domingo, 7 de fevereiro de 2016

Apocalypto


Apocalypto, produzido entre 2006 e 2007, retrata um pouco da história dos povos pré-colombianos aqui na América do Sul, mostrando como eles viviam, caçavam e se relacionavam entre si. Mostra mais precisamente os povos que nos são conhecidos como os maias. Um povo que dominou toda a região que hoje nós conhecemos como a América Central e ainda uma pequena parte do país conhecido atualmente por México.

O filme começa mostrando um pouco de como era a vida de uma pequena e inexpressiva tribo que ainda não tinha se submetido ao regime do grande império maia. Essa tribo juntamente com outra é capturada traiçoeiramente pelos guerreiros maias. E assim começa o sofrimento dos homens, mulheres e crianças que dela faziam parte. O interessante é que os guerreiros maias não atacam as crianças; elas são abandonadas e ficam para trás sem rumo a seguir, já que os seus pais foram mortos ou capturados para serem levados ao império desses guerreiros.

O filme é muito interessante e empolgante, pois, percebe-se pelas cenas que foi muito bem feito e produzido. As cenas que compõem as lutas entre os guerreiros são bem violentas e deixam o telespectador bem vidrado nele. É um filme histórico e de ação ao mesmo tempo.

Quando os sobreviventes masculinos dessas duas tribos chegam a capital do império maia, servirão para “matar a sede dos deuses” em sacrifícios. Eles mesmos serão sacrificados para que venha a prosperidade sobre o império. O filme mostra a cidade opulenta dos maias. A imagem que ele traz dessa cidade é assustadora e macabra; um inferno na terra. Mostra os sacerdotes sacrificando pessoas no alto das pirâmides e a população lá embaixo vibrando por cada cabeça cortada que sai rolando escadaria abaixo. São cenas chocantes, no entanto, retratam um pouco do que eram os rituais religiosos dos povos maias.

Um a um os guerreiros capturados vão sendo sacrificados. Mas chega uma hora em que acontece um eclipse solar e os sacerdotes interpretam o fenômeno como uma aprovação e saciedade dos deuses diante dos inúmeros sacrifícios que lhes foram feitos. Alguns desses guerreiros não precisaram ser sacrificados, mas algumas cenas depois são mortos. Porem, um dos guerreiros sobrevive e consegue fugir. Os guerreiros maias vão atrás dele e assim o filme nos proporciona cenas de tirar o fôlego nessa eletrizante perseguição. O guerreiro fujão consegue ser bem-sucedido e reencontra a sua mulher e seus dois filhos. O filme acaba com os espanhóis chegando à praia e o protagonista do filme com a sua família em busca de um “novo começo”, que é o significado do nome “Apocalypto”.

No entanto, apesar de ser um filme que vale a pena ser visto, pelas suas cenas de ação e pelo enredo – a meu ver, tem uma pitada bem sutil de ideologia eurocentrista. De maneira implícita, e poder-se dizer, até de uma maneira subliminar, a película quer evidenciar a “incivilidade”, “crueldade” e “inferioridade” da cultura desses povos perante a “civilidade” e “humanidade” dos europeus. Infelizmente poucas pessoas que assistirem perceberá isso. 

Fica implícito com a chegada dos europeus na praia, que com a sua presença, a “crueldade” desses povos chegará ao fim. Os cristãos, “servos do Deus verdadeiro” irão “trazer a luz” a esses povos “imersos nas trevas”.

O filme realmente é muito bom, mas peca na ideologia em que está comprometido. Uma ideologia eurocentrista e etnocêntrica. Não é à toa, que o filme tem cenas com muito sangue do começo ao fim, dando a entender que esses povos eram bárbaros e precisavam ser “salvos” pelos europeus.
  
Relacionando ele com o livro A América que os europeus encontraram, de Enrique Peregalli (Licenciado em História pela USP e Mestre pela PUC-SP), este trabalha numa linha de pensamento completamente contrária ao que o filme nos passa. Por exemplo, o texto intitulado “O choque de duas civilizações”, ele nos diz que os espanhóis estavam:

“Impacientes por se tornarem ricos, os marinheiros de Colombo não se conformaram com os presentes em ouro e prata dados pelos pacíficos habitantes dos trópicos e começaram a saquear as aldeias indígenas. O total desprezo pela população local pode ser retratado nos divertimentos preferidos dos espanhóis: o tiro ao alvo sobre seres vivos, o espetáculo de verem cães de guerra esquartejarem camponeses, caçada humana, estupros...” P. 05.

Os espanhóis não eram mais evoluídos, civilizados, humanos ou mais próximos de deus que os povos que habitavam a América. Pois eles fizeram muitas atrocidades em busca de riquezas.

“Os europeus dizimaram os construtores de uma civilização que em muitos aspectos superava a sua.” P. 06.

O texto do Peregalli nos diz acertadamente que “existiam nessas terras brilhantes civilizações, em muitos aspectos superiores à européia”. P.69. O Peregalli nos revela os argumentos dos americanistas e eurocentristas em relação à chegada dos europeus a este lado continente.

É bem patente a visão americanista do Peregalli, visto que ele se posiciona terminantemente contra a visão eurocentrista. Por exemplo, ele considera uma falácia, na argumentação eurocentrista, a ideia de que a destruição dos indígenas foi “involuntária”. Pois, ela foi orquestrada e sistematizada para facilitar a extração de riquezas dessas terras. O que se nota, e o texto nos informa muito bem sobre isso – é que a visão eurocentrista é completamente falaciosa. Os europeus chegaram nessas terras, e destruíram sem dó e piedade os povos que aqui já estavam estabelecidos há muito tempo. Eles não queriam “civilizar” esses povos. Queriam apenas as riquezas e o trabalho que os indígenas podiam proporcionar.

O texto exibe uma pequena biografia de Colombo, Pizarro e Cortés – as três figuras que foram bastante importantes para a colonização da América. Colombo foi um pragmático em assuntos de navegação, religioso em sua interpretação do mundo que acabava de conhecer e muito conivente com os abusos sexuais e violência de seus homens para com os índios. Cortéz foi um intelectual e um geopolítico. E finalmente, Pizarro, um analfabeto muito ambicioso e considerado o mais sanguinário dos conquistadores espanhóis.

Em minhas considerações, admito que o Peregalli não é conclusivo em seus argumentos. A sua obra não encerra o debate nessa polêmica questão. Algumas de suas argumentações para legitimar o pensamento americanista precisam ser melhoradas. No entanto, entre escolher a visão eurocentrista implícita no filme Apocalypto e a visão do Peregalli, com certeza fico com a segunda. Pois vejo que a América Latina até os dias atuais sofre as consequências dos mandos e desmandos que os europeus fizeram aqui.

REFERÊNCIAS

PEREGALLI, Enrique. A América que os europeus encontraram. São Paulo: Atual, 1994. 

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