terça-feira, 22 de maio de 2018

Em Defesa do Preconceito



DALRYMPLE, Theodore. Em Defesa do Preconceito. São Paulo: É Realizações, 2015. (PDF).

“O amor pela verdade, embora exista, é geralmente mais fraco do que o amor pelo poder”. P. 24.

Theodore Dalrymple é um Psiquiatra que tem uma substancial literatura que trata de temas culturais contemporâneos. O título desse livro é polêmico e pode gerar preconceito antes que o leiamos. A ideia que ele passa do que seja o preconceito é diferente do que vemos nos dicionários, apesar dele no início já trazer a definição padrão, no Dicionário de Oxford.

Para mim, preconceito é termos juízos injustificados sobre algo ou alguém, mas que podem estar corretos, apesar de não podermos no momento do julgamento, legitimá-los mediante bons argumentos baseados em evidências. Como bem falou Hao Wang, Ph.D em Filosofia na Universidade de Harvard:

"É claro que um preconceito não é necessariamente falso. E, sim, uma crença fortemente aceita e não garantida pelas evidências disponíveis, sendo a intensidade da convicção desproporcional em relação às evidências que a sustentam". P. 102.

BROCKMAN, John; MATSON, Katinka (Orgs). As Coisas São Assim: Pequeno Repertório Científico do Mundo que nos Cerca. São Paulo: Cia das Letras, 1997. (PDF).

Mas parece-me que o Dalrymple vê todo julgamento moral como preconceituoso, com a diferença de que uns são bons e outros são maus preconceitos. Para o autor todos os juízos valorativos são incapazes de serem justificados crítica e racionalmente. Contraditoriamente, ele escreveu um livro para mostrar a razoabilidade do que ele defende. Se tudo são preconceitos que não podem ser fundamentados com argumentos coerentes, como ele pode argumentar a favor do que defende, como sendo um bom preconceito? Ao que ele pode apelar, para mostrar a superioridade do que escreve, se não à argumentos que ele julga passados pelo crivo da coerência, consistência, validez e dados empíricos? Claro que ele acredita que a sua apologia é racional e coerente, e se ela é assim, ela já não é mais um preconceito de sua parte, mas um conceito bem formado.

Dalrymple trabalha mal, a ideia de preconceito. Em contrapartida, ele é um ótimo opositor do relativismo pós-moderno. E parte substancial de seu livro dedica-se a refutar as ideias e legado do Filósofo do século XIX, John Stuart Mill, a quem ele credita grande parte dos preconceitos danosos do nosso tempo.

Analisemos apenas um exemplo de sua confusão entre preconceito e conceito/ideia bem fundamentada:

“Derrubar determinado preconceito não significa destruir o preconceito enquanto tal. Na verdade, implica inculcar outro preconceito. O preconceito que afirma ser errado criar um filho fora do casamento foi substituído por outro que diz que não há absolutamente nada de errado com isso”. P. 32.

Há um equívoco aí. A pessoa que diz não ser errado criar um filho fora do matrimônio, pode apresentar evidências, tais como pesquisas históricas, antropológicas, sociológicas, psicológicas, dados, estudos de caso, e tantas outras provas circunstanciais que mostram que é totalmente razoável criar uma criança na ausência de um pai ou de uma mãe, e que isso não prejudicará a educação e desenvolvimento emocional dela. Neste caso, não seria mais um preconceito substituindo outro, mas, sim, um conceito bem fundamentado nas ciências disponíveis, mostrando, que quem defende a criação de filhos fora do casamento não está sendo preconceituoso. De modo semelhante, o que diz ser errado criar, poderá apresentar suas evidências avaliadas criticamente, e, assim, não será mais um (mau ou bom) preconceito, mas uma ideia firmada e alicerçada. Ele mesmo escreve:

“Ao surgirem diferenças irreconciliáveis, muitas das discussões sobre questões substantivas são hoje em dia encerradas da seguinte forma: ‘Bem, a minha opinião é tão válida quanto a sua’. Pouco importa se entre os debatedores existe alguém que fez um estudo profundo sobre a questão, tem mais evidências à disposição e construiu uma moldura lógica para articulá-las, e se as pessoas que reivindicam igual ‘validade’ para as suas opiniões sobre a questão nunca tenham antes pensado no assunto e se apresentam como totalmente ignorantes diante de tudo aquilo que é mais relevante". P. 50.

Se é dessa forma como está escrito acima, não é mais uma briga entre o mau preconceito e o bom preconceito. É a luta do preconceito contra o conceito bem pensado, avaliado e escrutinado pelas evidências. Dalrymple confunde alhos com bugalhos. O título de seu livro se presta a causar uma polêmica desnecessária. 

