quinta-feira, 29 de outubro de 2015

A Fé na Era do Ceticismo


KELLER, Timothy. A Fé na Era do Ceticismo. São Paulo: Vida Nova, 2015.

Página após página a pujança e habilidade argumentativa do Keller me constrangia. Fiquei impressionado com a destreza dele a cada parágrafo e capítulos lidos. Nos primeiros capítulos (exceto o capítulo 5), tenho que admitir que fiquei simplesmente ESTUPEFATO com a maneira de como ele disserta sobre a fé. Ele destroça o ceticismo ateu, e mostra a razoabilidade do cristianismo, enquanto sistema de crença que pode nos dá uma nova cosmovisão.

Claro que nem tudo no livro me deixou impressionado. Nos capítulos finais minha empolgação e admiração diminuíram. Achei as palavras dele romantizadas demais. Algo que não é novidade nos livros cristãos. Às vezes penso que o cristianismo é a espécie de religião que criou a doença e depois inventou a cura para depois pousar de herói. 

Mas o livro é bom mesmo. Sem igual. O autor está de parabéns. Sua abordagem inteligente faz qualquer um ficar no canto da parede, que nem um camundongo diante de um gato furioso prestes a atacá-lo.
Aqui vão alguns trechos que julguei interessantes:

“Todas as dúvidas, por mais céticas e cínicas que pareçam, são, na verdade, um conjunto de crenças alternativas. Não é possível duvidar da crença A, a não ser a partir de uma postura de fé na crença B”. P. 21.

Só podemos ser incrédulos (ateus, por exemplo) em relação ao teísmo se tivermos uma postura de fé no ateísmo. Visto que não podemos provar a asserção de que Deus não existe. A questão é qual crença é a mais razoável: teísmo ou ateísmo.

Algumas páginas à frente, Keller escreve:

“A Rússia soviética, a China comunista, o Kmer Vermelho e (de uma forma diversa) a Alemanha nazista se dispuseram a controlar rigidamente a prática religiosa na tentativa de impedir que ela dividisse a sociedade ou minasse o poder do Estado. Resultado, porém, não foi mais paz e harmonia e, sim, mais opressão”. P. 31.

Em complemento, ele cita o Alister McGrath, Teólogo, Historiador e Cientista, que diz:

“O século 20 deu ensejo a um dos maiores e mais incômodos paradoxos da história humana: os maiores atos de intolerância e violência desse século foram praticados pelos que acreditavam que a religião gerava intolerância e violência”. P. 31.

Os ateus e antirreligiosos não têm o que dizer; aí tentam desmerecer sem argumentos esse tipo de declaração. Mas a grande ironia permanece: Estados ateus foram totalitários e assassinos.

Keller em sua defesa do teísmo não deixa de mencionar e refutar o badalado relativismo pós-moderno tão em voga nos meios universitários. Para reforçar seu argumento, ele faz uso do renomado Sociólogo Peter Berger, que está entre os acadêmicos sóbrios e inteligentes que não aderem a barca furada que é o relativismo. Berger diz que: "A relatividade relativiza a si própria". P. 36. E num é não?! 
Keller acerta quando dispara:

"O condicionamento social da crença é um fato, mas ele não pode ser usado como argumento de que toda verdade é completamente relativa, sob pena de o argumento refutar a si mesmo". P. 36.

E destruindo uma das falsas teses de Foucault, talvez o maior guru dessa geração de universitários imaturos, Keller escreve:

“Inspirados em Foucault [quase deus dos cursos de humanas], muitos afirmam que todas as alegações de verdade são exercícios de poder. Quando afirma ser dono da verdade, você está tentando exercer poder e controle sobre terceiros. [...] No entanto, o argumento de que toda a verdade é um exercício de poder padece do mesmo problema presente no argumento de que toda a verdade é culturalmente condicionada. [...] Se você afirmar que toda alegação de posse da verdade é um exercício de poder, então sua afirmação também é um exercício de poder. Foucault impunha a terceiros a verdade de sua própria análise mesmo negando a própria verdade como categoria”. P. 63, 64.

