte não são conscientes para a maior
parte das pessoas, mas que devem ser inferidas por meio de manifestações
disfarçadas, como por exemplo uma religiosidade excessiva, um acúmulo obsessivo
de riquezas e um desejo cego de poder e honrarias, todas oferecendo uma versão
simulada da imortalidade.” P. 47.
Tudo é transitório, passageiro...
“Muitas pessoas
relatam que raramente pensam sobre a própria morte, mas que são obcecadas pela
ideia - e pelo terror - da transitoriedade. Todo momento agradável é corroído
pelo pensamento em segundo plano de que tudo que se experimenta agora é efêmero
e vai acabar dentro de pouco tempo. Uma caminhada agradável com um amigo é
prejudicada pela ideia de que tudo está fadado a desaparecer – o amigo vai
morrer, a floresta vai ser lentamente transformada pelo desenvolvimento urbano.
Qual o sentido de qualquer coisa, se tudo vai se transformar em poeira?” P. 52-53.
E o que faz a angústia da morte ser mais intensa?
“A solidão aumenta muito a angústia da morte. Muitas vezes,
nossa cultura forma uma cortina de silêncio e de isolamento em torno dos
falecidos. Na presença dos que estão morrendo, amigos e familiares muitas vezes
se distanciam por não saber o que dizer. Temem incomodar a pessoa que está
agonizando. E também evitam se aproximar demais por medo de confrontar a
própria morte. Até mesmo os deuses gregos fugiam com medo quando o momento da
morte humana se aproximava.” P. 67.
A nossa ciência de que vamos
desaparecer vai ficando cada vez mais forte, à medida que envelhecemos. Eu com
32 anos, sinto fortemente isso.
“[...] o isolamento existencial é menos comum no início da
vida; ele é sentido mais evidentemente quando se é mais velho e se está mais
próximo da morte. Nesses momentos, nos tornamos cientes de que o nosso mundo
vai desaparecer e também de que ninguém poderá nos acompanhar integralmente em
nossa triste jornada para a morte. Como um velho canto religioso nos lembra: ‘É
preciso atravessar aquele vale solitário por conta própria’.” P.
68.
Precisamos compartilhar com pessoas
queridas, a nossa sensação de medo de que um dia não estaremos mais aqui.
“Amigos precisam lembrar aos outros (e a si próprios) de que
também sentem medo da morte. [...] Essa participação não implica um alto risco:
ela apenas explicita o que é implícito. Afinal, somos todos criaturas com medo
do pensamento de ‘eu não existo mais’. Todos enfrentamos a sensação de pequenez
e insignificância quando comparados ao infinito tamanho do universo [...]. Cada
um de nós não é mais que uma partícula, um grão de areia, na vastidão do cosmo.
Como disse Pascal no século XVII, ‘o silêncio eterno de espaços infinitos me
assusta’.” P. 72-73.
Para terminar:
“Acredito que devemos confrontar a
morte como fazermos com outros medos. Devemos contemplar nosso fim último,
familiarizar-nos com ele, dissecá-lo e analisá-lo, raciocinar com ele e
descartar aterrorizadoras distorções infantis sobre a morte. Não vamos concluir
que a morte é dolorosa demais para ser suportada, que a ideia vai nos destruir,
que a transitoriedade deve ser negada, pois a verdade tornaria a vida sem
sentido. Essa negação sempre cobra um preço – o encolhimento da nossa vida
interior, o embaçamento da visão, o achatamento da racionalidade”. P. 142.