domingo, 27 de maio de 2018

De Frente Para o Sol: Como Superar o Terror da Morte



YALOM, Irvin D. De Frente Para o Sol: Como Superar o Terror da Morte. Rio de Janeiro: Agir, 2008. (PDF).

Irvin D. Yalon (Ph.D em Medicina na Universidade de Boston, EUA) trabalha neste livro o terror primitivo da morte, que acomete a todos nós. Seu objetivo é que passemos do terror a "angústia cotidiana controlável". P. 142. Esse é o preço que pagamos pela nossa autoconsciência. A autoconsciência de que iremos para o buraco, para o não-ser, para a não existência consciente, para o nada, enfim, para o FIM.

Yalom, um Psiquiatra competente, Professor na prestigiada Universidade de Stanford, e com uma larga experiência nos estudos mais avançados de Psicoterapia, revela os meandros, que todo ser humano sente perante o próprio sim - a angústia da mortalidade. Ela é inerente a todos nós. Ele como ateu que é, acredita que o fim definitivo vem com o nosso último suspiro, sem possibilidade de uma vida após a vida terrena. Sua abordagem terapêutica é baseada em suas ideias materialistas, apesar delas não terem o objetivo de solapar a fé daqueles pacientes com fortes crenças religiosas.

Yalom se vale da sabedoria não apenas dos grandes Psicólogos, mas também, de toda uma tradição filosófica, principalmente das ideias de Epicuro (341-270 a.c.) e de Nietzsche (1844-1900). Ele lamenta em várias ocasiões, que de um modo geral, os Psicoterapeutas não atentam bem, e até mesmo ignoram quase que por completo, o terror da morte advinda de seus pacientes, não trabalhando esse sentimento com eles. Um dos motivos, ele acredita que se deve ao próprio medo da mortalidade, que naturalmente o Psicoterapeuta compartilha também.

Quem não teme a morte? Eu temo demais.

“Nossa existência é sempre obscurecida pelo conhecimento de que vamos crescer, nos desenvolver e, inevitavelmente, nos degradar e morrer. [...] todos tememos a morte - cada um de nós, homem, mulher ou criança. Para alguns o medo da morte se manifesta apenas indiretamente, como uma inquietação generalizada ou disfarçado de um sintoma psicológico secundário; outros indivíduos sofrem um fluxo explícito e consciente de angústia em relação à morte; e em algumas pessoas esse medo emerge na forma de um terror que anula qualquer felicidade e realização.” P. 10.

Para Yalom, o caminho inevitável da nossa inexistência é o cerne das crenças religiosas:

“A angústia da morte é a mãe de todas as religiões, as quais, de algum modo, procuram mitigar a agonia da nossa finitude. Deus, segundo a formulação de todas as culturas, não apenas suaviza a dor da mortalidade através de uma visão de vida eterna, como também alivia um isolamento temível oferecendo uma presença eterna e providenciando um projeto claro para que a vida seja significativa.” P. 12.

O que Yalom diz abaixo, é a mais pura verdade. Eu penso nela diariamente.

“A morte [...] nos chama. Ela nos chama o tempo todo; está sempre conosco, arranhando uma porta íntima, sussurrando suavemente, quase inaudível, sob a superfície da consciência. Escondida e disfarçada, transbordando por meio de uma variedade de sintomas, ela é a fonte de muitos de nossos estresses, conflitos e preocupações.” P. 13-14.

Ainda não cheguei, e espero nunca chegar ao nível de terror da morte, descrita a seguir:

“Para [muitas] pessoas, a angústia [da morte] é mais gritante, indisciplinada, tendendo a irromper às três da manhã, deixando-as ofegantes perante o espectro da morte. Elas se afligem com o pensamento de que também estarão mortas em breve, bem como todos a seu redor.” P. 15.

A inevitabilidade da morte vem sendo filosoficamente pensada desde eras antigas. Há toda uma robusta tradição de pensadores que vem refletindo acuradamente sobre ela. A lembrança da morte é a nossa salvação. Eis alguns desses pensadores:

“[Pensadores antigos] desde o surgimento da palavra escrita —, vêm nos lembrando da interdependência da vida e da morte. Os estoicos (por exemplo, Crísipo, Zeno, Cícero e Marco Aurélio) nos ensinaram que aprender a viver bem é aprender a morrer bem, e que, reciprocamente, aprender a morrer bem é aprender a viver bem. Cícero disse que ‘filosofar é se preparar para a morte’. Santo Agostinho escreveu que ‘é apenas perante a morte que o caráter de um homem nasce’. Muitos monges medievais mantinham uma caveira humana em suas celas para concentrar os pensamentos na mortalidade e para servir de lição à condução da vida. Montaigne sugeriu que a mesa de trabalho de um escritor deve oferecer uma boa visão do cemitério para estimular o pensamento. Assim, e de muitas outras maneiras, grandes professores ao longo do tempo nos lembraram que, apesar de a concretude da morte nos destruir, o conceito da morte nos salva.” P. 25.

