quinta-feira, 24 de setembro de 2015

A Ética Pós-Moderna


Na série de palestras “O Diagnóstico de Zigmunt Bauman para a Pós-Modernidade”, o Filósofo Franklin Leopoldo e Silva (Ph.D, Mestrado e Bacharelado em Filosofia pela USP), contrasta a “ética moderna” com a atual “ética pós-moderna”. Aquela tendo a razão como um princípio unificador das ações humanas, e está última se despojando dos ideais essencialistas metafísicos que pautavam a ética iluminista e religiosa.

Para os modernos, apesar de muitos destes terem rejeitado o víeis religioso como o fundamento do qual pudéssemos extrair a nossa práxis, eles ainda continuavam a acreditar numa dada natureza humana pronta, como resultado de uma metafísica essencialista que ancorada na “razão”, podia nortear nossas ações e valores no dia a dia.


Como uma espécie de divisor de águas, o “existencialismo” do século XX rompe com esses conceitos essencialistas e advoga uma nova forma de ver e estar no mundo, através de uma “existência” continuada, aonde o sujeito vai criando e inventando os seus próprios valores. Há uma “espontaneidade” no exercício da “liberdade”.


Ironicamente, segundo o Franklin, o ser humano, quando se vê livre dos padrões morais previamente estabelecidos pela sociedade, religião, tradição, família e etc., se depara com um certo “mal-estar”, visto que o seu chão e alicerce foi tirado. Citando o Filósofo Jean Paul Sartre, "o ser humano está condenado a ser livre”. Essa suposta liberdade não dirigida e não governada passa a ser um fardo para o homem “liberto” e criador “soberano” de seu destino e valores morais. Colocá-la em prática não é nada fácil. O vazio e o nada se faz presente. Essa é a “ética pós-moderna”.


Mesmo assim, o palestrante conclui a sua explanação afirmando que a tal “liberdade pós-moderna”, ainda hoje esbarra nos determinismos históricos que nos impões certos valores e ideias morais que dificultam quase que completamente a inventividade e criatividade de um novo ser humano autônomo e senhor de sua moralidade e ethos. O "existencialismo" acaba sendo atenuado/minimizado pela “existência” teimosa e inoportuna da “ética moderna” – uma ética pronta, acabada e fundamentada numa metafísica essencialista.


O que o Franklin Leopoldo explana magistralmente nessa palestra, confirma o que vários teóricos têm dito nos últimos anos: nós ainda somos modernos. Os resquícios dos ideais modernistas que foram plagiados da religião cristã, ainda estão bem atuantes e presentes na cultura contemporânea, e ironicamente entre aqueles que mais esbravejam contra o essencialismo. 



Reavivamento da Rua Azusa: A História Nunca Antes Contada


Esse é um documentário de máxima importância para quem estuda o movimento pentecostal e seus vários ramos eclesiásticos e teológicos espalhados pelos EUA (lugar de sua origem), América Latina, Brasil, África e finalmente a Coréia do Sul, país que concentra um grande número de adeptos dessa vertente do protestantismo. A riqueza documental com fotos, jornais, vídeos e artefatos daquele tempo são bem trabalhadas. Mostrando a repercussão que as reuniões religiosas na rua Azusa causaram na cidade de Los Angeles.

É um documentário totalmente PARCIAL e confessional. Os seus apresentadores e entrevistados acreditam piamente que o suposto falar em “línguas estranhas” é um fenômeno concedido pelo próprio Deus aos que aderem ao movimento e frequentam as suas reuniões. Gostando ou não, uma coisa não pode ser negada: O Pentecostalismo é um marco na história mundial do Cristianismo. Não é à toa, que inúmeras monografias, dissertações, teses, artigos científicos, livros, conferências e simpósios já foram e continuam sendo feitos para tentar entender o furdunço que os “faladores de línguas” causaram e causam.

O vídeo do começo ao fim aponta a questão racial tão presente na sociedade americana no começo do século XX, que separava negros e brancos. De modo surpreendente, as reuniões do movimento parecem ter quebrado um pouco as correntes da segregação racial, muito antes dos direitos civis na década de 1960. O documentário tem a ombridade de enfatizar que essa “união” não durou muito tempo, e logo, a separação racial mais uma vez entrou em vigor, e assim, a exemplo das demais igrejas estadunidenses, as comunidades pentecostais também passaram a se dividir em igrejas só para brancos e igrejas só para negros. Quando só houve uma reconsideração formal desse câncer chamado racismo, em 1994.

Quanto às críticas ao vídeo, apenas digo que não acredito nesse fenômeno como algo vindo de uma fonte espiritual externa (no caso, o Espírito Santo). Nem na igreja evangélica e muito menos na igreja católica, que pegou carona no movimento pentecostal e criou a Renovação Carismática Católica. Não sei das duas, qual é a pior. É hilário os católicos se rebaixarem a esse ponto de tentar imitar os cultos pentecostais. Evidência máxima de que sua tradicional liturgia é um marasmo chato, enfadonho e sem vida. 