Harvey Siegel, Filósofo da Universidade de Harvard, faz coro com o Keller e o Berger:

"[...] o relativismo não pode se autoproclamar ou mesmo se autorreconhecer sem derrotar a si mesmo". P. 152. 

Há quase cinco anos tenho constatado vez após vez, que um exército de acadêmicos inteligentemente não sucumbiram à falácia mais falaciosa (se é que posso dizer assim) dos últimos 50 anos.

Trabalhando o problemático problema do mal:

“Se você tem certeza de que este mundo natural é injusto e tomado pelo mal, está admitindo a realidade de algum padrão extranatural (ou sobrenatural) a partir do qual elabora o seu juízo”. P. 53.

Mas aquilo que chamamos (e sentimos, obviamente) de “dor e sofrimento físico” não poderia ser o critério pelo qual classificamos e achamos o nosso mundo “injusto e mal”, não? Por exemplo, se virmos uma criança sendo torturada, nos compadecemos, porque sabemos que isso é doloroso tanto física como psicologicamente, e, portanto, adjetivamos tal ato como sendo “errado e cruel”. 

Nesse caso, talvez não fosse mera subjetividade, não invocar a figura divina, mas um dado compartilhado por todos (ou quase todos) – o de que ter a sua integridade física ferida é simplesmente algo ruim.

Os animais até onde sabemos não têm uma consciência tão sofisticada como a nossa e nem ficam discutindo as “questões últimas e primordiais” que tanto debatemos e, mesmo assim, SABEM (mesmo que instintivamente) que serem maltratados e torturados é algo não desejável. Não estão “admitindo a realidade de algum padrão extranatural (ou sobrenatural) a partir do qual elabora[m] o seu juízo”. Não precisam apelar para nada fora além deles mesmos.

Isso são apenas divagações supérfluas de minha parte, visto que compactuo do pensamento do autor nesse ponto, baseado numa série de argumentos complementares, que dão uma boa sustentação teórica ao enunciado citado. Queria poder elaborar melhor a questão, mas falta-me agudeza filosófica. 

Numa simplicidade sem igual, o Keller põe abaixo as declarações triunfalistas dos materialistas mais empolgados.

“Não há modelo experimental para verificar a declaração ‘é impossível existir uma causa sobrenatural para algum fenômeno natural’. Assim trata-se de uma pressuposição filosófica e não de uma descoberta científica. [...] Para ter certeza de que milagres não acontecem, você precisaria estar absolutamente convencido de que Deus não existe, e isso é um elemento de fé”. P. 115.

O Biólogo da Universidade de Oxford, Richard Dawkins, é outra mulher de malandro que adora apanhar. Dessa vez, Terry Eagleton, Professor de Teoria Cultural na Universidade Nacional da Irlanda e Professor Visitante da Universidade de Notre Dame, dá-lhe uma coronhada certeira. 

“Dawkins considera toda fé como fé cega e acha que as crianças cristãs e muçulmanas são criadas para crer sem questionar. Nem mesmo os clérigos idiotas que me maltratavam no primeiro grau pensavam assim. Para o Cristianismo, a razão, a argumentação e a dúvida honesta sempre tiveram importante papel na fé. [...] A razão, é claro, não é onipresente para os que creem, mas também não é para os tipos não religiosos mais sensíveis e civilizados. Até Richard Dawkins vive mais segundo a fé do que segundo a razão. Nutrimos várias crenças que não podem ser racionalmente justificadas, mas, ainda assim, elas nos parecem razoáveis”. P. 152.

E encerrando:

“Tudo o que conhecemos neste mundo é ‘contingente’, tem uma causa fora de si mesmo. Assim, o universo, que não passa de uma enorme montanha de tais entidades contingentes, teria de ser dependente de alguma causa fora de si mesmo”. P. 161.

Mais simples (e não simplista) do que isso, impossível.