DALRYMPLE, Theodore. Em Defesa do Preconceito. São Paulo: É
Realizações, 2015. (PDF).
“O amor pela
verdade, embora exista, é geralmente mais fraco do que o amor pelo poder”. P. 24.
Theodore Dalrymple é um Psiquiatra que tem uma substancial
literatura que trata de temas culturais contemporâneos. O título desse livro é
polêmico e pode gerar preconceito antes que o leiamos. A ideia que ele passa do
que seja o preconceito é diferente do que vemos nos dicionários, apesar dele no
início já trazer a definição padrão, no Dicionário de Oxford.
Para mim, preconceito é termos juízos injustificados sobre
algo ou alguém, mas que podem estar corretos, apesar de não podermos no momento
do julgamento, legitimá-los mediante bons argumentos baseados em evidências.
Como bem falou Hao Wang, Ph.D em Filosofia na Universidade de Harvard:
"É claro
que um preconceito não é necessariamente falso. E, sim, uma crença fortemente
aceita e não garantida pelas evidências disponíveis, sendo a intensidade da
convicção desproporcional em relação às evidências que a sustentam". P. 102.
BROCKMAN, John; MATSON, Katinka (Orgs). As Coisas São Assim:
Pequeno Repertório Científico do Mundo que nos Cerca. São Paulo: Cia das Letras,
1997. (PDF).
Mas parece-me que o Dalrymple vê todo julgamento moral como
preconceituoso, com a diferença de que uns são bons e outros são maus
preconceitos. Para o autor todos os juízos valorativos são incapazes de serem
justificados crítica e racionalmente. Contraditoriamente, ele escreveu um livro
para mostrar a razoabilidade do que ele defende. Se tudo são preconceitos que
não podem ser fundamentados com argumentos coerentes, como ele pode argumentar
a favor do que defende, como sendo um bom preconceito? Ao que ele pode apelar,
para mostrar a superioridade do que escreve, se não à argumentos que ele julga
passados pelo crivo da coerência, consistência, validez e dados empíricos?
Claro que ele acredita que a sua apologia é racional e coerente, e se ela é
assim, ela já não é mais um preconceito de sua parte, mas um conceito bem formado.
Dalrymple trabalha mal, a ideia de preconceito. Em
contrapartida, ele é um ótimo opositor do relativismo pós-moderno. E parte
substancial de seu livro dedica-se a refutar as ideias e legado do Filósofo do
século XIX, John Stuart Mill, a quem ele credita grande parte dos preconceitos
danosos do nosso tempo.
Analisemos apenas um exemplo de sua confusão entre preconceito e conceito/ideia bem fundamentada:
“Derrubar
determinado preconceito não significa destruir o preconceito enquanto tal. Na
verdade, implica inculcar outro preconceito. O preconceito que afirma ser
errado criar um filho fora do casamento foi substituído por outro que diz que
não há absolutamente nada de errado com isso”. P. 32.
Há um equívoco aí. A pessoa que diz não ser errado criar um filho fora
do matrimônio, pode apresentar evidências, tais como pesquisas históricas,
antropológicas, sociológicas, psicológicas, dados, estudos de caso, e tantas
outras provas circunstanciais que mostram que é totalmente razoável criar uma
criança na ausência de um pai ou de uma mãe, e que isso não prejudicará a educação
e desenvolvimento emocional dela. Neste caso, não seria mais um preconceito
substituindo outro, mas, sim, um conceito bem fundamentado nas ciências
disponíveis, mostrando, que quem defende a criação de filhos fora do casamento
não está sendo preconceituoso. De modo semelhante, o que diz ser errado criar,
poderá apresentar suas evidências avaliadas criticamente, e, assim, não será
mais um (mau ou bom) preconceito, mas uma ideia firmada e alicerçada. Ele mesmo
escreve:
“Ao surgirem
diferenças irreconciliáveis, muitas das discussões sobre questões substantivas
são hoje em dia encerradas da seguinte forma: ‘Bem, a minha opinião é tão
válida quanto a sua’. Pouco importa se entre os debatedores existe alguém que
fez um estudo profundo sobre a questão, tem mais evidências à disposição e
construiu uma moldura lógica para articulá-las, e se as pessoas que reivindicam
igual ‘validade’ para as suas opiniões sobre a questão nunca tenham antes
pensado no assunto e se apresentam como totalmente ignorantes diante de tudo
aquilo que é mais relevante". P. 50.
Se é dessa forma como está escrito acima, não é mais uma
briga entre o mau preconceito e o bom preconceito. É a luta do preconceito
contra o conceito bem pensado, avaliado e escrutinado pelas evidências. Dalrymple
confunde alhos com bugalhos. O título de seu livro se presta a causar uma polêmica desnecessária.