Lembro-me de uma entrevista que o Gutiérrez Siqueira fez com o renomado erudito pentecostal, Amos Yong, sobre a quantidade de estudos linguísticos que indicam que as glossolalias das reuniões pentecas, não são um idioma. A resposta do Yong foi:

“Embora a maior parte das glossolalias não sejam línguas [como indicam os estudos], isso não significa que, pela fé, se possa negar que tal linguagem seja entendida no sentido paulino como ‘línguas dos anjos’ (1 Co 13. 2).” [1]

E bote fé nisso! O comprometimento chega a tal ponto, que aparentemente nada pode dissuadi-lo do contrário. Se é assim com ele, que é um acadêmico, imagine com toda uma legião de “faladores de línguas”, mundo a fora?!  

REFERÊNCIAS



Consumidores da Fé


OLIVEIRA, Ivan de. Consumidores da fé. São Paulo: Reflexão, 2015.

Ivan de Oliveira (Ph.D e Mestre em Direito pela UNIMES/SP; Pós-Doutor em Direito na Universidade de Coimbra, em Portugal; Bacharel em Direito na UMC/SP; Mestre em Ciências da Religião e Bacharel em Filosofia e Teologia pela Universidade Mackenzie, São Paulo) nos traz a sua pesquisa sobre os “consumidores da fé” que perambulam que nem zumbis nas ditas igrejas neopentecas.

É sabido que neopentecostalismo (universal do reino de deus, internacional da graça de deus, renascer em cristo, mundial do poder de deus...) mostrou-se uma força religiosa e social muitíssimo poderosa em solo brasileiro nas três últimas décadas. Essas igrejas inseridas num contexto capitalista, onde o consumo é a bola da vez, não escaparam do que o autor chama de “Indústria Cultural”, termo que pegou emprestado das conceituações de alguns teóricos da Escola de Frankfurt, na Alemanha.

E já que mencionei a Escola de Frankfurt, o ponto negativo que vejo no livro, são as várias páginas escritas no início explicando e historiando a dita escola. O Oliveira menciona até quem foi os seus diretores ao longo dos anos. Precisava disso? Qual a relevância de enumerar cronologicamente a direção dessa instituição? Absolutamente nenhuma. Se autor tinha como aporte teórico as ideias dos pesquisadores dessa escola, poderia ser mais sucinto em sua exposição e ir direto ao seu objeto de pesquisa.

Separei alguns trechos que achei relevantes.

“No mercado de consumo não há circulação somente de coisas consideradas pelo critério de utilidade ou pelo custo da produção, mas o grande peso que se leva em conta na circulação de produtos e serviços são os símbolos agregados às coisas negociadas.” P. 72.

Esses “símbolos agregados às coisas negociadas” é o que pesa bastante no âmbito religioso neopenteca (e não somente nele, mas noutros seguimentos religiosos), visto que o valor agregado, agora é direcionando a um bem de consumo “sagrado/consagrado/ungido/de Deus”. O consumidor não está adquirindo algo deste “mundo”, contingente ou supérfluo, mas um produto que o “liga” ao próprio Criador e suas benesses.

Nesse contexto, muitos fiéis-consumidores podem cair em maus lençóis. A coerção psicológica de certos líderes religiosos mostra-se descaradamente cruel. “Há líderes que evocam para si a condição de plenipotenciários, detentores da verdade última, deslegitimando qualquer critica por parte dos fiéis”. (P. 91). Exemplos de fiéis-consumidores que colocaram essas igrejas no pau proliferam Brasil a fora. Em muitos casos, essas instituições foram obrigadas pela justiça a ressarcirem os “rebeldes” que lhes denunciaram.

“As expressões religiosas de massa assemelha-se, em muitos momentos, a um verdadeiro Shopping Center. Basta, nesse sentido, que o consumidor da fé, apresente suas intenções que, ao que parece, há um grupo [de] líderes religiosos prontos para atenderem a demanda.” P. 36.

Basta ver a proliferação de livros de autoajuda católicos, evangélicos e espíritas. Cada seguimento querendo o seu quinhão financeiro. Nesse quesito o catolicismo é perito desde a Idade Média, com a venda de lugares nos céus, santinhos, crucifixos, imagens e todo tipo de parafernália “sagrada”.

“Numa realidade social em que tudo pode ser alvo de consumo, os fieis não têm dificuldades de se transformarem em consumidores dos bens representativos do sagrado. Com essa avidez pelo consumo, os viciados em consumos de bens e serviços no mercado de consumo, não apresentam dificuldades em [consumir] bens simbólicos de religião, pois o próprio símbolo é conferido em ambientes mágico-religiosos.” P. 73.

A mentalidade consumista (do convertido) que antes consumia coisas “mundanas” e “sacrílegas”, tais como bebidas, cigarros e etc., agora dá lugar aos bens “sacros”, vindos do “céu”. Os exemplos pipocam: DVDs, CDs, livros... Fora os bens abstratos (esses são os piores), como a coerção para dar o dízimo/trízimo/oferta para obter a benção de deus nas finanças, saúde... Bens abstratos que se transformam em bens concretos, na cabecinha deles.

No meio neopentecostal, o rebanho em questão, acaba trocando um determinado tipo de vício e escravidão, quando era do “mundão”, por outro, que em não raras ocasiões é até bem pior. Tornam-se reféns de pastores que lhes incutem um terror psicológico bastante eficiente e difícil de erradicar. Visto que agora, se eles não acatarem os “ensinamentus di amor”, vindo desses “homis di deus”, estarão assinando o seu atestado de rebeldia contra o todo-poderoso. E aí, meu fí, prepare us coru.