Epicuro é um dos nortes filosóficos de Yalom, para reflexão sobre a morte:

“Epicuro acreditava que o real objetivo da filosofia é aliviar o sofrimento humano. E qual é a raiz do sofrimento humano? O pensador não tinha dúvida quanto à resposta para a pergunta: o nosso medo onipresente da morte. [...] É parte da genialidade de Epicuro ter antecipado a visão contemporânea do inconsciente: ele enfatizava que preocupações com a morte não são conscientes para a maior parte das pessoas, mas que devem ser inferidas por meio de manifestações disfarçadas, como por exemplo uma religiosidade excessiva, um acúmulo obsessivo de riquezas e um desejo cego de poder e honrarias, todas oferecendo uma versão simulada da imortalidade.” P. 47.

Tudo é transitório, passageiro...

“Muitas pessoas relatam que raramente pensam sobre a própria morte, mas que são obcecadas pela ideia - e pelo terror - da transitoriedade. Todo momento agradável é corroído pelo pensamento em segundo plano de que tudo que se experimenta agora é efêmero e vai acabar dentro de pouco tempo. Uma caminhada agradável com um amigo é prejudicada pela ideia de que tudo está fadado a desaparecer – o amigo vai morrer, a floresta vai ser lentamente transformada pelo desenvolvimento urbano. Qual o sentido de qualquer coisa, se tudo vai se transformar em poeira?” P. 52-53.

E o que faz a angústia da morte ser mais intensa?

“A solidão aumenta muito a angústia da morte. Muitas vezes, nossa cultura forma uma cortina de silêncio e de isolamento em torno dos falecidos. Na presença dos que estão morrendo, amigos e familiares muitas vezes se distanciam por não saber o que dizer. Temem incomodar a pessoa que está agonizando. E também evitam se aproximar demais por medo de confrontar a própria morte. Até mesmo os deuses gregos fugiam com medo quando o momento da morte humana se aproximava.” P. 67.

A nossa ciência de que vamos desaparecer vai ficando cada vez mais forte, à medida que envelhecemos. Eu com 32 anos, sinto fortemente isso.

“[...] o isolamento existencial é menos comum no início da vida; ele é sentido mais evidentemente quando se é mais velho e se está mais próximo da morte. Nesses momentos, nos tornamos cientes de que o nosso mundo vai desaparecer e também de que ninguém poderá nos acompanhar integralmente em nossa triste jornada para a morte. Como um velho canto religioso nos lembra: ‘É preciso atravessar aquele vale solitário por conta própria’.” P. 68.

Precisamos compartilhar com pessoas queridas, a nossa sensação de medo de que um dia não estaremos mais aqui.

“Amigos precisam lembrar aos outros (e a si próprios) de que também sentem medo da morte. [...] Essa participação não implica um alto risco: ela apenas explicita o que é implícito. Afinal, somos todos criaturas com medo do pensamento de ‘eu não existo mais’. Todos enfrentamos a sensação de pequenez e insignificância quando comparados ao infinito tamanho do universo [...]. Cada um de nós não é mais que uma partícula, um grão de areia, na vastidão do cosmo. Como disse Pascal no século XVII, ‘o silêncio eterno de espaços infinitos me assusta’.” P. 72-73.

Para terminar:

“Acredito que devemos confrontar a morte como fazermos com outros medos. Devemos contemplar nosso fim último, familiarizar-nos com ele, dissecá-lo e analisá-lo, raciocinar com ele e descartar aterrorizadoras distorções infantis sobre a morte. Não vamos concluir que a morte é dolorosa demais para ser suportada, que a ideia vai nos destruir, que a transitoriedade deve ser negada, pois a verdade tornaria a vida sem sentido. Essa negação sempre cobra um preço – o encolhimento da nossa vida interior, o embaçamento da visão, o achatamento da racionalidade”. P. 142.