Ainda neste tema de filhos fora do casamento, ele conta que certas adolescentes (de 13 anos de idade) de Londres, substituíram o preconceito de não ter filhos ainda jovens, pelo preconceito de que é bom ser mãe precocemente na adolescência. Dalrymple vê ambas as visões como preconceituosas, com a distinção é claro de que o preconceito dessas adolescentes de serem mães jovens, é um mau preconceito que substituiu um bom preconceito. Mas pode-se mostrar a essas adolescentes, que ser mãe muito jovem não é legal, dando vários motivos e provas de que mães adolescentes perdem muitas oportunidades de estudo, perda de juventude, de que terão dificuldades em encontrar um bom emprego e etc. Mais uma vez repito: Neste caso, não seria preconceito algum, mas uma visão aprovada pelos inúmeros exemplos de mães jovens que foram prejudicadas por terem filhos tão cedo em suas vidas. Um conceito ancorado em boas provas.
Ainda neste tema de filhos fora do casamento, ele conta que certas adolescentes (de 13 anos de idade) de Londres, substituíram o preconceito de não ter filhos ainda jovens, pelo preconceito de que é bom ser mãe precocemente na adolescência. Dalrymple vê ambas as visões como preconceituosas, com a distinção é claro de que o preconceito dessas adolescentes de serem mães jovens, é um mau preconceito que substituiu um bom preconceito. Mas pode-se mostrar a essas adolescentes, que ser mãe muito jovem não é legal, dando vários motivos e provas de que mães adolescentes perdem muitas oportunidades de estudo, perda de juventude, de que terão dificuldades em encontrar um bom emprego e etc. Mais uma vez repito: Neste caso, não seria preconceito algum, mas uma visão aprovada pelos inúmeros exemplos de mães jovens que foram prejudicadas por terem filhos tão cedo em suas vidas. Um conceito ancorado em boas provas.
Ao longo do livro vários exemplos são dados sobre os preconceitos
(que ele acha) ruins, que diga-se de passagem, são os que estão substituindo os
milenares e centenários preconceitos (que ele acredita que a maioria deles são
os bons preconceitos).
“Em geral é
muito mais fácil substituir um bom preconceito por um ruim, do que o contrário,
e talvez isso ocorra (falo aqui como alguém desprovido de crenças religiosas)
porque o coração do homem se inclina mais ao mal do que ao bem, mais à gula do
que à moderação, ao ódio do que ao amor, à preguiça e não à indústria, ao
orgulho em vez da modéstia, e assim por diante.” P. 79.
Ele diz que banir as velhas proibições, resultarão em novas proibições.
“À medida que
proibições morais tradicionais, inibições e antigas considerações são
destruídas pela crítica corrosiva da verborreia filosófica, novas proibições
imediatamente aparecerão para preencher o vácuo gerado.” P. 59.
“Uma
filosofia que se destine a destruir a influência do costume, da tradição, da
autoridade e do preconceito de fato destrói costumes particulares, como também
tradições, autoridades e preconceitos específicos, mas apenas para
substituí-los por outros. Tanto nesse aspecto da existência humana como em
todos os outros, o novo poderá ser melhor que o antigo, mas também poderá ser
pior”. P. 62.
Dalrymple dá umas boas cacetadas no relativismo, o que
muito me agrada.
“[...] é
muito fácil exagerar ou superestimar a natureza provisória do conhecimento
científico. Quando um biólogo eminente que conheço encontra alguém que diz a
ele que, afinal de contas, a ciência trabalha apenas com hipóteses, ele costuma
responder: 'Mas o sangue de fato circula'. Não mais esperamos que se façam
experimentos cujo intuito seria provar a não circulação do sangue, da mesma
forma que não esperamos que um matemático apareça com a hipótese de que dois
mais dois não somariam quatro”. P. 47.
Mas o pessoal de humanas continua teimando, teimando e
teimando - relativizando a ciência quando lhes é conveniente. Idolatram as
verborragias de Foulcault e cia.
Ao contrário do que dizem os pós-modernos, o conhecimento
verdadeiro pode ser buscado e alcançado.
“Depreende-se
como uma das grandes conquistas de nossa civilização o fato de, num grau sem
paralelo em outros lugares, ela ter criado os meios institucionais através dos
quais o conhecimento genuíno pode ser buscado e disseminado, e por ter
examinado simultânea e continuamente a força das evidências sobre as quais esse
conhecimento se baseia. Essas instituições operam na medida em que são livres,
é claro, embora não livres de preconceito ou de ideias preconcebidas, pois isso
seria impossível, mas livres para examinar esses preconceitos e ideias
preconcebidas à luz das novas evidências, modificando ou rejeitando os antigos
modelos à medida que isso se torna intelectualmente necessário. Todavia, essa
liberdade não pressupõe necessariamente o seu mau uso: o sábio questiona apenas
aquelas coisas que merecem questionamento.” P. 47.
Algumas verdades também são ditas sobre o socialismo:
“Recentes
tentativas de se promover a plena igualdade, tanto econômica quanto social, não
foram completamente felizes, todavia. De fato, essas tentativas tiveram como
resultado as piores atrocidades da história da humanidade. A mais radical entre
elas foi a do Khmer Vermelho no Camboja, e o Sendero Luminoso no Peru cometeria
atrocidades semelhantes, embora em escala muito maior caso não tivesse sido
derrotado. É uma questão em aberto saber se, por trás do anseio por igualdade,
esconde-se o anseio por poder. Tudo o que pode ser dito é que sempre que o
anseio se expressa de maneira intransigente, os horrores mais atrozes advirão.” P. 75-76.