Ainda neste tema de filhos fora do casamento, ele conta que certas adolescentes (de 13 anos de idade) de Londres, substituíram o preconceito de não ter filhos ainda jovens, pelo preconceito de que é bom ser mãe precocemente na adolescência. Dalrymple vê ambas as visões como preconceituosas, com a distinção é claro de que o preconceito dessas adolescentes de serem mães jovens, é um mau preconceito que substituiu um bom preconceito. Mas pode-se mostrar a essas adolescentes, que ser mãe muito jovem não é legal, dando vários motivos e provas de que mães adolescentes perdem muitas oportunidades de estudo, perda de juventude, de que terão dificuldades em encontrar um bom emprego e etc. Mais uma vez repito: Neste caso, não seria preconceito algum, mas uma visão aprovada pelos inúmeros exemplos de mães jovens que foram prejudicadas por terem filhos tão cedo em suas vidas. Um conceito ancorado em boas provas. 

Ao longo do livro vários exemplos são dados sobre os preconceitos (que ele acha) ruins, que diga-se de passagem, são os que estão substituindo os milenares e centenários preconceitos (que ele acredita que a maioria deles são os bons preconceitos).

“Em geral é muito mais fácil substituir um bom preconceito por um ruim, do que o contrário, e talvez isso ocorra (falo aqui como alguém desprovido de crenças religiosas) porque o coração do homem se inclina mais ao mal do que ao bem, mais à gula do que à moderação, ao ódio do que ao amor, à preguiça e não à indústria, ao orgulho em vez da modéstia, e assim por diante.” P. 79.

Ele diz que banir as velhas proibições, resultarão em novas proibições.

“À medida que proibições morais tradicionais, inibições e antigas considerações são destruídas pela crítica corrosiva da verborreia filosófica, novas proibições imediatamente aparecerão para preencher o vácuo gerado.” P. 59.

“Uma filosofia que se destine a destruir a influência do costume, da tradição, da autoridade e do preconceito de fato destrói costumes particulares, como também tradições, autoridades e preconceitos específicos, mas apenas para substituí-los por outros. Tanto nesse aspecto da existência humana como em todos os outros, o novo poderá ser melhor que o antigo, mas também poderá ser pior”. P. 62.

Dalrymple dá umas boas cacetadas no relativismo, o que muito me agrada.  

“[...] é muito fácil exagerar ou superestimar a natureza provisória do conhecimento científico. Quando um biólogo eminente que conheço encontra alguém que diz a ele que, afinal de contas, a ciência trabalha apenas com hipóteses, ele costuma responder: 'Mas o sangue de fato circula'. Não mais esperamos que se façam experimentos cujo intuito seria provar a não circulação do sangue, da mesma forma que não esperamos que um matemático apareça com a hipótese de que dois mais dois não somariam quatro”. P. 47.

Mas o pessoal de humanas continua teimando, teimando e teimando - relativizando a ciência quando lhes é conveniente. Idolatram as verborragias de Foulcault e cia.

Ao contrário do que dizem os pós-modernos, o conhecimento verdadeiro pode ser buscado e alcançado.

“Depreende-se como uma das grandes conquistas de nossa civilização o fato de, num grau sem paralelo em outros lugares, ela ter criado os meios institucionais através dos quais o conhecimento genuíno pode ser buscado e disseminado, e por ter examinado simultânea e continuamente a força das evidências sobre as quais esse conhecimento se baseia. Essas instituições operam na medida em que são livres, é claro, embora não livres de preconceito ou de ideias preconcebidas, pois isso seria impossível, mas livres para examinar esses preconceitos e ideias preconcebidas à luz das novas evidências, modificando ou rejeitando os antigos modelos à medida que isso se torna intelectualmente necessário. Todavia, essa liberdade não pressupõe necessariamente o seu mau uso: o sábio questiona apenas aquelas coisas que merecem questionamento.” P. 47.

Algumas verdades também são ditas sobre o socialismo:

“Recentes tentativas de se promover a plena igualdade, tanto econômica quanto social, não foram completamente felizes, todavia. De fato, essas tentativas tiveram como resultado as piores atrocidades da história da humanidade. A mais radical entre elas foi a do Khmer Vermelho no Camboja, e o Sendero Luminoso no Peru cometeria atrocidades semelhantes, embora em escala muito maior caso não tivesse sido derrotado. É uma questão em aberto saber se, por trás do anseio por igualdade, esconde-se o anseio por poder. Tudo o que pode ser dito é que sempre que o anseio se expressa de maneira intransigente, os horrores mais atrozes advirão.” P. 75-76.