KELLER, Timothy. A Fé na Era do Ceticismo. São Paulo:
Vida Nova, 2015.
Página após página a pujança e habilidade
argumentativa do Keller me constrangia. Fiquei impressionado com a destreza
dele a cada parágrafo e capítulos lidos. Nos primeiros capítulos (exceto o
capítulo 5), tenho que admitir que fiquei simplesmente ESTUPEFATO com a maneira
de como ele disserta sobre a fé. Ele destroça o ceticismo ateu, e mostra a
razoabilidade do cristianismo, enquanto sistema de crença que pode nos dá uma
nova cosmovisão.
Claro que nem tudo no livro me deixou impressionado.
Nos capítulos finais minha empolgação e admiração diminuíram. Achei as palavras
dele romantizadas demais. Algo que não é novidade nos livros cristãos. Às vezes
penso que o cristianismo é a espécie de religião que criou a doença e depois
inventou a cura para depois pousar de herói.
Mas o livro é bom mesmo. Sem igual. O autor está de
parabéns. Sua abordagem inteligente faz qualquer um ficar no canto da parede,
que nem um camundongo diante de um gato furioso prestes a atacá-lo.
Aqui vão alguns trechos que julguei interessantes:
“Todas
as dúvidas, por mais céticas e cínicas que pareçam, são, na verdade, um
conjunto de crenças alternativas. Não é possível duvidar da crença A, a não ser
a partir de uma postura de fé na crença B”. P. 21.
Só podemos ser incrédulos (ateus, por exemplo) em relação ao
teísmo se tivermos uma postura de fé no ateísmo. Visto que não podemos provar a
asserção de que Deus não existe. A questão é qual crença é a mais razoável:
teísmo ou ateísmo.
Algumas páginas à frente, Keller escreve:
“A
Rússia soviética, a China comunista, o Kmer Vermelho e (de uma forma diversa) a
Alemanha nazista se dispuseram a controlar rigidamente a prática religiosa na
tentativa de impedir que ela dividisse a sociedade ou minasse o poder do
Estado. Resultado, porém, não foi mais paz e harmonia e, sim, mais opressão”. P.
31.
Em complemento, ele cita o Alister McGrath, Teólogo, Historiador
e Cientista, que diz:
“O
século 20 deu ensejo a um dos maiores e mais incômodos paradoxos da história
humana: os maiores atos de intolerância e violência desse século foram
praticados pelos que acreditavam que a religião gerava intolerância e
violência”. P. 31.
Os ateus e antirreligiosos não têm o que dizer; aí
tentam desmerecer sem argumentos esse tipo de declaração. Mas a grande ironia
permanece: Estados ateus foram totalitários e assassinos.
Keller em sua defesa do teísmo não deixa de mencionar
e refutar o badalado relativismo pós-moderno tão em voga nos meios
universitários. Para reforçar seu argumento, ele faz uso do renomado Sociólogo
Peter Berger, que está entre os acadêmicos sóbrios e inteligentes que não
aderem a barca furada que é o relativismo. Berger diz que: "A relatividade relativiza a si própria". P. 36. E num é
não?!
Keller acerta quando dispara:
"O
condicionamento social da crença é um fato, mas ele não pode ser usado como
argumento de que toda verdade é completamente relativa, sob pena de o argumento
refutar a si mesmo". P. 36.
E destruindo uma das falsas teses de Foucault, talvez
o maior guru dessa geração de universitários imaturos, Keller escreve:
“Inspirados
em Foucault [quase deus dos cursos de humanas], muitos afirmam que todas as
alegações de verdade são exercícios de poder. Quando afirma ser dono da
verdade, você está tentando exercer poder e controle sobre terceiros. [...] No
entanto, o argumento de que toda a verdade é um exercício de poder padece do
mesmo problema presente no argumento de que toda a verdade é culturalmente
condicionada. [...] Se você afirmar que toda alegação de posse da verdade é um
exercício de poder, então sua afirmação também é um exercício de
poder. Foucault impunha a terceiros a verdade de sua própria análise mesmo
negando a própria verdade como categoria”. P. 63, 64.
Harvey Siegel, Filósofo da Universidade de Harvard, faz coro com o Keller e o Berger:
Harvey Siegel, Filósofo da Universidade de Harvard, faz coro com o Keller e o Berger:
"[...]
o relativismo não pode se autoproclamar ou mesmo se autorreconhecer sem
derrotar a si mesmo". P. 152.
Há quase cinco anos tenho constatado vez após vez, que um
exército de acadêmicos inteligentemente não sucumbiram à falácia mais falaciosa
(se é que posso dizer assim) dos últimos 50 anos.
Trabalhando o problemático problema do mal:
“Se
você tem certeza de que este mundo natural é injusto e tomado pelo mal, está
admitindo a realidade de algum padrão extranatural (ou sobrenatural) a partir
do qual elabora o seu juízo”. P. 53.
Mas aquilo que chamamos (e sentimos, obviamente) de “dor e
sofrimento físico” não poderia ser o critério pelo qual classificamos e achamos
o nosso mundo “injusto e mal”, não? Por exemplo, se virmos uma criança sendo
torturada, nos compadecemos, porque sabemos que isso é doloroso tanto física como psicologicamente, e, portanto,
adjetivamos tal ato como sendo “errado e cruel”.
Nesse caso, talvez não fosse mera subjetividade, não
invocar a figura divina, mas um dado compartilhado por todos (ou quase todos) –
o de que ter a sua integridade física ferida é simplesmente algo ruim.
Os animais até onde sabemos não têm uma consciência tão
sofisticada como a nossa e nem ficam discutindo as “questões últimas e
primordiais” que tanto debatemos e, mesmo assim, SABEM (mesmo que
instintivamente) que serem maltratados e torturados é algo não desejável. Não
estão “admitindo a realidade de algum padrão extranatural (ou sobrenatural) a
partir do qual elabora[m] o seu juízo”. Não precisam apelar para nada fora além
deles mesmos.
Isso são apenas divagações supérfluas de minha parte,
visto que compactuo do pensamento do autor nesse ponto, baseado numa série de
argumentos complementares, que dão uma boa sustentação teórica ao enunciado
citado. Queria poder elaborar melhor a questão, mas falta-me agudeza
filosófica.
Numa simplicidade sem igual, o Keller põe abaixo as
declarações triunfalistas dos materialistas mais empolgados.
“Não
há modelo experimental para verificar a declaração ‘é impossível existir uma
causa sobrenatural para algum fenômeno natural’. Assim trata-se de uma
pressuposição filosófica e não de uma descoberta científica. [...] Para ter
certeza de que milagres não acontecem, você precisaria estar absolutamente
convencido de que Deus não existe, e isso é um elemento de fé”. P. 115.
O Biólogo da Universidade de Oxford, Richard Dawkins, é outra
mulher de malandro que adora apanhar. Dessa vez, Terry Eagleton, Professor de
Teoria Cultural na Universidade Nacional da Irlanda e Professor Visitante da
Universidade de Notre Dame, dá-lhe uma coronhada certeira.
“Dawkins
considera toda fé como fé cega e acha que as crianças cristãs e muçulmanas são
criadas para crer sem questionar. Nem mesmo os clérigos idiotas que me
maltratavam no primeiro grau pensavam assim. Para o Cristianismo, a razão, a
argumentação e a dúvida honesta sempre tiveram importante papel na fé. [...] A
razão, é claro, não é onipresente para os que creem, mas também não é para os
tipos não religiosos mais sensíveis e civilizados. Até Richard Dawkins vive mais
segundo a fé do que segundo a razão. Nutrimos várias crenças que não podem ser
racionalmente justificadas, mas, ainda assim, elas nos parecem razoáveis”. P.
152.
E
encerrando:
“Tudo
o que conhecemos neste mundo é ‘contingente’, tem uma causa fora de si mesmo.
Assim, o universo, que não passa de uma enorme montanha de tais entidades
contingentes, teria de ser dependente de alguma causa fora de si mesmo”. P.
161.
Mais simples (e não simplista) do que isso, impossível.